sábado, 17 de junho de 2017

A forma

Há uma forma que nos persegue sempre
com os catorze passos de transpor a rua.
E se esboroa em dar os passos, a lua
a buscar a forma que não se cumpre.

A labareda que tremula numa trempe
já nos engana com a forma que insinua, 
chega tão próxima a promíscua língua
e o triunfo é não repetir o que se mostra.

A camisa que não modifica o dorso
que espera o braço, que alterna o fôlego,
enquanto isso, a libélula, em seu percurso, 

desprenderá a asa. Gritemos o nosso rogo!
Faltará a palavra de não repetir o dorso

da forma que voluteia e cai no fogo.

Cesar Vallejo

Atinge-me, há dias, uma gana ubérrima política...

Cesar Vallejo

Atinge-me, há dias, uma gana ubérrima política
de querer, de beijar a amada em suas duas faces,
e chega de longe um querer
demonstrativo, outro querer amar,  louco ou forte,
ao que me odeia, ao que rasga o seu papel, ao jovem,
ao que chora pelo que chorava,
ao rei do vinho, ao pau d'água, 
ao que se ocultou em sua ira,
ao que transpira, ao que passa, ao que sacode sua pessoa em minha alma.
E quero, portanto, acomodar
a trança do que fala; os cabelos do soldado;
a luz do maioral; a grandeza do pequeno.
Quero passar diretamente 
um lenço àquele que não pode chorar
e, quando estiver triste ou dói o meu destino,
ajustar as crianças e os gênios.
Quero ajudar o bom a ser um pouco mau
e tenho pressa de sentar-me à direita do surdo, e de responder ao mudo,
procurando a ele ser útil
em tudo que posso e também quero muitíssimo
lavar os pés do coxo,
e ajudar o manco ao lado a dormir.
Ah meu querer, este, o do mundo inteiro,
sobre-humano e paroquial, provecto!
Me chega nu,
desde a fundação, desde a virilha pública,
e vindo de longe, dá gana de beijar 
o lenço do cantor,
e, ao que sofre, beijar a sua vasilha,
ao surdo, em seu ruído craniano, impávido;
ao que me dá o que esqueci em meu seio,
o seu Dante, o seu Chaplin, em seus ombros;
Quero, para terminar,
quando chego à célebre beira da violência
ou com o peito cheio de coração, queria
ajudar a rir o que sorri,
alojar um passarinho bem na nuca do malvado,
cuidar dos enfermos deixando-os enfadados,
comprar dos vendedores,
ajudar o matador a matar - coisa terrível - 
e quisera se bom comigo

em tudo

Tradução de Salomão Sousa