tag:blogger.com,1999:blog-48433988256784206792023-11-16T04:37:51.974-08:00salomãosousaAqui serão publicadas as entrevistas concedidas pelo poeta Salomão Sousa, e as resenhas, artigos, rodapés e rapapés publicados sobre a sua obra. Os comentários cotidianos de Salomão Sousa, sobre livros, filmes, comportamento social, poderão ser consultados no blog www.safraquebrada.blogspot.comSalomão Sousahttp://www.blogger.com/profile/10761805823147763830noreply@blogger.comBlogger35125tag:blogger.com,1999:blog-4843398825678420679.post-40197819628027196532023-08-13T12:05:00.002-07:002023-08-13T12:06:50.202-07:00Por Jacqueline Assunção Soares, minha afilhada<p class="MsoNormal" style="line-height: 18pt; margin-bottom: 0cm; mso-line-height-rule: exactly; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: inherit;"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="font-family: inherit;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgJf0DcCTo46Vhv1pgA29BJy_TpxG7wXo9XRfzcitSNyhUR4XTXeux-bk3VYth3O9rodptysSd9ZsBVqhkdPcu5pmogJUx_2jYMDn0rbxZcDCD53xOPDPNoJOqR2QK6Cu0506HQY26muBt1P5n2ZtDCe1SlWYkA0P8TsNKSD6gsWXPKLI_8MI8do0AvQd4/s600/366746076_9763102420427425_898628803580231559_n.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="338" data-original-width="600" height="180" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgJf0DcCTo46Vhv1pgA29BJy_TpxG7wXo9XRfzcitSNyhUR4XTXeux-bk3VYth3O9rodptysSd9ZsBVqhkdPcu5pmogJUx_2jYMDn0rbxZcDCD53xOPDPNoJOqR2QK6Cu0506HQY26muBt1P5n2ZtDCe1SlWYkA0P8TsNKSD6gsWXPKLI_8MI8do0AvQd4/s320/366746076_9763102420427425_898628803580231559_n.jpg" width="320" /></a></span></div><span style="font-family: inherit;"><br /><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: inherit;">Hoje quero fazer um
agradecimento a duas pessoas muitos importantes em minha vida: meus queridos
Padrinhos. A escolha da data para fazer esse agradecimento, embora comercial,
não é coincidência, ela diz muito sobre a enorme importância que tem essas duas
pessoas incríveis, que permitiram que eu fizesse parte de suas vidas.</span></div><o:p></o:p></span><p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 18pt; margin-bottom: 0cm; mso-line-height-rule: exactly; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: inherit;">Foi uma enorme sorte
meu Padrinho ter aceito o pedido de minha mãe para batizar-me, apesar de
acreditar que não teria sido muito difícil de ele aceitar, já que se trata de
uma pessoa super bacana. E foi ainda mais sorte a minha Madrinha ter embarcado
nessa ideia e também ter aceito batizar uma desconhecida, rsrs... O fato é que
sou e sempre fui grata pelo que os dois fizeram por mim. Os dois foram
extremamente bondosos, generosos e corajosos de ter abrigado uma criatura que
não fazia parte da família, totalmente diferente da cultura e do modo de viver
deles. É preciso muita bondade, generosidade e sensibilidade para inserir o
outro, o diferente, em seu convívio e no de sua família. Admiro-os ainda mais
por isso...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 18pt; margin-bottom: 0cm; mso-line-height-rule: exactly; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: inherit;">Meu Padrinho,
extremamente bondoso e sensível às dificuldades sociais (sempre atento às
questões sociais), percebeu que minha mãe passava por dificuldades para criar
os quatro filhos sozinha, e resolveu ajudá-la ao me convidar a ir morar com sua
família. Penso, nunca conversei com eles sobre isso, que minha mãe, quando foi
fazer um tratamento de úlcera no hospital de base (minha madrinha trabalhava
lá) e lá reencontrou minha madrinha, comentou com ela que estava passando por
sérias dificuldades, e minha madrinha deve ter comentando com meu padrinho
sobre a situação, que tomou essa decisão.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 18pt; margin-bottom: 0cm; mso-line-height-rule: exactly; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: inherit;">O que lembro, depois
de minha mãe ter contado que havia reencontrado minha madrinha, é que um homem
alto, loiro, bem vestido, num carro preto, foi ter uma conversa com minha mãe e
entregar uma cesta básica natalina (e que cesta, minha gente! Nunca tínhamos
visto nada igual) para ela... Não recebíamos visitas. Morávamos num quartinho
nos fundos de uma casa, e a dona da casa foi chamar minha mãe, que foi receber
o rapaz no portão. Eu e meus irmãos ficamos curiosos, devido à surpresa de
alguém nos fazer uma visita, mas minha não permitiu que fôssemos com ela até o
portão. Então eu e minha irmã Lucília fomos escondidas “curiar” a conversa que
ocorria no portão, curvadas no beco da casa, na noite daquele dia. Lembro da
figura desse rapaz: alto, alegre e simpático. Como minha mãe não tinha o hábito
de conversar muito, nos disse o essencial: que meu padrinho estava me convidando
para ir morar um tempo com eles. O que fiquei extremamente feliz. E assim meu
padrinho ajudou minha mãe a aliviar um pouco mais as dificuldades que
passávamos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 18pt; margin-bottom: 0cm; mso-line-height-rule: exactly; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: inherit;">Minha gratidão já
seria enorme só por essa atitude de generosidade. Mas abarca tudo o que eles
acrescentaram em minha vida.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 18pt; margin-bottom: 0cm; mso-line-height-rule: exactly; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: inherit;">Meu padrinho me
possibilitou descobrir um outro mundo, que a minha realidade não me permitia
ter. Éramos muito pobres, e a nossa realidade de moradores da periferia era
bastante diferente... Na casa de meu padrinho, pude descobrir o que era ter um
quarto, ter sala, copa, banheiro com chuveiro, pia, espelho, descarga... Mas
muito mais se descortinou na vida da garota pobre de 10 anos, moradora da
Ceilândia. Foi com meu padrinho que descobri o cinema, o shopping (acessível
somente a quem possuía poder aquisitivo) o Mc’Donalds (sim, minha gente, era o
suprassumo da época, eram filas enormes). Meu padrinho nos levava para passear
(os filhos dele e eu) fins de semana, e eu desfrutava de toda essa maravilha,
que é para uma criança. Os passeios em família ao clube, as visitas às casas
dos amigos. Desfrutei da companhia da querida Ivonice, com quem dividi muitos
momentos especiais. A casa de meus padrinhos era um ambiente de liberdade,
abertura, convivência harmoniosa e sem conflito. Foi um período de descobertas
e aprendizados.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 18pt; margin-bottom: 0cm; mso-line-height-rule: exactly; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: inherit;">E meu padrinho
continuou presente e contribuindo mesmo na minha vida adulta... Lembro que na
adolescência, já não mais morando com eles, meu padrinho me presentou com uma
coleção de livros clássicos da literatura brasileira. Confesso que só li dois
deles. Um livro que ele me deu e me marcou profundamente, já no finzinho de
minha adolescência, aos dezoito, e já grávida de minha filha, mas sem que
soubessem do fato, rs, foi um livro sobre uma chinesa que sai de casa para
fugir dos rigores da educação chinesa, e que acaba tendo de se prostituir. Esse
livro foi marcante, porque descreve as agruras que ela teve de passar, então
foi um construtor de caráter. E meu padrinho nunca deixou de insistir no meu
desenvolvimento pessoal. Livros importantes ele me deu, e me dá até hoje,
acredito que para alargar meus conhecimentos... conhecer outras formas de vida,
outros pensamentos, e, consequentemente, diminuir minha ignorância, minhas
limitações, e, assim, ter outras possibilidades. Foram inúmeros os passeios às
livrarias, ao cinema... Muitas sessões de filmes em sua casa, agregando
conhecimento... lembro em especial quando ele colocou um filme italiano sobre a
amizade quando fui visitá-lo junto com Camila e a amiga dela Sara, teceu
comentários extraordinários. O mais incrível de tudo isso é que ele não ofertou
tudo isso apenas à minha pessoa, ele também o fez por outros que aportaram em
sua casa, e até mesmo os de fora, sempre contribuindo com crescimento pessoal
de outros.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 18pt; margin-bottom: 0cm; mso-line-height-rule: exactly; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: inherit;">A casa de meus
padrinhos me possibilitou o conhecimento de um outro mundo... sempre me
possibilitou o contato com o novo. Tudo de moderno e atual estava lá... filmes,
músicas, livros infinitos... Como um bom jornalista que é, meu padrinho estava
sempre acompanhado das novidades, e sempre contribuindo para enriquecer o
repertório de quem por lá chegasse. Lá descobria-se desde o jazz, a música
erudita, o blues, a bossa, a música popular brasileira, até os cantores novos,
como Lauryn Hill... nunca me esqueço de chegar na casa de meus padrinhos e ver
o DVD dela na tela da televisão, foi paixão à primeira vista, isso nos idos de 2002.
Sua casa estava sempre aberta com a presença de familiares, poetas, escritores,
músicos que iam atrás das últimas novidades, porque o meu padrinho já tinha
disponível... Enfim, era uma casa fervilhante e que proporcionou momentos
enriquecedores a muitos... sempre uma casa convidativa, sempre cheia de
parentes, amigos e afilhados. Pude desfrutar da deliciosa companhia dos amigos e
parentes de meus padrinhos, que adoram receber visitas e os recebem muito bem. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 18pt; margin-bottom: 0cm; mso-line-height-rule: exactly; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: inherit;">Então só tenho a
agradecer aos meus queridos padrinhos, que têm uma importância muito grande em
minha vida. Agradeço imensamente o que fizeram, sou grata pelo desprendimento e
por tudo que me ofereceram. Nunca conseguirei pagar o que fizeram por mim.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 18pt; margin-bottom: 0cm; mso-line-height-rule: exactly; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: inherit;">E neste dia
simbólico do dia dos pais, quero agradecer a meu padrinho em especial, que
representou e representa a figura de um pai que não tive, com seus incríveis
ensinamentos, postura de caráter, uma pessoa cordial que sempre buscou tratar o
outro com cordialidade e respeito, com ética e moral, resolver os problemas da
vida da melhor maneira possível, sempre se pautando pelo diálogo. Pessoa de
incrível tolerância que sempre procurou tratar o próximo com cordialidade e
respeito, sem distinção de pessoas e julgamentos, aberto à assimilação de
outras culturas, aceitação do outro.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 18pt; margin-bottom: 0cm; mso-line-height-rule: exactly; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: inherit;">Muita gratidão pelos
valorosos momentos de conversas de aconselhamentos, por mostrar a beleza da
vida, mesmo nas dificuldades, mostrando que é melhor viver com leveza, pelos
momentos preciosos de compartilhamento de informações, conhecimentos... Tenho
na pessoa dele a referência de caráter, integridade, além de alegria e humor
natos, meu padrinho tem um grande senso de humor que o faz ser uma pessoa leve
e agradável que queremos estar sempre junto dele. É a pessoa que faz almoços
para agregar e integrar a numerosa família. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 18pt; mso-line-height-rule: exactly; mso-margin-bottom-alt: auto; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: inherit;">Meu
agradecimento, meu apreço e minha enorme gratidão, sempre. Obrigada por tudo. Feliz
dia dos Pais!</span><span style="font-family: "Rdg Vesta"; font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></p>Salomão Sousahttp://www.blogger.com/profile/10761805823147763830noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4843398825678420679.post-66873546639784901412022-05-05T07:23:00.006-07:002022-05-05T07:23:45.534-07:00A tirania dos algoritimos<p><br /></p><p>Marcos Fabrício Lopes da Silva*</p><p><br /></p><p>A expressão “qualidade em educação”, no marco dos sistemas educacionais, admite uma variedade de interpretações dependendo da concepção que se tenha sobre o que esses sistemas devem proporcionar à sociedade. Uma educação de qualidade pode significar tanto aquela que possibilita o domínio eficaz dos conteúdos previstos nos planos curriculares; como aquela que possibilita a aquisição de uma cultura científica ou literária; ou aquela que desenvolve a máxima capacidade técnica para servir ao sistema produtivo; ou, ainda, aquela que promove o espírito crítico e fortalece o compromisso para transformar a realidade social, por exemplo. Por outro lado, a expressão “qualidade educacional” tem sido utilizada para referenciar a eficiência, a eficácia, a efetividade e a relevância do setor educacional, e, na maioria das vezes, dos sistemas educacionais e de suas instituições. </p><p>Sendo um tema abrangente em sentidos, destacar-se-ão duas vias que têm orientado a discussão acerca da qualidade da educação. A primeira está voltada para a qualidade do conteúdo da escolarização, e a segunda para a elevação de múltiplos fatores que implicariam uma melhor dinâmica da educação na sociedade como um todo. No enfrentamento dos problemas educacionais, em busca da melhoria da qualidade, são raras as situações em que a escola tem sido considerada a unidade fundamental na relação entre as diversas instâncias do poder público e a rede de ensino. Concebe-se a qualidade da educação como o alcance do desenvolvimento esperado do processo educativo, havendo maior qualidade na escola que cumpre sua função de socialização de conhecimentos, ampliação da cultura e aprimoramento da formação crítica. A educação de qualidade, nessa visão, estaria ligada ao alcance da emancipação dos sujeitos no sentido de aprimorarem a reflexão crítica e contribuírem na transformação para uma sociedade que supere as desigualdades.</p><p>Dentro de 10 a 20 anos, cerca de 90% das ocupações que temos hoje vão ser substituídas por robôs ou máquinas. Já está ocorrendo com força na medicina, na engenharia, na construção mecânica. Certamente, a instrução, em determinados assuntos e disciplinas, pode ser satisfatoriamente substituída por máquinas. Educação não é simplesmente passar informação. O mais pobre dos computadores faz isso melhor que o melhor dos professores. Um leitor competente é aquele capaz de ler além do que está escrito, ele lê as entrelinhas, além de fazer relações com outros textos lidos e ser capaz de falar sobre eles sem desmerecer a importância de discernir um fato de uma opinião. Acredito que formar esse sujeito é uma das entregas mais valiosas da escola. A cada dia percebemos a necessidade de termos (e sermos) bons leitores. </p><p>Não à toa, segundo o professor Muniz Sodré, autor do livro A sociedade incivil: mídia, liberalismo e finanças (2021), está reservado um outro lugar à educação, a saber: “a formação cívica, ao mesmo tempo psicológica e ética. [...] A educação é um nome da transformação de um processo radical de iniciação. [...] Iniciação é como uma conversão ou um batismo: a entrada numa câmara-portal e o renascimento do indivíduo para a vida social e coletiva. A iniciação é pessoal – ela precisa de gente – e é libidinal. Não consigo conceber uma educação que não tenha uma reinterpretação do laço libidinal entre pais e filhos, filhos e pais”. </p><p>Enquanto as pessoas entram numa faculdade para ter uma profissão e arrumar emprego, o próprio trabalho está sendo velozmente desvalorizado pelo advento das máquinas e robôs. “Não acho que a educação esteja estruturalmente acoplada ao trabalho. Ela está acoplada à formação psicológica, ética, propriamente humana”, defende Sodré. Mesmo num mundo regido por algoritmos, há uma virada afetiva na relação do saber com o indivíduo e seu corpo, com o orgânico, com as interações que o saber promove. O empenho histórico das ciências é entender e produzir grandes ideias sobre as transformações do mundo. É preciso voltar a pensar. A televisão brasileira levou 50 anos para habituar o povo à banalidade, à vulgaridade e ao grotesco. Isso é complementado hoje pelas redes sociais. Individualmente a internet é boa, claro. Do ponto de vista público e social, elas são uma tragédia.</p><p>Como bem assevera o jornalista e escritor Salomão Sousa, em Bifurcações (2022): “por mais que os algoritmos coletem informações sobre as atividades dos internautas, esses dados são insuficientes ou falsos para traçar um indicativo real do comportamento social e da personalidade do indivíduo. Aquilo que escondemos de nós mesmos e do público nós não enviamos para a rede. Manipulamos nossas fotografias e aspectos de nossa personalidade para apresentação de uma imagem que possibilite o aumento de nossa credibilidade dentro do grupo ao qual pertencemos e mantemos aliança, independente do quanto maléfico possa ser o seu comportamento. Vivemos em bolhas grupais, com menosprezo a todos que estiverem fora delas, sejam eles crianças, parentes, idosos e autoridades. O que temos de pior guardamos a sete chaves em nosso inconsciente”. </p><p>Um olhar mais detido sobre a tirania dos algoritmos pode ajudar a entender melhor os motivos pelos quais ainda continuamos reproduzindo comportamentos discriminatórios. Nesse contexto, uma tradição autoritária se agiganta com a proliferação de “indivíduos bombas”, adverte Salomão Sousa. É necessário, portanto, que não naturalizemos os golpes cotidianos da tecnocracia. </p><p><br /></p><p>* Professor nas Faculdades Promove de Sete Lagoas (2005-2009), Fortium (2013) e JK (2013-2020). Jornalista, formado pelo UniCEUB. Poeta. Doutor e mestre em Estudos Literários </p>Salomão Sousahttp://www.blogger.com/profile/10761805823147763830noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4843398825678420679.post-21026914270513697572022-02-27T05:04:00.001-08:002022-02-27T05:04:09.168-08:00Sônia Elizabeth<p> <span style="font-family: sans-serif;">Salomão Sousa, poeta incrível, de linguagem rara, preciosa, sem facilidades, sem comodismos. Mais uma vez usufrui o prazer de ler uma obra desse autor tão apaixonado pela poesia, a ponto de desnudá-la com carinho, competência e altruísmo. Seu verbo, embora soe cru, áspero (aos menos avisados) é de uma simbologia e força que merece todos os nossos aplausos e reconhecimentos. E digo, sem pestanejar: é um dos poetas que mais gosto de ler no meu cotidiano. Em anotação de papel colocada no inicio do livro, avulsa, Salomão já nos adverte (e isso constatamos na leitura de cada poema) que “Trata-se do meu livro mais pessoal, mais íntimo dos percursos de minha vida. Os poemas recuperam traços da memória e das observações instantâneas do que emergia à beira de minhas ocupações. O que me apodrece é o que me recupera, é o que salva a lembrança...” Penso que o poeta em evidência deve habitar bem próximo do meio ambiente, matas etc já que sempre em suas postagens refere-se aos pequenos insetos que adentram sua casa, como hospedeiros, já no fim da existência, assim como caminha fotografando tudo aquilo que é belo e pequeno na Mãe Natureza, o que passa muitas vezes desapercebido aos olhos humanos que não enxergam a essência das coisas. Ou seja, Salomão Sousa é uma espécie de Manoel de Barros nas searas de Goiás.</span></p><div style="font-family: sans-serif; overflow-wrap: break-word;"><br style="overflow-wrap: break-word;" /></div><div style="font-family: sans-serif; overflow-wrap: break-word;">Encontro uma “ressaca de mundos” no poema Biografia do natimorto, assim como curvo-me diante da constatação de misérias e morticínios em Biografia do jirau em dois tempos, embevecida com versos desse nível: “...O inseto não é insone e para eclodir o parasita sabe quando./Sabe quando há água e quando há sangue./A criança é uma vitória contra o aborto...”(pg.18). E surto, no bom sentido, claro, com tão rica retórica: “...Um homem/não é um prego para estar quieto/fixo num tarugo, para deteriorar/na ferrugem...” (Biografia do quarto seguida de algumas adjacências -pg.20). E, com sapiência, nos diz: “...Quem arrasta a estrada para o lodaçal/não inventa outros jeitos de sair do charco...”(Biografia da estrada – pg. 27). E deslinda o corpo, essa geografia marítima que temos como invólucro: “Pertence ao corpo mover-se sob/nossos pensamentos, ordens que lhe atribuímos/sem consultar a fruição do sangue...”(Biografia do corpo – pg. 30). Uma verdadeira obra prima, leitores, o poema Biografia da bacia antes de ser floreira (pg. 34), bem escrito, coordenado, inspirado e suado. Os poemas de Salomão Sousa trazem aconchego, passado, vida vivida e relembrada, remontando presenças, pretéritos. Salomão não é o viajante pleno, estrangeiro, mas canta sua aldeia colocando nela todo o universo. Isso é bonito, salutar. Gosto disso. Tudo que disse está, por exemplo, em Biografia da travessia do arco-íris(pg.38), belíssimo, assim como na singeleza objetiva de Biografia do balcão, onde é sentimento: “...Quem limpa o balcão aprende o que é a janela,/o que são os seios a repousarem no peitoril...”(pg.39). Como não destacar a grandiosidade de um poema como A Biografia de Jeroni (pg.49), assim como a Biografia da avó índia: “...Ter uma avó índia/é ter um corpo ao qual assemelhar-se/e também mãos a encher uma despensa...”(pg. 53). Louvo a Biografia da cidade visível (pg.55), e descubro a impotência humana diante da grandeza da natureza, assim: “...A romãzeira enfia um galho ao solo/ e desse caule se renasce./ E não consigo esse reverdecer;/essa sucessão de frutos...”( pg.60). E a pepita de ouro em forma de verso: “...A flor não dispara o projétil.”(Biografia das parcelas – pg. 82). Isso de ir contra a maré, de ser sublime, humanamente racional na racionalidade de ser humano: “...Quem incendeia pode estar contrariado/com nosso facho/nossa aceitação do pássaro...” (Intervalo para o encaixe – pg. 96).</div><div style="font-family: sans-serif; overflow-wrap: break-word;"><br style="overflow-wrap: break-word;" /></div><div style="font-family: sans-serif; overflow-wrap: break-word;">Como o heterônimo Alberto Caeiro, de Fernando Pessoa, Salomão Sousa ama a natureza e todos os seus elementos, mas sabendo que ela é o que é e o que podemos ver dela, sem invenções ou romantismos demasiados. É irmão das plantas, dos insetos, mas no simbolismo deles, nas estruturas, veias, sangues, dejetos, existência, enfim. Nada quer mudar e nem idealizar. Muitíssimo válido. A arte da capa, de Carlos Alberto, tem uma velha ferradura no meio de uma espécie de lixo ou amontoados de coisas inúteis (úteis). A orelha tem assinatura de Alexandra Vieira de Almeida e Wil Prado. Uma boa fortuna crítica no final e selo da Gráfica Serafim. Reitero que Salomão Sousa é um dos grandes poetas que leio e releio. E a cada releitura novas descobertas. Nada engessado por aqui.</div><div style="font-family: sans-serif; overflow-wrap: break-word;"><br style="overflow-wrap: break-word;" /></div><div style="font-family: sans-serif; overflow-wrap: break-word;">Sônia Elizabeth (poeta e prosadora)</div>Salomão Sousahttp://www.blogger.com/profile/10761805823147763830noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4843398825678420679.post-30856804798361746572022-02-27T04:54:00.001-08:002022-02-27T04:54:48.376-08:00Nota de Ricardo Alfaya<p>Oi, Salomão,</p><p><br /></p><p>Chegou hoje à tarde seu Vagem de Vidro. É uma obra densa, complexa, de estrutura singular. Um livro de poesia de fato diferente. Vc realiza uma colagem de textos e imagens numa velocidade vertiginosa, explorando inúmeros efeitos surrealistas, a começar pelo título; a quebra ou mesmo eliminação da pontuação formal acarreta por vezes a sensação de estarmos diante de um hipertexto – por sinal, a influência da Internet no seu fazer literário se evidencia em vários momentos. Alguns poemas marcaram-me mais, como o que fala em Ulisses. Destaco também “E se todos nós decidíssemos pela ausência?” - Esse poema, aliás, caracteriza uma das tendências que percebi em seu estilo: a criação de uma espécie de universo à parte, totalmente feito de palavras (signos), em que tudo é possível. Algum dos seus apreciadores notou, com propriedade, a presença de um tom um tanto solene, grandioso, em seu discurso; por exemplo, no poema que começa por “A palavra definitiva”, há algo de bíblico no discurso; e aquela história de “corpo que repartes” evoca a passagem bíblica mais conhecida do antigo Salomão – só que, no seu poema, quem entra em cena é Prometeu; a parte do corpo a sacrificar não é o filho, mas o heroico fígado. Enfim, é uma poesia personalíssima, muito instigante. Difícil pretender esgotar a riqueza de seus significados e possibilidades com um único e breve comentário. Porém, fica aqui o registro, não apenas do recebimento do livro, mas também do prazer que essa primeira leitura me proporcionou. Parabéns.</p><p><br /></p><p>Um grande abc,</p><p><br /></p><p>Ricardo Alfaya</p>Salomão Sousahttp://www.blogger.com/profile/10761805823147763830noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4843398825678420679.post-18990542751331859002022-02-27T04:48:00.001-08:002022-02-27T04:51:40.472-08:00Resenha de Gerson Valle<p><span style="font-family: sans-serif;">O poeta Salomão Sousa é um dos marcos literários da capital federal. Sua poesia possui uma originalidade marcante. Neste ano em que se comemoram 100 anos da Semana de Arte Moderna, que quebrou os cânones do então parnasianismo, Salomão Sousa merece um exame melhor de sua obra, quando se constata a liberdade do verso encaminhá-lo ao mesmo tempo que para metáforas e outras figuras como para a narrativa ou reflexão mais encontradiças na prosa. Mas, que nele ganham a graça de uma espontaneidade que traz em si o diferencial poético numa forma em nada tradicional. </span></p><div style="font-family: sans-serif; overflow-wrap: break-word;">Neste ano de 2022, Salomão Sousa publicou um livro em que apresenta sua redação caminhante para várias direções entre a poesia e a prosa, “Bifurcações – memória, resistência e leitura”, Baú do Autor, Brasília. Há poemas em várias páginas, como há artigos, resenhas literárias, crônicas e mesmo ensaios. Mas, dentro de seu estilo de poesia de destacada liberdade e fruição lírica, os textos não expressamente poéticos deles não destoam na continuidade da leitura, dando-lhe, ao contrário, uma benfazeja impressão de repouso, para logo prosseguir nos raciocínios e observações várias em prosa. Tal como um míni-poema-em-prosa que encabeça uma página solitariamente, e que parece referir-se à própria concepção de obra: “Nunca perdemos nada, simplesmente passamos para outra realidade, com experiências adversas aos nossos desejos. Talvez o trem tenha entrado na bifurcação errada.”</div><div style="font-family: sans-serif; overflow-wrap: break-word;">As composições passeiam entre observações personalíssimas sobre o “algoritmo”, por exemplo, “Acabar com o xingamento ajuda a Civilização”, “Processo crítico em tempos de legalização da mentira”, neste último já se aproximando de posicionamentos políticos como em “O que é um fascista?” onde perpassa por obras de, entre outros, George Orwell, Hanna Arendt, Theodor W. Adorno, “Exercícios para exorcizar o autoritarismo”, com afirmativas como “Sempre que alguém insulta, vitupera, ameaça, xinga e chuta ou se julga dono de toda cognição, deixa em dúvida se não esconde uma cauda sobre as vestes”. Em “Para não chocarmos com o fracasso” nos coloca diante da crise política observando que “O mundo está degradante por irmos desaprendendo a amar, pois falar em perda do humanismo não é suficiente”.</div><div style="font-family: sans-serif; overflow-wrap: break-word;">Memorável é o artigo “Legado de resistência de Cecília Meireles”, que deveria ser divulgado largamente com o fim de propagar a vida e obra da grande poetisa e educadora. Apresenta a colaboração jornalística perseguida no Estado Novo, junto ao trabalho desenvolvido com o educador Anízio Teixeira. Suas viagens, seu conhecimento de línguas que a aproximou da literatura inglesa, francesa, italiana, espanhola, alemã, russa, hebraica e da escrita nos dialetos do grupo indo-irânico, traduzindo Rilke, Virginia Woolf, Lorca, Tagore, Maeterlinck, Anouilh, Pushkin, bem como, em 3 volumes, “As mil e uma noites”. Enfim, cito apenas tais detalhes para aguçar a curiosidade, havendo muito mais informações e reflexões que necessitam sua leitura. </div><div style="font-family: sans-serif; overflow-wrap: break-word;">Outro poeta modernista também apresentado em várias de suas facetas é Manuel Bandeira, no texto “Muros”, que foi o discurso de posse de Salomão Sousa na Academia de Letras do Brasil.</div><div style="font-family: sans-serif; overflow-wrap: break-word;">Por todas as questões aqui levantadas, concluo por sugerir a leitura do livro em pauta, como dos mais destacáveis lançamentos do início deste ano de 2022.</div>Salomão Sousahttp://www.blogger.com/profile/10761805823147763830noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4843398825678420679.post-61505198070878194162017-06-17T05:46:00.001-07:002017-06-17T05:46:54.467-07:00A forma<div style="color: #454545; font-family: '.SF UI Text'; font-size: 19px; line-height: normal;">
<span style="font-family: '.SFUIText'; font-size: 19pt;">Há uma forma que nos persegue sempre</span></div>
<div style="color: #454545; font-family: '.SF UI Text'; font-size: 19px; line-height: normal;">
<span style="font-family: '.SFUIText'; font-size: 19pt;">com os catorze passos de transpor a rua.</span></div>
<div style="color: #454545; font-family: '.SF UI Text'; font-size: 19px; line-height: normal;">
<span style="font-family: '.SFUIText'; font-size: 19pt;">E se esboroa em dar os passos, a lua</span></div>
<div style="color: #454545; font-family: '.SF UI Text'; font-size: 19px; line-height: normal;">
<span style="font-family: '.SFUIText'; font-size: 19pt;">a buscar a forma que não se cumpre.</span></div>
<div style="color: #454545; font-family: '.SF UI Text'; font-size: 19px; line-height: normal; min-height: 22.7px;">
<span style="font-family: '.SFUIText'; font-size: 19pt;"></span><br /></div>
<div style="color: #454545; font-family: '.SF UI Text'; font-size: 19px; line-height: normal;">
<span style="font-family: '.SFUIText'; font-size: 19pt;">A labareda que tremula numa trempe</span></div>
<div style="color: #454545; font-family: '.SF UI Text'; font-size: 19px; line-height: normal;">
<span style="font-family: '.SFUIText'; font-size: 19pt;">já nos engana com a forma que insinua, </span></div>
<div style="color: #454545; font-family: '.SF UI Text'; font-size: 19px; line-height: normal;">
<span style="font-family: '.SFUIText'; font-size: 19pt;">chega tão próxima a promíscua língua</span></div>
<div style="color: #454545; font-family: '.SF UI Text'; font-size: 19px; line-height: normal;">
<span style="font-family: '.SFUIText'; font-size: 19pt;">e o triunfo é não repetir o que se mostra.</span></div>
<div style="color: #454545; font-family: '.SF UI Text'; font-size: 19px; line-height: normal; min-height: 22.7px;">
<span style="font-family: '.SFUIText'; font-size: 19pt;"></span><br /></div>
<div style="color: #454545; font-family: '.SF UI Text'; font-size: 19px; line-height: normal;">
<span style="font-family: '.SFUIText'; font-size: 19pt;">A camisa que não modifica o dorso</span></div>
<div style="color: #454545; font-family: '.SF UI Text'; font-size: 19px; line-height: normal;">
<span style="font-family: '.SFUIText'; font-size: 19pt;">que espera o braço, que alterna o fôlego,</span></div>
<div style="color: #454545; font-family: '.SF UI Text'; font-size: 19px; line-height: normal;">
<span style="font-family: '.SFUIText'; font-size: 19pt;">enquanto isso, a libélula, em seu percurso, </span></div>
<div style="color: #454545; font-family: '.SF UI Text'; font-size: 19px; line-height: normal; min-height: 22.7px;">
<span style="font-family: '.SFUIText'; font-size: 19pt;"></span><br /></div>
<div style="color: #454545; font-family: '.SF UI Text'; font-size: 19px; line-height: normal;">
<span style="font-family: '.SFUIText'; font-size: 19pt;">desprenderá a asa. Gritemos o nosso rogo!</span></div>
<div style="color: #454545; font-family: '.SF UI Text'; font-size: 19px; line-height: normal;">
<span style="font-family: '.SFUIText'; font-size: 19pt;">Faltará a palavra de não repetir o dorso</span></div>
<br />
<div style="color: #454545; font-family: '.SF UI Text'; font-size: 19px; line-height: normal;">
<span style="font-family: '.SFUIText'; font-size: 19pt;">da forma que voluteia e cai no fogo.</span></div>
Salomão Sousahttp://www.blogger.com/profile/10761805823147763830noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4843398825678420679.post-5709566904617819402017-06-17T05:45:00.003-07:002017-06-17T05:45:55.674-07:00Cesar Vallejo<div style="color: #454545; font-family: '.SF UI Text'; font-size: 19px; line-height: normal;">
<span style="font-family: '.SFUIText'; font-size: 19pt;">Atinge-me, há dias, uma gana ubérrima política...</span></div>
<div style="color: #454545; font-family: '.SF UI Text'; font-size: 19px; line-height: normal; min-height: 22.7px;">
<span style="font-family: '.SFUIText'; font-size: 19pt;"></span><br /></div>
<div style="color: #454545; font-family: '.SF UI Text'; font-size: 19px; line-height: normal;">
<span style="font-family: '.SFUIText'; font-size: 19pt;">Cesar Vallejo</span></div>
<div style="color: #454545; font-family: '.SF UI Text'; font-size: 19px; line-height: normal; min-height: 22.7px;">
<span style="font-family: '.SFUIText'; font-size: 19pt;"></span><br /></div>
<div style="color: #454545; font-family: '.SF UI Text'; font-size: 19px; line-height: normal;">
<span style="font-family: '.SFUIText'; font-size: 19pt;">Atinge-me, há dias, uma gana ubérrima política</span></div>
<div style="color: #454545; font-family: '.SF UI Text'; font-size: 19px; line-height: normal;">
<span style="font-family: '.SFUIText'; font-size: 19pt;">de querer, de beijar a amada em suas duas faces,</span></div>
<div style="color: #454545; font-family: '.SF UI Text'; font-size: 19px; line-height: normal;">
<span style="font-family: '.SFUIText'; font-size: 19pt;">e chega de longe um querer</span></div>
<div style="color: #454545; font-family: '.SF UI Text'; font-size: 19px; line-height: normal;">
<span style="font-family: '.SFUIText'; font-size: 19pt;">demonstrativo, outro querer amar, louco ou forte,</span></div>
<div style="color: #454545; font-family: '.SF UI Text'; font-size: 19px; line-height: normal;">
<span style="font-family: '.SFUIText'; font-size: 19pt;">ao que me odeia, ao que rasga o seu papel, ao jovem,</span></div>
<div style="color: #454545; font-family: '.SF UI Text'; font-size: 19px; line-height: normal;">
<span style="font-family: '.SFUIText'; font-size: 19pt;">ao que chora pelo que chorava,</span></div>
<div style="color: #454545; font-family: '.SF UI Text'; font-size: 19px; line-height: normal;">
<span style="font-family: '.SFUIText'; font-size: 19pt;">ao rei do vinho, ao pau d'água, </span></div>
<div style="color: #454545; font-family: '.SF UI Text'; font-size: 19px; line-height: normal;">
<span style="font-family: '.SFUIText'; font-size: 19pt;">ao que se ocultou em sua ira,</span></div>
<div style="color: #454545; font-family: '.SF UI Text'; font-size: 19px; line-height: normal;">
<span style="font-family: '.SFUIText'; font-size: 19pt;">ao que transpira, ao que passa, ao que sacode sua pessoa em minha alma.</span></div>
<div style="color: #454545; font-family: '.SF UI Text'; font-size: 19px; line-height: normal;">
<span style="font-family: '.SFUIText'; font-size: 19pt;">E quero, portanto, acomodar</span></div>
<div style="color: #454545; font-family: '.SF UI Text'; font-size: 19px; line-height: normal;">
<span style="font-family: '.SFUIText'; font-size: 19pt;">a trança do que fala; os cabelos do soldado;</span></div>
<div style="color: #454545; font-family: '.SF UI Text'; font-size: 19px; line-height: normal;">
<span style="font-family: '.SFUIText'; font-size: 19pt;">a luz do maioral; a grandeza do pequeno.</span></div>
<div style="color: #454545; font-family: '.SF UI Text'; font-size: 19px; line-height: normal;">
<span style="font-family: '.SFUIText'; font-size: 19pt;">Quero passar diretamente </span></div>
<div style="color: #454545; font-family: '.SF UI Text'; font-size: 19px; line-height: normal;">
<span style="font-family: '.SFUIText'; font-size: 19pt;">um lenço àquele que não pode chorar</span></div>
<div style="color: #454545; font-family: '.SF UI Text'; font-size: 19px; line-height: normal;">
<span style="font-family: '.SFUIText'; font-size: 19pt;">e, quando estiver triste ou dói o meu destino,</span></div>
<div style="color: #454545; font-family: '.SF UI Text'; font-size: 19px; line-height: normal;">
<span style="font-family: '.SFUIText'; font-size: 19pt;">ajustar as crianças e os gênios.</span></div>
<div style="color: #454545; font-family: '.SF UI Text'; font-size: 19px; line-height: normal;">
<span style="font-family: '.SFUIText'; font-size: 19pt;">Quero ajudar o bom a ser um pouco mau</span></div>
<div style="color: #454545; font-family: '.SF UI Text'; font-size: 19px; line-height: normal;">
<span style="font-family: '.SFUIText'; font-size: 19pt;">e tenho pressa de sentar-me à direita do surdo, e de responder ao mudo,</span></div>
<div style="color: #454545; font-family: '.SF UI Text'; font-size: 19px; line-height: normal;">
<span style="font-family: '.SFUIText'; font-size: 19pt;">procurando a ele ser útil</span></div>
<div style="color: #454545; font-family: '.SF UI Text'; font-size: 19px; line-height: normal;">
<span style="font-family: '.SFUIText'; font-size: 19pt;">em tudo que posso e também quero muitíssimo</span></div>
<div style="color: #454545; font-family: '.SF UI Text'; font-size: 19px; line-height: normal;">
<span style="font-family: '.SFUIText'; font-size: 19pt;">lavar os pés do coxo,</span></div>
<div style="color: #454545; font-family: '.SF UI Text'; font-size: 19px; line-height: normal;">
<span style="font-family: '.SFUIText'; font-size: 19pt;">e ajudar o manco ao lado a dormir.</span></div>
<div style="color: #454545; font-family: '.SF UI Text'; font-size: 19px; line-height: normal;">
<span style="font-family: '.SFUIText'; font-size: 19pt;">Ah meu querer, este, o do mundo inteiro,</span></div>
<div style="color: #454545; font-family: '.SF UI Text'; font-size: 19px; line-height: normal;">
<span style="font-family: '.SFUIText'; font-size: 19pt;">sobre-humano e paroquial, provecto!</span></div>
<div style="color: #454545; font-family: '.SF UI Text'; font-size: 19px; line-height: normal;">
<span style="font-family: '.SFUIText'; font-size: 19pt;">Me chega nu,</span></div>
<div style="color: #454545; font-family: '.SF UI Text'; font-size: 19px; line-height: normal;">
<span style="font-family: '.SFUIText'; font-size: 19pt;">desde a fundação, desde a virilha pública,</span></div>
<div style="color: #454545; font-family: '.SF UI Text'; font-size: 19px; line-height: normal;">
<span style="font-family: '.SFUIText'; font-size: 19pt;">e vindo de longe, dá gana de beijar </span></div>
<div style="color: #454545; font-family: '.SF UI Text'; font-size: 19px; line-height: normal;">
<span style="font-family: '.SFUIText'; font-size: 19pt;">o lenço do cantor,</span></div>
<div style="color: #454545; font-family: '.SF UI Text'; font-size: 19px; line-height: normal;">
<span style="font-family: '.SFUIText'; font-size: 19pt;">e, ao que sofre, beijar a sua vasilha,</span></div>
<div style="color: #454545; font-family: '.SF UI Text'; font-size: 19px; line-height: normal;">
<span style="font-family: '.SFUIText'; font-size: 19pt;">ao surdo, em seu ruído craniano, impávido;</span></div>
<div style="color: #454545; font-family: '.SF UI Text'; font-size: 19px; line-height: normal;">
<span style="font-family: '.SFUIText'; font-size: 19pt;">ao que me dá o que esqueci em meu seio,</span></div>
<div style="color: #454545; font-family: '.SF UI Text'; font-size: 19px; line-height: normal;">
<span style="font-family: '.SFUIText'; font-size: 19pt;">o seu Dante, o seu Chaplin, em seus ombros;</span></div>
<div style="color: #454545; font-family: '.SF UI Text'; font-size: 19px; line-height: normal;">
<span style="font-family: '.SFUIText'; font-size: 19pt;">Quero, para terminar,</span></div>
<div style="color: #454545; font-family: '.SF UI Text'; font-size: 19px; line-height: normal;">
<span style="font-family: '.SFUIText'; font-size: 19pt;">quando chego à célebre beira da violência</span></div>
<div style="color: #454545; font-family: '.SF UI Text'; font-size: 19px; line-height: normal;">
<span style="font-family: '.SFUIText'; font-size: 19pt;">ou com o peito cheio de coração, queria</span></div>
<div style="color: #454545; font-family: '.SF UI Text'; font-size: 19px; line-height: normal;">
<span style="font-family: '.SFUIText'; font-size: 19pt;">ajudar a rir o que sorri,</span></div>
<div style="color: #454545; font-family: '.SF UI Text'; font-size: 19px; line-height: normal;">
<span style="font-family: '.SFUIText'; font-size: 19pt;">alojar um passarinho bem na nuca do malvado,</span></div>
<div style="color: #454545; font-family: '.SF UI Text'; font-size: 19px; line-height: normal;">
<span style="font-family: '.SFUIText'; font-size: 19pt;">cuidar dos enfermos deixando-os enfadados,</span></div>
<div style="color: #454545; font-family: '.SF UI Text'; font-size: 19px; line-height: normal;">
<span style="font-family: '.SFUIText'; font-size: 19pt;">comprar dos vendedores,</span></div>
<div style="color: #454545; font-family: '.SF UI Text'; font-size: 19px; line-height: normal;">
<span style="font-family: '.SFUIText'; font-size: 19pt;">ajudar o matador a matar - coisa terrível - </span></div>
<div style="color: #454545; font-family: '.SF UI Text'; font-size: 19px; line-height: normal;">
<span style="font-family: '.SFUIText'; font-size: 19pt;">e quisera se bom comigo</span></div>
<br />
<div style="color: #454545; font-family: '.SF UI Text'; font-size: 19px; line-height: normal;">
<span style="font-family: '.SFUIText'; font-size: 19pt;">em tudo</span></div>
<div style="color: #454545; font-family: '.SF UI Text'; font-size: 19px; line-height: normal;">
<span style="font-family: '.SFUIText'; font-size: 19pt;"><br /></span></div>
<div style="color: #454545; font-family: '.SF UI Text'; font-size: 19px; line-height: normal;">
<span style="font-family: '.SFUIText'; font-size: 19pt;">Tradução de Salomão Sousa</span></div>
Salomão Sousahttp://www.blogger.com/profile/10761805823147763830noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4843398825678420679.post-11539999631383363242017-02-20T15:26:00.002-08:002017-02-20T15:26:27.253-08:00<header class="site-header" id="masthead" role="banner" style="box-sizing: inherit; color: #5e5853; font-family: Lora, Baskerville, Georgia, Times, serif; font-size: 16px; margin-bottom: 3.2em; overflow: hidden; position: relative;"><div class="header-wrapper clear without-transparency" style="-webkit-transition: 0.3s; background-color: #1e1c1b; box-shadow: rgba(0, 0, 0, 0.0980392) 0px 0px 5px 0px; box-sizing: inherit; left: 0px; min-height: 0px; padding: 0.8em 1.6em; position: fixed; top: 0px; transition: 0.3s; width: 768px; z-index: 9999;">
<nav class="main-navigation" id="site-navigation" role="navigation" style="box-sizing: inherit; float: right; font-family: Raleway, 'Helvetica Neue', sans-serif; font-size: 0.825rem; font-weight: bold; letter-spacing: 1px; max-width: 50%; text-align: right; text-transform: uppercase; width: 358.40625px;"><div class="menu" id="top-menu" style="box-sizing: inherit;">
<ul aria-expanded="false" class=" nav-menu" style="box-sizing: inherit; list-style: none; margin: 0px 0px -1.3em; padding: 0px;">
<li class="page_item page-item-1" style="box-sizing: inherit; display: inline-block; list-style: none; margin-left: 0.8em; position: relative;"><a href="https://betoq55.com/sobre/" style="-webkit-transition: 0.3s; background-color: transparent; border-top-width: 0px !important; box-sizing: inherit; color: #e8e9ea; display: block; margin-bottom: 1.3em; margin-top: 0px !important; padding-top: 0px !important; text-decoration: none; transition: 0.3s;">SOBRE</a></li>
</ul>
</div>
</nav></div>
<h1 class="entry-title" style="box-sizing: inherit; clear: both; color: white; font-size: 2.945rem; font-style: italic; font-weight: normal; left: 50%; line-height: 1.2; margin: 0px; position: absolute; text-align: center; top: 50%; transform: translate(-50%, -50%);">
A respeito de “Descolagens”, poemas de Salomão Sousa (1)</h1>
</header><div class="site-content" id="content" style="box-sizing: inherit; color: #5e5853; font-family: Lora, Baskerville, Georgia, Times, serif; font-size: 16px; margin: 0px auto; width: 691.1875px;">
<div class="content-area" id="primary" style="box-sizing: inherit; margin: 0px auto; width: 691.1875px;">
<main class="site-main" id="main" role="main" style="box-sizing: inherit; margin: 0px auto;"><article class="post-628 post type-post status-publish format-standard hentry category-poesia category-poesia-feita-em-goias category-salomao-sousa category-sem-categoria tag-descolagens-poemas tag-poemas-em-espanhol-e-portugues tag-poesia-feita-em-goyaz tag-salomao-sousa" id="post-628" style="border-bottom-width: 0px; border-left-color: rgba(232, 233, 234, 0.498039); border-right-color: rgba(232, 233, 234, 0.498039); border-top-color: rgba(232, 233, 234, 0.498039); box-sizing: inherit; content: ''; display: table; margin: 0px; padding: 0px 0px 3.2em; table-layout: fixed; width: 691.1875px;"><header class="entry-header" style="box-sizing: inherit; margin-bottom: 1.6em;"><h1 class="entry-title" style="box-sizing: inherit; clear: both; color: #666666; font-size: 2.945rem; font-style: italic; font-weight: normal; line-height: 1.2; margin: 0px;">
A respeito de “Descolagens”, poemas de Salomão Sousa (1)</h1>
</header><div class="entry-meta" style="border-color: rgba(232, 233, 234, 0.498039); box-sizing: inherit; clear: left; color: #383e44; font-family: Raleway, 'Helvetica Neue', sans-serif; font-size: 0.825rem; font-weight: bold; letter-spacing: 1px; margin-bottom: 1.6em; text-transform: uppercase;">
<span class="posted-on" style="box-sizing: inherit; clear: both; display: block; margin-bottom: 0.4em;"><a href="https://betoq55.com/2017/01/29/a-respeito-de-descolagens-poemas-de-salomao-sousa-1/" rel="bookmark" style="-webkit-transition: 0.3s; box-sizing: inherit; color: #aa4926; text-decoration: none; transition: 0.3s;">29 DE JANEIRO DE 2017</a></span><span class="byline" style="box-sizing: inherit; clear: both; display: block; margin-bottom: 0.4em;"><span class="author vcard" style="box-sizing: inherit; clear: both; display: block; margin-bottom: 0.4em; overflow: hidden; text-overflow: ellipsis; white-space: nowrap; width: 691.1875px;"><a class="url fn n" href="https://betoq55.com/author/betoq55/" style="-webkit-transition: 0.3s; box-sizing: inherit; color: #aa4926; text-decoration: none; transition: 0.3s;">ADALBERTO QUEIROZ</a></span></span></div>
<div class="entry-content" style="box-sizing: inherit; margin: 0px 0px 1.6em;">
<div style="box-sizing: inherit; margin-bottom: 1.6em;">
<img alt="perfil-poeta-salomao_sousa" class="wp-image-735 alignright" data-attachment-id="735" data-comments-opened="1" data-image-description="" data-image-meta="{"aperture":"0","credit":"","camera":"","caption":"","created_timestamp":"0","copyright":"","focal_length":"0","iso":"0","shutter_speed":"0","title":"","orientation":"0"}" data-image-title="perfil-poeta-salomao_sousa" data-large-file="https://betoq55.files.wordpress.com/2017/01/perfil-poeta-salomao_sousa.jpg?w=439&h=333?w=590" data-medium-file="https://betoq55.files.wordpress.com/2017/01/perfil-poeta-salomao_sousa.jpg?w=439&h=333?w=300" data-orig-file="https://betoq55.files.wordpress.com/2017/01/perfil-poeta-salomao_sousa.jpg?w=439&h=333" data-orig-size="590,448" data-permalink="https://betoq55.com/2017/01/29/a-respeito-de-descolagens-poemas-de-salomao-sousa-1/perfil-poeta-salomao_sousa/" height="333" sizes="(max-width: 439px) 100vw, 439px" src="https://betoq55.files.wordpress.com/2017/01/perfil-poeta-salomao_sousa.jpg?w=439&h=333" srcset="https://betoq55.files.wordpress.com/2017/01/perfil-poeta-salomao_sousa.jpg?w=439&h=333 439x, https://betoq55.files.wordpress.com/2017/01/perfil-poeta-salomao_sousa.jpg?w=150&h=114 150x, https://betoq55.files.wordpress.com/2017/01/perfil-poeta-salomao_sousa.jpg?w=300&h=228 300x, https://betoq55.files.wordpress.com/2017/01/perfil-poeta-salomao_sousa.jpg 590x" style="border: 0px; box-sizing: inherit; display: inline; float: right; height: auto; margin: 0.4em 0px 0.4em 1.6em; max-width: 100%;" width="439" />EIS-NOS diante de um pequeno grande livro de um poeta no pleno domínio de seu ofício.<br style="box-sizing: inherit;" />Importa começar pelo título. Sabe-se que “<span class="varpb" style="box-sizing: inherit;"><b style="box-sizing: inherit;">des·co·la·gem</b></span>(<span class="def" style="box-sizing: inherit;"><i style="box-sizing: inherit;"><span class="word_wrap" style="box-sizing: inherit;"><span class="word" style="box-sizing: inherit;">descolar</span> + <span class="word" style="box-sizing: inherit;">-agem</span></span></i></span>) é <i style="box-sizing: inherit;">substantivo feminino. </i>1. <span class="def" style="box-sizing: inherit;"><span class="word_wrap" style="box-sizing: inherit;">.</span><span class="varpb" style="box-sizing: inherit;"><span class="word_wrap" style="box-sizing: inherit;"><span class="word" style="box-sizing: inherit;">Ato</span></span></span><span class="word_wrap" style="box-sizing: inherit;"><span class="word" style="box-sizing: inherit;">ou</span> <span class="word" style="box-sizing: inherit;">efeito</span> <span class="word" style="box-sizing: inherit;">de</span> <span class="word" style="box-sizing: inherit;">descolar</span> <span class="word" style="box-sizing: inherit;">o</span> <span class="word" style="box-sizing: inherit;">que</span><span class="word" style="box-sizing: inherit;">estava</span> <span class="word" style="box-sizing: inherit;">colado</span>.</span></span> = <span class="def" style="box-sizing: inherit;"><small style="box-sizing: inherit; font-size: 12.800000190734863px;">DESCOLAMENTO</small></span> ≠ <span class="def" style="box-sizing: inherit;"><small style="box-sizing: inherit; font-size: 12.800000190734863px;">COLAR. </small></span>2. <span class="varpb" style="box-sizing: inherit;">[Portugal] </span><span class="def" style="box-sizing: inherit;"><span class="word_wrap" style="box-sizing: inherit;">.</span><span class="varpb" style="box-sizing: inherit;"><span class="word_wrap" style="box-sizing: inherit;"><span class="word" style="box-sizing: inherit;">Ato</span></span></span><span class="word_wrap" style="box-sizing: inherit;"> <span class="word" style="box-sizing: inherit;">ou</span> <span class="word" style="box-sizing: inherit;">efeito</span> <span class="word" style="box-sizing: inherit;">de</span><span class="word" style="box-sizing: inherit;">descolar</span> (<span class="word" style="box-sizing: inherit;">o</span> <span class="word" style="box-sizing: inherit;">avião</span>). (<span class="word" style="box-sizing: inherit;">Equivalente</span> <span class="word" style="box-sizing: inherit;">no</span> <span class="word" style="box-sizing: inherit;">português</span> <span class="word" style="box-sizing: inherit;">de</span><span class="word" style="box-sizing: inherit;">Portugal</span>: <span class="word" style="box-sizing: inherit;">decolagem</span>.)</span></span> ≠ <span class="def" style="box-sizing: inherit;"><span class="word_wrap" style="box-sizing: inherit;">.</span><span class="varpb" style="box-sizing: inherit;"><small style="box-sizing: inherit; font-size: 12.800000190734863px;"><span class="word_wrap" style="box-sizing: inherit;"><span class="word" style="box-sizing: inherit;">ATERRISSAGEM. Outra pista vem da</span></span></small></span></span><span class="def" style="box-sizing: inherit;"><span class="varpb" style="box-sizing: inherit;"><small style="box-sizing: inherit; font-size: 12.800000190734863px;"> capa assinada por Carlos Alberto, criada sobre foto de Zenilton Gayoso – clicada em Mambaí (GO) registrando uma casca de inburana que se descola. </small></span></span></div>
<div style="box-sizing: inherit; margin-bottom: 1.6em;">
Tema dado. Inicia-se a viagem.</div>
<blockquote style="border-bottom-style: solid; border-bottom-width: 1px; border-color: rgba(232, 233, 234, 0.498039); border-top-style: solid; border-top-width: 3px; box-sizing: inherit; color: #aa4926; font-size: 1.125rem; font-style: italic; margin: 0px 0px 0.8em; padding-bottom: 0.8em; padding-top: 0.8em; quotes: '', '';">
<div style="box-sizing: inherit; margin-bottom: 1.6em;">
1</div>
<div style="box-sizing: inherit; margin-bottom: 1.6em;">
O navio numa lâmina estática que tremula<br style="box-sizing: inherit;" />por insistência de ser visto de um ponto degradado<br style="box-sizing: inherit;" />Ser inútil como um navio nesta estática<br style="box-sizing: inherit;" />sem nada para entregar no ponto de chegada<br style="box-sizing: inherit;" />se não se abarrotou no ponto de partida.</div>
<div style="box-sizing: inherit;">
<br /></div>
</blockquote>
<div style="box-sizing: inherit; margin-bottom: 1.6em;">
A imagem das flores do ingazeiro e da malva dão a medida do vazio que essa “descolagem” inicial indica ao leitor um rumo do que tem “rápida queda/pelo instinto de existir” – a poesia que se colherá a seguir:</div>
<blockquote style="border-bottom-style: solid; border-bottom-width: 1px; border-color: rgba(232, 233, 234, 0.498039); border-top-style: solid; border-top-width: 3px; box-sizing: inherit; color: #aa4926; font-size: 1.125rem; font-style: italic; margin: 0px 0px 0.8em; padding-bottom: 0.8em; padding-top: 0.8em; quotes: '', '';">
<div style="box-sizing: inherit;">
4<br style="box-sizing: inherit;" />Navio ancorado num porto<br style="box-sizing: inherit;" />vazio / para que saiam iludidos<br style="box-sizing: inherit;" />os que aguardam descarregadores.</div>
</blockquote>
<div style="box-sizing: inherit; margin-bottom: 1.6em;">
O segundo poema é um longo poema discursivo a partir do título “Inicialmente, a chuva cai sobre uma pedra”. Então, o poeta se levanta em meio à chuva para anunciar a exaustão e a impotência:</div>
<blockquote style="border-bottom-style: solid; border-bottom-width: 1px; border-color: rgba(232, 233, 234, 0.498039); border-top-style: solid; border-top-width: 3px; box-sizing: inherit; color: #aa4926; font-size: 1.125rem; font-style: italic; margin: 0px 0px 0.8em; padding-bottom: 0.8em; padding-top: 0.8em; quotes: '', '';">
<div style="box-sizing: inherit;">
“…<em style="box-sizing: inherit;">não há como </em><br style="box-sizing: inherit;" /><em style="box-sizing: inherit;">contornar a fronteira para ser útil a uma pátria,</em><br style="box-sizing: inherit;" /><em style="box-sizing: inherit;">ou ligar o fusível da claridade da estação</em>.”</div>
</blockquote>
<div style="box-sizing: inherit; margin-bottom: 1.6em;">
O poeta – ele mesmo se declara em busca de uma poesia que “<em style="box-sizing: inherit;">espelhe o mundo da fragmentação e da diluição do acúmulo do tóxico</em>“. Espelhar o mundo é o desejo de toda a boa poesia. A imitação da realidade, a criação de um “espelho” em que o leitor possa enxergar este mundo que o poeta enxerga é o cimo da criação literária. Se o autor sai dessa tarefa com maior ou menor grau de êxito cabe apenas ao leitor dizê-lo. Há umas certas instâncias de validação e de confirmação do rito próprio de uma época, mas só o leitor – quando os temos para a poesia, é o grande árbitro.</div>
<div style="box-sizing: inherit; margin-bottom: 1.6em;">
Ora, sabe-se que no Brasil, para usar a expressão poética de Wislawa Szymborska² (1923-2012) – somos “<em style="box-sizing: inherit;">dois em mil</em>” os que lemos poesia e gostamos de ler poesia (leia o poema da poetisa prêmio Nobel de 1996, ao final deste post) – falta-nos a ousadia de dizer poemas em públicos, faltam certames, incentivos que não os de governo e outras iniciativas mais que façam a poesia parte natural do dia-a-dia da população.</div>
<div style="box-sizing: inherit; margin-bottom: 1.6em;">
Um livro, pois, como este – que eleva a mais de uma dezena os éditos do autor (ver bibliografia¹) merece por parte de todos os poetas, críticos (se ainda existem!) e leitores em geral a mais sincera e franca acolhida. <img alt="capa-livro-descolagens_salomao-sousa" class="wp-image-739 alignleft below-entry-meta" data-attachment-id="739" data-comments-opened="1" data-image-description="" data-image-meta="{"aperture":"0","credit":"","camera":"","caption":"","created_timestamp":"0","copyright":"","focal_length":"0","iso":"0","shutter_speed":"0","title":"","orientation":"0"}" data-image-title="capa-livro-descolagens_salomao-sousa" data-large-file="https://betoq55.files.wordpress.com/2017/01/capa-livro-descolagens_salomc3a3o-sousa.jpg?w=395&h=711?w=480" data-medium-file="https://betoq55.files.wordpress.com/2017/01/capa-livro-descolagens_salomc3a3o-sousa.jpg?w=395&h=711?w=167" data-orig-file="https://betoq55.files.wordpress.com/2017/01/capa-livro-descolagens_salomc3a3o-sousa.jpg?w=395&h=711" data-orig-size="480,864" data-permalink="https://betoq55.com/2017/01/29/a-respeito-de-descolagens-poemas-de-salomao-sousa-1/capa-livro-descolagens_salomao-sousa/" height="711" sizes="(max-width: 395px) 100vw, 395px" src="https://betoq55.files.wordpress.com/2017/01/capa-livro-descolagens_salomc3a3o-sousa.jpg?w=395&h=711" srcset="https://betoq55.files.wordpress.com/2017/01/capa-livro-descolagens_salomc3a3o-sousa.jpg?w=395&h=711 395x, https://betoq55.files.wordpress.com/2017/01/capa-livro-descolagens_salomc3a3o-sousa.jpg?w=83&h=150 83x, https://betoq55.files.wordpress.com/2017/01/capa-livro-descolagens_salomc3a3o-sousa.jpg?w=167&h=300 167x, https://betoq55.files.wordpress.com/2017/01/capa-livro-descolagens_salomc3a3o-sousa.jpg 480x" style="border: 0px; box-sizing: inherit; display: inline; float: left; height: auto; margin: 0.4em 1.6em 0.4em 0px; max-width: 100%;" width="395" /></div>
<div style="box-sizing: inherit; margin-bottom: 1.6em;">
Consciente do que quer, Salomão vai “descolando” o que pode para nos mostrar sua capacidade de interpretar o real e dele partir para o “despegue” – donde os poemas traduzidos por parceiros do poeta goiano, dão o tom de voo alto (ou navegação a alto mar) e para além dos limites do centro-oeste brasileiro, onde o autor milita (Brasília, como residência; Goiás como terra de origem).</div>
<div style="box-sizing: inherit; margin-bottom: 1.6em;">
O poeta Salomão Sousa exerce em “Descolagens” a razão poética – como a definiu J.G.Merquior recorrendo a um poeta para fazê-lo: “<em style="box-sizing: inherit;">Reason in her most exalted mood</em>” (Woodsworth); isto é, peleja para “dominar o sentimento e a fantasia” em versos de uma dicção própria. E o ofício da poesia não dá tréguas; é preciso que “o faroleiro” exerça a talvez única “razão possível” – a razão poética – como em “Ainda que não venha nenhum barco (p.34)”:</div>
<blockquote style="border-bottom-style: solid; border-bottom-width: 1px; border-color: rgba(232, 233, 234, 0.498039); border-top-style: solid; border-top-width: 3px; box-sizing: inherit; color: #aa4926; font-size: 1.125rem; font-style: italic; margin: 0px 0px 0.8em; padding-bottom: 0.8em; padding-top: 0.8em; quotes: '', '';">
<div style="box-sizing: inherit; margin-bottom: 1.6em;">
<br /></div>
<div style="box-sizing: inherit; margin-bottom: 1.6em;">
Ainda que não venha nenhum barco<br style="box-sizing: inherit;" />e bruma alguma traga a carga de lenha<br style="box-sizing: inherit;" />Ainda que o barqueiro venha louco<br style="box-sizing: inherit;" />e todo o aço da certeza afundará<br style="box-sizing: inherit;" />Ainda que o vento atormente com fúria<br style="box-sizing: inherit;" />e vá a madeira polida afundar-se<br style="box-sizing: inherit;" />Ainda que a carga seja a lâmina<br style="box-sizing: inherit;" />com o colo certo de degolar<br style="box-sizing: inherit;" />Ainda que na porta anunciem<br style="box-sizing: inherit;" />que a florada do dia irá murchar-se<br style="box-sizing: inherit;" />Ainda que seja um vasto mar<br style="box-sizing: inherit;" />e a alma em deleite vá secar-se<br style="box-sizing: inherit;" />Ainda que o mar seja uma rocha<br style="box-sizing: inherit;" />e no deserto o coração vá navegar</div>
<div style="box-sizing: inherit;">
Ainda assim o faroleiro acenderá.</div>
</blockquote>
<div style="box-sizing: inherit; margin-bottom: 1.6em;">
Essa nímia esperança é o que parece afastar da vivência urbana do poeta o “Temor de viver só numa fotografia” (p.29), donde se depreendem os fiapos da deterioração do real:</div>
<blockquote style="border-bottom-style: solid; border-bottom-width: 1px; border-color: rgba(232, 233, 234, 0.498039); border-top-style: solid; border-top-width: 3px; box-sizing: inherit; color: #aa4926; font-size: 1.125rem; font-style: italic; margin: 0px 0px 0.8em; padding-bottom: 0.8em; padding-top: 0.8em; quotes: '', '';">
<div style="box-sizing: inherit;">
“temor de viver só numa fotografia<br style="box-sizing: inherit;" />articulada/crestada com artifícios<br style="box-sizing: inherit;" />não ter passado por uma bruma<br style="box-sizing: inherit;" />por um dorso/pelas arcadas da avenida<br style="box-sizing: inherit;" />por onde anda a sensatez/ser arco<br style="box-sizing: inherit;" />inflexível a atirar ao acaso<br style="box-sizing: inherit;" />o medo de um vizinho ruidoso/cheio<br style="box-sizing: inherit;" />de espuma das noites bêbadas<br style="box-sizing: inherit;" />sem a tez do suor/as mãos que saúdam<br style="box-sizing: inherit;" />que não articulem os gestos da degola”<br style="box-sizing: inherit;" />(…)<br style="box-sizing: inherit;" />“outra vez o temor/outra vez o ridículo<br style="box-sizing: inherit;" />…<br style="box-sizing: inherit;" />e se alguém vai estar morto/outra vez<br style="box-sizing: inherit;" />na forca de uma cela o novo herói.”</div>
</blockquote>
<div style="box-sizing: inherit; margin-bottom: 1.6em;">
No entanto, “Ainda que não venha nenhum barco”, o poeta “navega”:</div>
<blockquote style="border-bottom-style: solid; border-bottom-width: 1px; border-color: rgba(232, 233, 234, 0.498039); border-top-style: solid; border-top-width: 3px; box-sizing: inherit; color: #aa4926; font-size: 1.125rem; font-style: italic; margin: 0px 0px 0.8em; padding-bottom: 0.8em; padding-top: 0.8em; quotes: '', '';">
<div style="box-sizing: inherit; margin-bottom: 1.6em;">
Navego e o mundo é só onde estou</div>
<div style="box-sizing: inherit;">
Navego e o mundo é só onde estou<br style="box-sizing: inherit;" />Dizem que há nortes com flores e flautas<br style="box-sizing: inherit;" />Dizem que há largos portos,<br style="box-sizing: inherit;" />o prumo nas mãos dos nautas.<br style="box-sizing: inherit;" />(…)<br style="box-sizing: inherit;" />Navego num mundo sem prumo e sem nauta.”<br style="box-sizing: inherit;" />(p.35).</div>
</blockquote>
<div style="box-sizing: inherit; margin-bottom: 1.6em;">
E entre “<em style="box-sizing: inherit;">o imaginário de ontem e as mazelas do presente</em>” (como diz José Fernandes, no posfácio – citando o artesanato do poema “Ulisses”, p.21/2), segue o bardo Salomão Sousa afirmando sua razão poética:</div>
<blockquote style="border-bottom-style: solid; border-bottom-width: 1px; border-color: rgba(232, 233, 234, 0.498039); border-top-style: solid; border-top-width: 3px; box-sizing: inherit; color: #aa4926; font-size: 1.125rem; font-style: italic; margin: 0px 0px 0.8em; padding-bottom: 0.8em; padding-top: 0.8em; quotes: '', '';">
<div style="box-sizing: inherit;">
“E a palavra de hoje é só para marcar<br style="box-sizing: inherit;" />a presença num barranco/num corte<br style="box-sizing: inherit;" />sobrevoado de insetos. Demarcar<br style="box-sizing: inherit;" />a existência da palmeira no preenchimento<br style="box-sizing: inherit;" />de um vão da colina. A incompreensão<br style="box-sizing: inherit;" />que nos persegue ainda que seja fértil e útil.”<br style="box-sizing: inherit;" />(p.43).</div>
</blockquote>
<div style="box-sizing: inherit; margin-bottom: 1.6em;">
Das página 75 a 83, o leitor encontrará oito poemas traduzidos ao espanhol.</div>
<div style="box-sizing: inherit; margin-bottom: 1.6em;">
Ao leitor deste blog, recomendo a leitura, sublinhando que essa primeira aproximação de “<strong style="box-sizing: inherit;">Descolagens</strong>” tem o caráter provisório de admiração e respeito por um poeta e uma poesia que, diferente da minha em quase tudo, ainda assim faz-me navegar com simpatia e com prazer, porque admito com o mestre Antônio C. Villaça – em carta ao autor nos anos 80 que a poesia de Salomão Sousa continua sendo:<br style="box-sizing: inherit;" /><em style="box-sizing: inherit;">“…um poeta integrado na angústia e na procura de sua geração, atento à vida e seus apelos fundamentais…lutou e luta para afirmar-se na sua inteira dignidade, tem de fato um compromisso com o homem.”.</em>∴◊∴</div>
<div align="left" style="box-sizing: inherit;">
</div>
</div>
</article><br /></main></div>
</div>
Salomão Sousahttp://www.blogger.com/profile/10761805823147763830noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4843398825678420679.post-22689790886439059152016-09-15T18:15:00.001-07:002016-09-15T18:15:12.256-07:00Solidade Lima<div class="s4" style="font-size: 18px; line-height: 21.600000381469727px; text-align: justify;">
<span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">O ESPECTRO DA DÚVIDA</span></div>
<div class="s4" style="font-size: 18px; line-height: 21.600000381469727px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="s4" style="font-size: 18px; line-height: 21.600000381469727px; text-align: justify;">
<span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">Salomão Sousa</span></div>
<div class="s4" style="font-size: 18px; line-height: 21.600000381469727px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="s7" style="font-size: 18px; line-height: 21.600000381469727px; text-align: justify; text-indent: 35px;">
<span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">Solidade Lima, com este livro </span><span class="s6" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; font-style: italic; line-height: 13.199999809265137px;">As lâminas do tarô e os 12 trabalhos de Hércules</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">, percorre com os mesmos passos de T. S. Eliot o caminho para o Modernismo, só que num percurso inverso, visando se distanciar do excesso de dissolução e do cansaço de excesso de modernidade. Como o bardo norte-americano naturalizado inglês, vale-se de experiências místicas, do recurso de validar o </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">S</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">imbolismo, da retomada da forma e do</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;"> verso fixos, da mesma raiz do T</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">arô, em tons góticos –, sem a preocupação de desconstruir instituições ou rebelar-se contra as idiossincrasias de sua época, mas para afirmação de que todo formato de poesia deve conter alguma participação crítica </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">sobre </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">a presença do homem numa dada realidade. Só que a realidade entranhada na poesia de Solidade Lima não é aquela que explicitamente se mostra enquanto paisagem ou ambiente de ação ou clausura. A realidade por ele arquitetada praticamente se erige com os materiais da poesia clássica, e assim se edificaria se não estivesse despojada do Idealismo.</span></div>
<div class="s7" style="font-size: 18px; line-height: 21.600000381469727px; text-align: justify; text-indent: 35px;">
<span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">Numa contemporaneidade em que há o predomínio da poesia de invenção, alcançá-la se faz com maior sucesso pelo meio do </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">S</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">incretismo e do </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">S</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">urrealismo. Em algumas regiões da América Latina, o </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">S</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">incretismo é milenar e aí a poesia de invenção melhor se dissemina, pois há maior diversidade de elementos míticos nacionais à disposição do poeta. Destaque específico para o México de Victor Sosa. No entanto, outras ferramentas sempre estiveram disponíveis para o criador. Solidade Lima – independente de sua opção pela forma fixa neste livro, após publicar três outros em verso livre; bem como de elencar sonetos avulsos na terceira parte, compostos em épocas distintas e de temática variada – vem de um</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;"> Sertão</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;"> de denso </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">S</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">incretismo e escava experiências milenares do homem para traçar sua </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">Divinatória</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;"> </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">– termo insuficiente para cunhar todo o espectro da ação do poeta – </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">do gesto humano de fixar-se no Universo. Vale-se do </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">Ta</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">rô, do mito e de diversos outros elementos que possam fazer </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">manar</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;"> de dentro do </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">indivíduo/</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">criador a melhor experiência metafísica. No entanto, quem quiser interpretar os aspectos dessa fluição para encontrar espectros surrealistas, encontrará dificuldades para assinalá-los, pois não </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">encontrará</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;"> fragmentação do mundo e muito menos da personalidade do indivíduo na imagética em que os poemas são construídos.</span><span class="s5" style="font-family: Tienne; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;"> </span></div>
<div class="s7" style="font-size: 18px; line-height: 21.600000381469727px; text-align: justify; text-indent: 35px;">
<span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">O Tarô – justamente pela polissemia do embaralhamento para busca dos “quatro caminhos” – é a junção de elementos da experiência da história e da cultura. Talvez por estes quatro caminhos T. S. Eliot tenha chegado aos </span><span class="s6" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; font-style: italic; line-height: 13.199999809265137px;">Quatro quartetos</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">, e, reconhecidamente, abordado a </span><span class="s6" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; font-style: italic; line-height: 13.199999809265137px;">Terra devastada</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">. Cada </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">C</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">arta carrega uma filiação cultural e retrata uma época. Talvez criado para escapismo de religiões monoteístas, pois surgiu num período de total aventura de descobertas como </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">a </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">Cabala e </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">a </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">Alquimia. </span></div>
<div class="s7" style="font-size: 18px; line-height: 21.600000381469727px; text-align: justify; text-indent: 35px;">
<span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">Quando o Tarô se insere na modernidade, serve para busca de interpretação do interior do homem </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">–</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;"> </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">esse bloco informe sem elementos químicos para composição de solidez, esse Século XV de onde sempre emergirá o domínio da dúvida, que é o fermento para o processo criativo.</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;"> </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">Por aí passaram Carl Jung e T. S. Eliot, e agora nele aporta Solidade Lima. </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">D</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">escrevendo só as </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">C</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">artas dos </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">A</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">rcanos </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">M</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">aiores, fica aberto o jogo “na terna eternidade destes átimos”.</span></div>
<div class="s7" style="font-size: 18px; line-height: 21.600000381469727px; text-align: justify; text-indent: 35px;">
<span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">Vale-se do </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">T</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">arô e do mito dos </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">12</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;"> </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">T</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">rabalhos de Hércules como se recorresse a eternos ideogramas chineses para expandir a compreensão de existir e de buscar onde se alocar no tempo, como “se se despisse o mundo da má sorte”. Mas esses elementos são insuficientes para afirmação de que genes surrealistas </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">tenham preponderância na </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">imagética d</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">a poesia de</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;"> Solidade Lima. Ao descrever os </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">A</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">rcanos e os </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">Trabalhos Grande Herói</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">, </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">alguma estranheza obscura se</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">constrói dentro de cada peça do livro sem que prevaleça o lado volátil da individualidade do poeta. A sua metafísica não é de ebulição do espectro da individualidade.</span></div>
<div class="s7" style="font-size: 18px; line-height: 21.600000381469727px; text-align: justify; text-indent: 35px;">
<span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">Como</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;"> um Bobo da Corte “sorrindo da morte”, inicia seu livro descobrindo que tanto “o Zero ou Vinte e Dois tudo seria”. Num processo de invenção mística ou mítica, o Homem inventa para explicar o que antecipadamente deseja ver esclarecido. Assim, tanto faz o Zero ou o Vinte e Dois, tudo vai dar naquilo a que </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">a </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">está predestinado, mesmo ciente que o 21 estará sempre distante de esclarecer a totalidade. O homem, ao ler </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">no </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">T</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">arô ou na construção mítica </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">a sua presença no mundo, tanto </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">descreve e organiza a experiência divina</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;"> quanto nega experiências sincréticas que foram insuficientes para apaziguá-lo em suas buscas. E quem assegura que o poeta quer uma </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">divinização</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;"> que defina e </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">encerre</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;"> as incertezas, se a sua atividade é de ampliar o espectro da dúvida? Para cada compreensão posta na mesa pelo poeta, </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">outro</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;"> elenco de dúvidas</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">se abre.</span></div>
<div class="s7" style="font-size: 18px; line-height: 21.600000381469727px; text-align: justify; text-indent: 35px;">
<span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">Tanto na leitura do </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">T</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">arô como dos trabalhos de Hércules, o poeta não se preocupa em antecipar sua compreensão do mundo, atendo-se mais em deixar que o significado possa ser lido pelo leitor em cada </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">C</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">arta que lhe é posta. Em poucos momentos exalta-se numa conclusão antropológica de seu tempo. Ao ler o mito da Hidra de Lerna, Solidade Lima compara-a ao “Estado que, acorrentando o povo, / constrói outro imenso monstro novo / para devorar, cair logo em seguida”. Pensamento que anda de parelha com Hanna Arendt, para quem o estado totalitário não dura para sempre. Este é o consolo – a hidra </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">tem permanência assegurada só enquanto </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">mito. Tem também o mito do </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">J</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">avali de Erimanto, que serve para lembrar outros assombros modernos: “até hoje assombra / outras casas e gentes com a sombra / dos lascivos dentes da corrupção”. Se não fossem para estas leituras, seria inútil a experiência do mito e seria desnecessário pedir o embaralhamento. Prova de que o criador pode escapar do real, mas a invenção está nele aprisionada como a estátua no corpo da pedra, e de que a leitura nem sempre é a desejada depois que são dispostas as </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">Ca</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">rtas.</span></div>
<div class="s7" style="font-size: 18px; line-height: 21.600000381469727px; text-align: justify; text-indent: 35px;">
<span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">Para chegar à sua invenção – na qual atua com excelência peculiar – </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">Solidade Lima não seguiu a trilha do </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">Barroco</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">, mas </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">d</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">a vivência </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">d</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">o </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">S</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">imbolismo</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;"> e do Surrealismo</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">. Também </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">ess</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">as raízes melhor se encaixam </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">n</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">o sincrético do </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">T</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">arô e das referências míticas </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">selecionadas pelo poeta</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">. No </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">S</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">oneto do </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">A</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">rcano XIII, esta tendência se manifesta com muita clareza:</span></div>
<div class="s4" style="font-size: 18px; line-height: 21.600000381469727px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="s4" style="font-size: 18px; line-height: 21.600000381469727px; text-align: justify;">
<span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">“A delícia do sangue me alucina...</span></div>
<div class="s4" style="font-size: 18px; line-height: 21.600000381469727px; text-align: justify;">
<span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">Conviva das caveiras e coveiros</span></div>
<div class="s4" style="font-size: 18px; line-height: 21.600000381469727px; text-align: justify;">
<span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">devoro, parte a parte, o mundo inteiro</span></div>
<div class="s4" style="font-size: 18px; line-height: 21.600000381469727px; text-align: justify;">
<span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">sem a sede saciar dessa chacina,</span></div>
<div class="s4" style="font-size: 18px; line-height: 21.600000381469727px; text-align: justify;">
<span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">(...)”</span></div>
<div class="s4" style="font-size: 18px; line-height: 21.600000381469727px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="s7" style="font-size: 18px; line-height: 21.600000381469727px; text-align: justify; text-indent: 35px;">
<span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">E o soneto segue com outras referências simbólicas, com palavras grafadas em maiúsculas (Foice, Morte, Eu). É até oportuno indagar se vivemos um novo limiar de afirmação do Simbolismo através da experiência gótica da </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">P</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">ós-modernidade, pois seus elementos povoam a literatura, os jogos, a vestimenta e os filmes nesse abrir-se do Século XXI, tão distan</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">te do Século XV da invenção do T</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">arô.</span></div>
<div class="s7" style="font-size: 18px; line-height: 21.600000381469727px; text-align: justify; text-indent: 35px;">
<span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">Enfim, não é possível classificar a poesia de Solidade Lima apenas com o uso de um reagente. Há uma polissemia de elementos da tradição da poesia universal neste </span><span class="s6" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; font-style: italic; line-height: 13.199999809265137px;">As lâminas do tarô e os 12 trabalhos de Hércules</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">, que confirma a inventividade de um autor atento à realidade e à fundamentação do conhecimento mítico. É clássico, sem ser classicista. É simbolista, sem denodo de época. É poeta de invenção por </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">atuar</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;"> em determinada época, pela obrigatoriedade sincrética do território </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">por ele ocupado </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">e pela preferência gótica dos elementos míticos. Pode iludir com a retomada da forma fixa e </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">da</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;"> </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">historiografia desenhada na antiguidade</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;"> – </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">n</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">o entanto, toda retomada é crítica, pois </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">instiga</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;"> o criador a uma reaprendizagem</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;"> e a uma coragem </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">de enfrentamento do que impera </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">na territorialidade de seu tempo</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">. </span></div>
<div class="s7" style="font-size: 18px; line-height: 21.600000381469727px; text-align: justify; text-indent: 35px;">
<span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">Ao longo da segunda metade do Século XX, a poesia se diluiu tanto, criando uma exaustão da experiência da desintegração, que o surgimento de um poeta novo </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">e ágil como Solidade Lima, </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">dominando os seus rudimentos</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">,</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;"> é alvissareiro para reconstrução da credibilidade da </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">P</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">oesia </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">B</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">rasileira</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;"> – mesmo q</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">ue </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">t</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">enha </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">de</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;"> continuar lidando com elementos de uma realidade que insiste em se realizar </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">com penumbras desfavoráveis</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">, </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">sem</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;"> nunca </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">abrir </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">perspectivas de</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">conforto </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">para o</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;"> Homem. Quando fala em manhã, é “a manhã – atômica semente”. Quando toca na estrela, é “a estrela que dança e morre à míngua”. </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">O</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;"> poeta tem de lidar com o tempo aferrado à esperança de que as mãos podem criar abertura para a claridade. </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">Se</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;"> é</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;"> possível adivinhar </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">só através d</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">as operações do obscuro</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">, Solidade Lima </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">esculpe </span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">numa “força inútil, nula e vã” para sangrar “dos continentes a manhã”</span><span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">:</span></div>
<div class="s4" style="font-size: 18px; line-height: 21.600000381469727px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="s4" style="font-size: 18px; line-height: 21.600000381469727px; text-align: justify;">
<span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">“(...) os corações</span></div>
<div class="s4" style="font-size: 18px; line-height: 21.600000381469727px; text-align: justify;">
<span class="s3" style="font-family: Utopia; font-size: 11px; line-height: 13.199999809265137px;">que dessas mãos em tecla esculpem sóis.”</span></div>
Salomão Sousahttp://www.blogger.com/profile/10761805823147763830noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4843398825678420679.post-63131254166324620532012-10-12T06:33:00.001-07:002012-10-12T06:33:20.370-07:00Whisner FragaRecebi nesta semana o livro "Moenda dos silêncios", escrito a quatro mãos por Ronaldo Cagiano e Whisner Fraga. O livro é um misto de romance e de crônica biográfica - eu acho, pelo que conheço unilateralmente da Ronaldo Cagiano. Da parte de Whisner Fraga, não sei, pois nunca nos encontramos. O livro perpassa pela trajetória crítica à indiferença cultural da população.<br />
Os dois autores são generosos em suas relações com a literatura brasileira.<br />
<br />
Aproveito para registrar aqui a resenha que Whisner Fraga publicou noa folha "Brasília Literária", de novembro de 2002, pela oportunidade do lançamento do meu livro "Estoque de relâmpagos".<br />
<br />
A resenha generosa:<br />
<br />
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<br />
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 10.0pt; line-height: 115%;">À ESPERA DOS TROVÕES</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 10.0pt; line-height: 115%;">Whisner Fraga</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 10.0pt; line-height: 115%;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Há algo
nos justos que os faz temerem a condição humana e, mais do que predileção,
admiro os autores que enobrecem a própria raça expondo o que de mais atroz
existe nela. Salomão Sousa disseca sentimentos em <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Estoque de relâmpagos</b>. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span><i style="mso-bidi-font-style: normal;">Já os laços do amor atacam/por todos os
flancos/deixando apenas o esmo cheiro de fezes.</i> Entretanto, é próprio dos
que descobrem nossa decrepitude, temessem uma punição, representarem um bocado
de esperança. <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Ainda que o mar seja uma
rocha/ e no deserto o coração vá navegar/ Ainda assim o faroleiro acenderá</i>.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 10.0pt; line-height: 115%;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>E não é
de se estranhar que o autor não utilize nenhuma pontuação. Vírgula, ponto?
Nada. Tal atitude, a meu ver, vai além da ousadia linguística (que por si só
justificaria a opção), tendo raízes mais intrincadas, é que Salomão nos
apresenta apenas um de seus depósitos, que não tem início nem fim e, apesar de
muito provável tenhamos mais adiante uma outra carga, o que não importa, o
poeta quer que visualizemos apenas esse clarão, estivéssemos numa desolada
cegueira e precisássemos desse rasgo de luz para enxergarmos a possibilidade de
uma verdade.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 10.0pt; line-height: 115%;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Quando
surgir o lampejo que nos fará, quem sabe?, mais cientes de nosso estado, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Todos sentados no baldrame/ à espera de quem
desleitere/ os úberes dos gritos</i>. É urgente a descoberta e por isso o tempo
presente em todo o livro, mal damos um passo rumo à outra frase e o
encontramos, em sua vigília tácita e ímpia: <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Estou
repetindo com a sede da ampulheta; Para atraso de qualquer prazer; O tempo dura
apenas/enquanto a lagarta tece</i> e poderia citar muitos outros casos. E não é
um dos grandes desejos do homem domar um relâmpago? Usar essa efeméride em seu
favor?</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 10.0pt; line-height: 115%;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>E nos
importa de que material esta luminosidade? De sóis: <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Ressequido fervor de sol/ e outros ainda dirão que é grito. É um a lua/
que vem tarde para a rua</i>. De fogos: Ardência <i style="mso-bidi-font-style: normal;">de fogo nas carnes/ e dirão que é podre a lenha do grito</i>. Importa de
onde vem a ajuda? Salomão Sousa nos ensina que não. Ainda assim é o amor à
justiça, não é desse antagonismo que é feito o bem e o mal?, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Quem escolheu o Mal/ escolheu mal</i>. E
também não tem o relâmpago e toda a natureza do que é mais forte uma aura de
divino? É só essa força que pode I<i style="mso-bidi-font-style: normal;">mpedir
a tempestade/ para não ser a lasca/ o batente arrancado/ de uma porta</i>. A
própria dualidade do homem, a chuva ao mesmo tempo ajuda e desgraça.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 10.0pt; line-height: 115%;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Livro
que mereceu o prêmio Bolsa Brasília de Produção Literária 2001. Conheci dois
premiados até agora, os contos reunidos em <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Dezembro
indigesto</b>, de Ronaldo Cagiano, e estas poesias de Salomão Sousa. Que falta
faz um selo para lançar para o resto do país essas duas obras!</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 10.0pt; line-height: 115%;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>E o
homem é forte em sua capacidade de resistir, adaptar. Assim, o poeta termina
seu livro: <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Estarão sólidos os nossos
punhos/ e não adianta as algemas descerem/ com a rota euforia de suas sarjetas/
Desastre algum nos tingirá de lama</i>.</span></div>
Salomão Sousahttp://www.blogger.com/profile/10761805823147763830noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4843398825678420679.post-1804534290882623412012-10-07T08:13:00.000-07:002012-10-07T08:13:15.914-07:00Brasigóis Felício<h1>
Trago para esta ambiência, a crônica do poeta Brasigóis Felício, publicada na revista <a href="http://www.revistabula.com/">Bula</a>: </h1>
<h1>
</h1>
<h1>
O perfume da memória e o ocaso da crítica </h1>
<div class="post-cat">
publicado em <a href="http://www.revistabula.com/categoria/colunistas" rel="tag" title="colunistas">colunistas</a>
</div>
<div style="text-align: justify;">
<br />Nos arrebaldes do Plano
Piloto, em Taguatinga, Cidade Satélite, ainda moça brejeira e
empoeirada, a mulher pública convida o poeta a fazer amor em um
prostíbulo disfarçado em hotel. O literato e jornalista, recém-chegado,
com a mala de papelão repleta de clássicos da literatura, tinha outra
espécie de amor para dar, embora crendo, como na canção da MPB, que
“toda maneira de amor vale a pena/toda maneira de amor valerá”. Assim,
dispensou o “favor” amoroso, e agradece, pois vai de encontro a um amor
mais geral. Assim proclama seu amor impessoal a seu tempo e à cidade que
o acolhia, em seus primeiros vagidos. Saltando uma poça de lama, o
poeta seguiu em frente, com suas esperanças e sonhos.</div>
<div style="text-align: justify;">
Foi
ali o primeiro lugar onde morou, em sua diáspora rumo ao futuro
literário. Sonhos que andou cultivando em pastoreio de nuvens, e na
leitura dos clássicos, em sua pacata Silvânia. Lugar de sua família,
onde aprendeu, com Carlos Drummond de Andrade, ser preciso “tecer um
canto/que faço acordar os homens/e adormecer as crianças/”. Queria ter
um caso de amor não com uma pessoa, mas com a humanidade (a sua e a de
todas as pessoas). O poeta tinha um sonho, e precisava conquistar seu
espaço de viver na cidade para onde chegavam brasileiros vindos de todos
os lugares.</div>
<div style="text-align: justify;">
“Há beleza e dignidade
até mesmo nas pequenas redes de hotéis camuflados em prostíbulos”. Assim
escreve Salomão Sousa, no belo texto de abertura de seu livro “Momento
crítico”. Poderíamos acrescentar que também há beleza nas áridas
paisagens do nordeste semi-árido, onde sobrevive, em miséria social, um
povo aguerrido e bravo (como o viu Euclides de Cunha).</div>
<div style="text-align: justify;">
Povo
sofrido, mas não miserável. E também beleza há na Amazônia, no dito
“inferno verde”, e não apenas na via Ápia, como afirmou Joaquim Nabuco,
praticando uma diplomacia às avessas, uma vez sabendo-se ser missão dos
embaixadores e diplomatas em geral “mentirem honestamente em favor de
seus países”, como ironizou Roberto Campos. No caso, Joaquim Nabuco
mentiu desonestamente em desfavor do Brasil e de seu povo, que pagavam
sua viagem de turismo diplomático. </div>
<div style="text-align: justify;">
Esta
é uma das observações de fina ironia, que Salomão Sousa se permitiu
fazer, em variados textos desta reunião de seu “Momento Crítico”, em que
lemos crônicas de cunho ensaístico, e ensaios vazados em linguagem leve
de cronista. Refere-se também o autor a Edgar Morin, que em
recomendações para uma prática da educação contemporânea nos dia que a
mesma deve fundar-se em quatro pilares: aprender a ser, a fazer, a viver
juntos e a conhecer. S.S. assinala, no ensaio “É hora de detonar o
egocentrismo”; “O indivíduo, ao pregar excessivamente a importância do
Só Eu, contaminou a cultura como obrigação de seguir a política de
incentivo ao egocentrismo.<br /><br />Torqueville, clássico pensador da
Democracia já nos dizia, há 170 anos: “Existe um amor à pátria que tem a
sua fonte única naquele sentimento irrefletido, desinteressado e
indefinível, que liga o coração do Homem ao lar em que nasceu.
Confunde-se este sentimento com o gosto pelos costumes antigos, com o
respeito aos mais velhos e a lembrança do passado. Aqueles que o
experimentam estimam o seu país com o amor que tem pela casa paterna”.</div>
<div style="text-align: justify;">
Talvez
tenha faltado amor à pátria ao senhor Joaquim Nabuco, ao valorizar de
modo tão enfático a importância universal da Via Ápia, em detrimento das
paisagens de sua pátria – coisa que Vinicius de Moraes fez ao
contrário, e de modo magistral, em seu belo poema Saudades da minha
Pátria.</div>
<div style="text-align: justify;">
Quase na mesma linha de
Torqueville vai Salomão Sousa, no texto de abertura de seu livro, em que
evoca a perdida sensibilidade das pessoas (dos jovens em particular) em
relação às flores, e às sensações físicas e emocionais que provocam –
sensações que ainda vibram em sua memória, quando se põe a recordar
passagens de sua infância e juventude, em Silvânia, cidade onde nasceu:
“Quem não adquire memória pessoal das flores não estabelece liames para a
compreensão da beleza e sua ligação com a cadeia evolutiva da vida. As
flores existem para a sua ligação com a cadeia evolutiva da vida. As
flores existem para que a harmonia se construa”.</div>
<div style="text-align: justify;">
Eu
acrescento: e também para que não nos falte, em nossa trajetória
existencial, o esplendor de reverdecer no verde, no deslumbrar-se ante a
beleza de dos bichos e plantas, nos cantos de muros de mundo, e nos
quintais da fraternura e da inocência: “Ao nos aproximarmos para apanhar
água, víamos, do outro lado da bica, a moita de açucenas e corolas
vermelhas, com os milhares de pistilos atraindo os marimbondos e as
abelhas arapuás. (...) As açucenas ainda alimentam as lembranças, numa
manhã sem mãe e sem mulher alguma outra mulher que, durante as viagens,
engrandeça o dia com os nomes de flores, ou com centenas de pistilos
novos que possam animar a vida”. <br /><br />Há muito a ler e a admirar, a
deleitar mesmo, nesta coletânea de textos críticos do poeta e
jornalista Salomão Sousa, que há anos reside e trabalha em Brasília.
Ali, mesmo tendo que despedaçar as pedras do caminho, ocupou espaços na
poesia e na crítica, agradando a muitos, e desgostando a uns poucos, com
o ferrão de seu chuço de menino carreiro que foi, sem ter sido.</div>
Grande
parte de seus textos reporta-se a livros, personalidades culturais da
capital federal – mas não faltam reflexões interessantes sobre a poesia
goiana, ou ponderações de grande profundidade e perspicácia, como no
longo texto intitulado “Reflexões desconexas sobre comportamento
cultural”. Neste texto Salomão Sousa atira em muitas direções, focando
os caminhos da poesia brasileira, ou sobre a própria crítica, que deixou
de ser um caso para entrar em ocaso. Tão invisível em sua precária
existência, que sequer chegou a ser caso de polícia. <br /><br />Tal ocaso
ocorre em face da moderna decadência cultural por que passamos, nesta
era cibernética em que tudo é virtual, em segundos se esfuma no ar da
evanescente e arrogante modernidade, muitas vezes vazia e sem caminhos.
Salomão discute longamente causas e coisas do boom da poesia brasileira,
a partir de 1997, passando pela fase em que “ o poema passou a
representar respiração apenas para o poeta”. Passa Salomão Sousa à
crítica da crítica: “O crítico não quer mais valorizar a obra que está
sob seu foco, mas sim aniquilá-la, esquecendo-se que o ato de criticar é
paralelo ao de criar”. Salomão Sousahttp://www.blogger.com/profile/10761805823147763830noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4843398825678420679.post-17192014358242248952012-10-07T07:47:00.003-07:002012-10-07T07:48:17.175-07:00Proseando com o poeta<h3 class="post-title entry-title" itemprop="name">
Revi a crônica abaixo, de Luiz de Aquino, no blog <a href="http://penapoesiaporluizdeaquino.blogspot.com.br/">penapoesia</a>, e voltei a me emocionar. Passei pra cá:<br />
</h3>
<div class="post-header">
</div>
<span style="font-size: 130%;">Salomão Sousa escreveu um belo poema, entre tantos outros belos, sob o título “<b>Dar-se aos pregos e às léguas</b>”.
Deliciei-me das fincadas e andanças do vate da histórica cidade de
Bonfim (que o mau-gosto de uns poucos, há mais de meio século,
transmudou em Silvânia, sem que a bucólica cidade perdesse o encanto).
Ele encerrou o poema com essa estrofe:<br /><br />“...<br /><i>perder-se para nascer</i></span><br />
<i><span style="font-size: 130%;">nas flores e nos olhos da terra</span></i><br />
<i><span style="font-size: 130%;">não ser o ferrolho inchado</span></i><br />
<span style="font-size: 130%;"><i>o caruncho na madeira das íris</i>”<br /><br />Falei-lhe do meu encanto, e ele retrucou, em mensagem fraternal: “<i>As
nossas viagens são as mesmas, com as mesmas íris e o mesmo sol, o mesmo
terreiro de chão goiano. O difícil, para nós, é abrir porteiras para
fora de nosso rincão. Vamos manter viva a nossa infância, senão perdemos
a nossa rebeldia</i>”. </span><br />
<br />
<span style="font-size: 130%;">Perdemos,
não, poet’irmão! Não a perdemos, pois exercemos essa teimosia de menino
birrento, daqueles a quem os castigos da sobremesa não atingem, porque
havia os quintais de múltiplas frutas, nem o cerceamento da liberdade
por algumas horas, porque os córregos da meninice estavam ali, “de
grito” (*); a toxina dos defensivos ainda não exterminara as piabas que
colhíamos em anzóis miúdos, em linhas curtas de varas de bambu. Nosso
grito de pirralhos embirrados ecoa não no espaço entre paredões, mas na
lonjura do tempo que enevoa nossos cabelos e esturrica nossas peles. </span><br />
<br />
<span style="font-size: 130%;">E
que revéis, somos nós! Crescemos sob o tacão de um regime duro e cruel,
mas não esmorecemos; não nos dobramos, como os caniços que nos valiam
por varas de pesca, mas não enraizamos tanto que a ventania nos
arrancasse do chão benfazejo. Altivos e livres, fechamo-nos por horas em
leituras perigosas, mas capazes de nos fazer cidadãos. Cidadãos poetas,
porque sem poesia não há liberdade (que o digam Agostinho, de Angola;
José Martí, de Cuba; Federico G. Lorca, o espanhol; e Castro Alves, o
nosso). </span><br />
<br />
<span style="font-size: 130%;">Vimos Godoy Garcia,
José Décio Filho, Ieda Schmaltz e Afonso Félix de Sousa a gritar por
nossa gente ante o arbítrio; vimos José J. Veiga e Bernardo Elis a
prosear coragem na escuridão ante as idéias não permitidas. Deles
herdamos a bússola dos inquietos, dos insatisfeitos e insurretos. </span><br />
<br />
<span style="font-size: 130%;">Temos
sangue, Salomão, para a justiça decantada, sonhada e mal exercida;
sangue que tinge nossos solos e põe sal no nosso suor de andarilhos das
letras. Deixamos que os dias polvilhem de lembranças nossas almas doces e
ingênuas, mas bravas o bastante para não se curvar. Temos as cores das
areias da Serra Dourada, o vigor das pastagens na vertente do
Piracanjuba e o calor termal da Serra de Caldas, acalentado em serenatas
de Pirenópolis e dourado de pôr-do-sol de qualquer paragem Goiás.
Comemos pequi e genipapo, ingá e guapeva; bebemos cachaça quilombola;
dançamos pagode de roça, dançamos catira e, se deixarem... </span><br />
<br />
<span style="font-size: 130%;">Bem,
se deixarem, contamos histórias de medo ao fogo do borralho, em noites
de chuva. Mas não deixamos, não mesmo, de cantar poesia. Como não se
fazer poeta sob o céu deste Planalto do cerrado, siô? </span>Salomão Sousahttp://www.blogger.com/profile/10761805823147763830noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4843398825678420679.post-42706234750689393192012-10-06T03:57:00.002-07:002012-10-06T03:58:16.533-07:00Papangu<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiQ-zC4HoV8oVIOjfd9DvQLYKmMu7mZ1noge3cKn0_6rC6KanRzYsWgWCD6FIanFQVSg5oFgPye3iBdSsZg60OJk8Ke3yi2CU-kNEo2_5-XX0P6GuVStkkL5GYFFsLriHet8pFHoOMJGBY/s1600/Papangu.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiQ-zC4HoV8oVIOjfd9DvQLYKmMu7mZ1noge3cKn0_6rC6KanRzYsWgWCD6FIanFQVSg5oFgPye3iBdSsZg60OJk8Ke3yi2CU-kNEo2_5-XX0P6GuVStkkL5GYFFsLriHet8pFHoOMJGBY/s320/Papangu.JPG" width="232" /></a></div>
Remexendo nos jornais as publicações relacionados à minha poesia, encontrei a crônica de Lívio Oliveira, poeta de Natal, publicada na revista "Papangu", daquela capital, abordando encontro que tivemos em Brasília e registrando a publicação de meu livro "Ruínas ao sol". É um destes momentos religiosos que só os espíritos irmãos possibilitam. Lívio, precisamos nos rencontrar, nem que seja novamente ao acaso da arte. Salomão Sousahttp://www.blogger.com/profile/10761805823147763830noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4843398825678420679.post-55737211302212418952012-10-05T20:22:00.001-07:002012-10-05T20:22:06.152-07:00Safra Poética de Salomão Sousa<span style="font-size: x-small;"><em>João Carlos Taveira*</em></span><br />
<br />
<span style="font-size: x-small;">Ao reunir a sua produção poética no livro <em>Safra quebrada</em>,
Salomão Sousa dá a conhecer o melhor de sua obra e faz registro também
de sua trajetória humana nos quase trinta anos de publicação. Seu
primeiro livro, <em>A moenda dos dias</em>, é de 1979, e o penúltimo,
Ruínas ao sol, de 2006. Os nove livros agora apresentados — foram
incluídos dois inéditos — fornecem material suficiente para que se
conheçam as trilhas percorridas pelo autor, e se acompanhe a evolução de
seu <em>modus faciendi</em> até o atingimento de uma dicção muito pessoal.</span><br />
<span style="font-size: x-small;"><em>Safra quebrada</em>,
que veio a lume graças ao apoio do FAC (Fundo da Arte e da Cultura) da
Secretaria de Estado de Cultura do GDF, dá a dimensão humana e artística
de quem soube amadurecer sem pressa e, ao mesmo tempo, manter-se
consciente de cada etapa de sua carreira de escritor. Trata-se de livro
bem cuidado graficamente, ilustrado com magníficas fotografias de Robson
Corrêa de Araújo, e muito bem urdido do ponto de vista das escolhas
pessoais do autor. É de fato uma antologia que reflete o melhor de sua
produção. O material selecionado dá testemunho das crises
histórico-sociais do período, sem prejuízo da unidade lirico-ideológica
do autor de <em>O susto de viver</em>.</span><br />
<span style="font-size: x-small;">Salomão
Sousa é um poeta moderno em estado puro, na sua exaustiva utilização do
real, seja do tempo presente, seja dos fragmentos da memória.
Intelectual consciente, ele sabe enriquecer essa veia com uma crítica
mordaz das mazelas humanas e do contexto social em que está inserido.
Sua poesia se alimenta, por vezes, dessa cosmovisão para fundar uma
solidez estrutural muito próxima da estética pós-moderna, com suas
vanguardas posteriores. Sua estética é construída mais de impulsos
fragmentados do que de uma forma fixa preestabelecida, como acontece nas
escolas romântica, simbolista e parnasiana. Seu verso é livre e
geralmente curto, as frases raramente se completam, a pontuação nem
sempre está presente, e as estrofes não têm compromisso com a
uniformidade. Outra característica da poesia mais recente de Salomão
Sousa é a ausência de títulos nos poemas. Quem não acompanhou a
trajetória deste poeta, julga-o sempre jovem, pois ele se insere no
contexto do tempo presente. E tem plena consciência de seu ofício.
Quanto a isso, ele lembra o aval do poeta José Godoy Garcia, que, no
último encontro que tiveram, quando dialogavam sobre o processo de
criação, disse-lhe: “Ah! Você certamente sabe o que quer”.</span><br />
<span style="font-size: x-small;">O leitor que aceitar o convite para conhecer <em>Safra quebrada</em>,
pode estar certo de uma coisa: a originalidade dessa poesia! Desde sua
estréia em livro, Salomão Sousa vem se dedicando com fidelidade e afinco
a uma vertente pessoal inconfundível, construindo sempre uma dicção
nova para sua voz, na busca de uma expressão artística que o integre, <em>ad infinitum</em>, ao intrincado universo das palavras.</span><br />
<span style="font-size: x-small;">Agora,
com a publicação da obra reunida, Salomão Sousa dá seu contributo de
peso ao cenário da moderna poesia brasileira. Para conhecer a
importância de sua poesia — além da leitura dos poemas —, vale consultar
os artigos de Ronaldo Costa Fernandes e Ronaldo Cagiano que estão no
apêndice do volume.</span><br />
<span style="font-size: x-small;"><em>* É poeta, com vários livros publicados.</em></span><br />
<br />
<span style="font-size: x-small;"><em>Texto da página <a href="http://www.nosrevista.com.br/2007/06/13/safra-poetica-de-salomao-sousa/">Nós Fora dos Eixos. </a></em></span>Salomão Sousahttp://www.blogger.com/profile/10761805823147763830noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4843398825678420679.post-64619170398397617332010-09-29T19:06:00.000-07:002010-09-29T19:06:06.986-07:00A POESIA DE SALOMÃO SOUSAGeraldo Lima<br />
<br />
Nascido em Silvânia, GO, em 1952, Salomão Sousa reside em Brasília desde 1971, onde exerce a profissão de jornalista. Já publicou vários livros de poesia, entre eles A moenda dos dias/O susto de viver (Ed. Civilização Brasileira, 1980); Criação de lodo, 1993, DF; Estoque de relâmpagos (Prêmio Bolsa Brasília de Produção Literária, 2002, DF); Ruínas ao Sol (Prêmio Goyaz de Poesia, Editora 7 Letras, 2006) etc.<br />
A poesia de Salomão Sousa, no livro Ruínas ao Sol, que apresento aqui, é marcada pelo rigor formal e pelo lirismo intenso. Desse modo, a carga racional que o poeta despende na elaboração dos poemas não esvazia a tensão do discurso que expõe as fraturas do ser. Ao contrário, amplia-a. Embora a presença da morte e de outros elementos negativos seja constante nesses poemas, o eu lírico não cessa de apontar para um futuro de vitórias: “as carnes prontas para a paz e a vitória/Para trás as esterqueiras da incerteza/e as ameaças das quadras da secura” (pág. 14). Como bem assinalou o poeta Ronaldo Costa Fernandes, “... Ruínas ao sol é um livro em que a visão otimista se sobrepõe à visão derrotista”.<br />
Outro elemento a se destacar nesses poemas de Ruínas ao Sol é a presença de imagens que nos remetem ao ambiente rural, interiorano, criando um clima de bucolismo. Mas não há nisso traço algum de provincianismo ou conservadorismo. A poesia de Salomão Sousa mescla o tom elevado, de extremo refinamento estético, com elementos prosaicos, cotidianos, como em “Não morram os gomos/no desalinho do chavascal/Venha o casco de uma mula/a boca de uma lebre” (pág. 47). E é nisso que está contida a sua modernidade.Salomão Sousahttp://www.blogger.com/profile/10761805823147763830noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4843398825678420679.post-34745269449720308652009-02-03T17:08:00.000-08:002012-10-07T08:10:09.347-07:00Carinhosa a resenha de Brasigóis Felício sobre o nosso livro Momento Crítico, publicado na revista Bula, editado na ambiência cibernética a partir de Goiânia. Em outro momento, Brasigóis, certamente os meus artigos estarão mais focados na literatura goiana, tão plena de grandes poetas (lembremos a sua poesia, a de Yêda Schmaltz, do Aidenor Aires, do Delermando Vieira, do Valdivino Braz, dos novos Marcos Caiado e Edmar Guimaraens. Também me surpreendeu a poesia de Carlos Willians.). A próxima resenha que quero fazer é do livro Caderno, de Edmar Guimaraens, mas queria fazer um contato com ele antes — mas ele é muito na moita. Mas ainda “arranco ele da moita”, para usar uma expressão bem goiana. Sou amigo destes poetas e desta poesia. E certamente José Godoy Garcia, Afonso Félix de Souza, Gilberto Mendonça Teles e Cora Coralina. Obrigado pela resenha “O perfume da memória e o ocaso da crítica”. <br />
<br />
Aproveito para agradecer a resenha de Manoel Hygino no jornal Hoje em Dia, de BH, também sobre o Momento Crítico.<br />
<br />
<br />
As duas resenhas estão postadas no meu blog salomaosousa.blogspot.comSalomão Sousahttp://www.blogger.com/profile/10761805823147763830noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-4843398825678420679.post-7088792576846546712009-02-03T16:49:00.000-08:002009-02-03T16:50:21.872-08:00<div class="capa-titulo">O perfume da memória e o ocaso da crítica<br />Revista Bula<br /></div><div class="capa-colunista">02/02/2009 | Por <strong><a href="http://www.revistabula.com/colunista/brasigois-felicio/4" title="colunistas" rel="tag">Brasigois Felício</a></strong> em <span class="capa-cat"><a href="http://www.revistabula.com/secoes/colunistas/9" title="colunistas" rel="tag">colunistas</a></span></div><br /><p style="text-align: justify;"><br />Nos arrebaldes do Plano Piloto, em Taguatinga, Cidade Satélite, ainda moça brejeira e empoeirada, a mulher pública convida o poeta a fazer amor em um prostíbulo disfarçado em hotel. O literato e jornalista, recém-chegado, com a mala de papelão repleta de clássicos da literatura, tinha outra espécie de amor para dar, embora crendo, como na canção da MPB, que “toda maneira de amor vale a pena/toda maneira de amor valerá”. Assim, dispensou o “favor” amoroso, e agradece, pois vai de encontro a um amor mais geral. Assim proclama seu amor impessoal a seu tempo e à cidade que o acolhia, em seus primeiros vagidos. Saltando uma poça de lama, o poeta seguiu em frente, com suas esperanças e sonhos.</p><p style="text-align: justify;">Foi ali o primeiro lugar onde morou, em sua diáspora rumo ao futuro literário. Sonhos que andou cultivando em pastoreio de nuvens, e na leitura dos clássicos, em sua pacata Silvânia. Lugar de sua família, onde aprendeu, com Carlos Drummond de Andrade, ser preciso “tecer um canto/que faço acordar os homens/e adormecer as crianças/”. Queria ter um caso de amor não com uma pessoa, mas com a humanidade (a sua e a de todas as pessoas). O poeta tinha um sonho, e precisava conquistar seu espaço de viver na cidade para onde chegavam brasileiros vindos de todos os lugares.</p><p style="text-align: justify;">“Há beleza e dignidade até mesmo nas pequenas redes de hotéis camuflados em prostíbulos”. Assim escreve Salomão Sousa, no belo texto de abertura de seu livro “Momento crítico”. Poderíamos acrescentar que também há beleza nas áridas paisagens do nordeste semi-árido, onde sobrevive, em miséria social, um povo aguerrido e bravo (como o viu Euclides de Cunha).</p><p style="text-align: justify;">Povo sofrido, mas não miserável. E também beleza há na Amazônia, no dito “inferno verde”, e não apenas na via Ápia, como afirmou Joaquim Nabuco, praticando uma diplomacia às avessas, uma vez sabendo-se ser missão dos embaixadores e diplomatas em geral “mentirem honestamente em favor de seus países”, como ironizou Roberto Campos. No caso, Joaquim Nabuco mentiu desonestamente em desfavor do Brasil e de seu povo, que pagavam sua viagem de turismo diplomático. </p><p style="text-align: justify;">Esta é uma das observações de fina ironia, que Salomão Sousa se permitiu fazer, em variados textos desta reunião de seu “Momento Crítico”, em que lemos crônicas de cunho ensaístico, e ensaios vazados em linguagem leve de cronista. Refere-se também o autor a Edgar Morin, que em recomendações para uma prática da educação contemporânea nos dia que a mesma deve fundar-se em quatro pilares: aprender a ser, a fazer, a viver juntos e a conhecer. S.S. assinala, no ensaio “É hora de detonar o egocentrismo”; “O indivíduo, ao pregar excessivamente a importância do Só Eu, contaminou a cultura como obrigação de seguir a política de incentivo ao egocentrismo.<br /><br />Torqueville, clássico pensador da Democracia já nos dizia, há 170 anos: “Existe um amor à pátria que tem a sua fonte única naquele sentimento irrefletido, desinteressado e indefinível, que liga o coração do Homem ao lar em que nasceu. Confunde-se este sentimento com o gosto pelos costumes antigos, com o respeito aos mais velhos e a lembrança do passado. Aqueles que o experimentam estimam o seu país com o amor que tem pela casa paterna”.</p><p style="text-align: justify;">Talvez tenha faltado amor à pátria ao senhor Joaquim Nabuco, ao valorizar de modo tão enfático a importância universal da Via Ápia, em detrimento das paisagens de sua pátria – coisa que Vinicius de Moraes fez ao contrário, e de modo magistral, em seu belo poema Saudades da minha Pátria.</p><p style="text-align: justify;">Quase na mesma linha de Torqueville vai Salomão Sousa, no texto de abertura de seu livro, em que evoca a perdida sensibilidade das pessoas (dos jovens em particular) em relação às flores, e às sensações físicas e emocionais que provocam – sensações que ainda vibram em sua memória, quando se põe a recordar passagens de sua infância e juventude, em Silvânia, cidade onde nasceu: “Quem não adquire memória pessoal das flores não estabelece liames para a compreensão da beleza e sua ligação com a cadeia evolutiva da vida. As flores existem para a sua ligação com a cadeia evolutiva da vida. As flores existem para que a harmonia se construa”.</p><p style="text-align: justify;">Eu acrescento: e também para que não nos falte, em nossa trajetória existencial, o esplendor de reverdecer no verde, no deslumbrar-se ante a beleza de dos bichos e plantas, nos cantos de muros de mundo, e nos quintais da fraternura e da inocência: “Ao nos aproximarmos para apanhar água, víamos, do outro lado da bica, a moita de açucenas e corolas vermelhas, com os milhares de pistilos atraindo os marimbondos e as abelhas arapuás. (...) As açucenas ainda alimentam as lembranças, numa manhã sem mãe e sem mulher alguma outra mulher que, durante as viagens, engrandeça o dia com os nomes de flores, ou com centenas de pistilos novos que possam animar a vida”. <br /><br />Há muito a ler e a admirar, a deleitar mesmo, nesta coletânea de textos críticos do poeta e jornalista Salomão Sousa, que há anos reside e trabalha em Brasília. Ali, mesmo tendo que despedaçar as pedras do caminho, ocupou espaços na poesia e na crítica, agradando a muitos, e desgostando a uns poucos, com o ferrão de seu chuço de menino carreiro que foi, sem ter sido.</p><p style="text-align: justify;">Grande parte de seus textos reporta-se a livros, personalidades culturais da capital federal – mas não faltam reflexões interessantes sobre a poesia goiana, ou ponderações de grande profundidade e perspicácia, como no longo texto intitulado “Reflexões desconexas sobre comportamento cultural”. Neste texto Salomão Sousa atira em muitas direções, focando os caminhos da poesia brasileira, ou sobre a própria crítica, que deixou de ser um caso para entrar em ocaso. Tão invisível em sua precária existência, que sequer chegou a ser caso de polícia.<br /><br />Tal ocaso ocorre em face da moderna decadência cultural por que passamos, nesta era cibernética em que tudo é virtual, em segundos se esfuma no ar da evanescente e arrogante modernidade, muitas vezes vazia e sem caminhos. Salomão discute longamente causas e coisas do boom da poesia brasileira, a partir de 1997, passando pela fase em que “ o poema passou a representar respiração apenas para o poeta”. Passa Salomão Sousa à crítica da crítica: “O crítico não quer mais valorizar a obra que está sob seu foco, mas sim aniquilá-la, esquecendo-se que o ato de criticar é paralelo ao de criar”. <br /></p>Salomão Sousahttp://www.blogger.com/profile/10761805823147763830noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4843398825678420679.post-35610856321626305892009-02-03T16:48:00.001-08:002009-02-03T16:48:55.616-08:00<div align="left"> <p class="titulo-noticia">A nova geração</p><p class="titulo-noticia">Manoel Hygino</p><p class="titulo-noticia">Hoje em Dia, edição de 13 de janeiro de 2009<br /></p></div> <p class="texto-noticia-clicada">Pela Thesaurus, de Brasília, com apoio da Secretaria de Estado de Cultura do Distrito Federal, através do Fundo de Arte e de Cultura, lançou-se, quase no ocaso de 2008, “Momento crítico”, de Salomão Sousa. É livro para se ler e meditar. Nada mais útil. Nascido em Silvânia, Goiás, em 1952, formado em jornalismo, pela CEUB, Salomão exerce a profissão. O início foi na poesia, a que se dedica, enquanto avança como personalidade em outros gêneros. O novo livro contém artigos, crônicas, ensaios, em que focaliza fatos e personagens, expõe pontos-de-vista e, acima de tudo, convida o leitor à reflexão sobre problemas de antes, mas principalmente os de nosso desengonçado tempo.<br />O autor é um apaixonado pela natureza, não digo “encantado”, porque, depois de Guimarães Rosa, a palavra adquiriu nova acepção. “A memória das flores contribui, sobretudo, para o entendimento dos processos de reprodução, e dos engenhos misteriosos da formação da cultura. Quem não adquire memória pessoal das flores não estabelece liames para compreensão da beleza e de sua ligação com a cadeia evolutiva da vida. As flores existem para que a harmonia se construa. Só há harmonia quando existe a possibilidade da perpetualidade”.<br />Pois Salomão Sousa expõe e discute o problema da evolução tecnológica no campo das comunicações. Observa que, criado em 2004, o Orkut já conta com dez ou vinte milhões em uma comunidade, que cresce a todo dia. Em 2005, 74,37% eram de brasileiros, com 18 a 25 anos de idade, contabilizados os menores de idade, não quantificados. O escritor não é contra o Orkut, pois “de imediato o sistema não merece condenação sumária. Deve ser estudado para que fiquem mais previsíveis as suas conseqüências e para divulgação dos malefícios reconhecidos. Primeiramente, o Orkut favorece a comunicação e a visibilidade de grupos de amigos, inclusive para ordená-los, pois todo mundo localiza todo mundo. Além disso, contribui para que eles disseminem seus interesses”<br />À primeira vista, parece um instrumento valiosíssimo, e o é, se considerados os aspectos apenas positivos, porque há senões e desvios. O usuário se torna parte da própria máquina, tornando-se dela instrumento, e toda máquina, como a Internet, é burra. Para Salomão Sousa, o Orkut afeta o raciocínio, a linguagem e a memória. “Quem usa o Orkut - ou ferramentas idênticas - nem sempre ordena o pensamento, e adota a linguagem peculiar gerada pelo uso do sistema, que disfarça a obrigatoriedade de elegância, e de correção gramatical e lingüística, ou de postura ética”.<br />É questão grave, a se avaliar. O operador do sistema não cuida de zelar pela boa linguagem, pelo respeito a normas elementares de conduta pessoal, que podem conduzir a conseqüências condenáveis e inaceitáveis. Enquanto se dedica ao contato na máquina, o cidadão se desliga da vida, das imposições de deveres e cultivo de direitos, aliena-se. </p>Salomão Sousahttp://www.blogger.com/profile/10761805823147763830noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4843398825678420679.post-45415949628072853602008-09-15T17:37:00.000-07:002008-09-15T17:45:00.563-07:00Abaixo, a apresentação de minha autoria, para a antologia DESTE PLANALTO CENTRAL - POETAS DE BRASÍLIA, com patrocínio do FAC/Câmara do Livro do Distrito Federal, para a I Bienal Internacional de Poesia, da Biblioteca Nacional de Brasília:<br /><br /><div align="right">Argumentos do Organizador<br />Salomão Sousa<br /><br /><span style="font-size:85%;">“Deste planalto central, desta solidão que em breve se transformará em cérebro das altas decisões nacionais, lanço os olhos mais um vez sobre o amanhã do meu país e antevejo esta alvorada com fé inquebrantável e uma confiança sem limites no seu grande destino.”<br />Juscelino Kubitschek</span></div><br />Esta coletânea, que abriga expressões da poesia brasiliense — atuantes nesta antevéspera do cinquentenário da Capital —, é item da programação da I Bienal Internacional de Brasília, promovida pela Biblioteca Nacional de Brasília.<br />O organizador acalentava há mais de quinze anos o desejo de agrupar num único volume aqueles poetas que contribuem com têmpera pessoal para a edificação da poesia da sociedade cultural no Planalto Central. O convite da Biblioteca Nacional de Brasília concretiza este desejo.<br />Ainda é cedo para o antevisto amanhã do profético discurso de Juscelino Kubitschek, mas numa velocidade elétrica — com argamassa de sangue e sonho de arquitetos, escritores, músicos… — forja-se com arrojo não só a certeza da centralização de decisões políticas e da abertura de frentes econômicas, mas forja-se também a certeza da necessária irradiação de cultura. Com a nova Capital ficou aberta a possibilidade de melhor miscigenação cultural da população mais a oeste do país. Ao elevar-se como símbolo da modernidade frente a todas as nações, Brasília extinguiu o conceito de província, que causou malefícios a tantos criadores não só em razão do preconceito, mas sobretudo pela ausência de redes de formação e de divulgação. Desse projeto, os poetas brasilienses têm sobressaído em antologias estrangeiras e nacionais, à medida que os anos passam, numa representatividade crescente. Basta ver o número deles na Antologia Comentada da Poesia Brasileira no Século 21 (Publifolha, 2006) e na Antologia Comentada de Literatura Brasileira (Vozes, 2006).<br />Por se tratar de sociedade nascente, ainda são raros os poetas brasilienses naturais. Pelo que está coletado neste volume — transcorridos quase 50 anos da inauguração de Brasília —, constata-se que apenas um, numa totalidade de cinqüenta poetas, nasceu na cidade. Portanto, é cedo para a arte de Brasília admitir qualquer tombamento ou cerca limitadora, pois junto com a cidade, ainda está em processo a dinâmica de ampliação dos limites dos próprios recursos humanos e criativos.<br />A condição de estrangeiro dos poetas brasilienses não é desalentadora. Primeiramente, ela corresponde à situação idêntica vivida pelos que atuam em outras instâncias. Assim como a árvore transplantada — conforme comprova a ciência —, os poetas se ajustam a esse solo, dele retiram elementos de sobrevivência e de construção simbólica, e a esse solo transferem características inseminadoras de novas fertilidades, contribuindo para o surgimento de uma vistosa Babilônia da modernidade. Essa troca de fertilidade não é de agora — desde a demarcação do Distrito Federal que se tem registro de poetas no território abrindo clareiras, armazenando metáforas da construção… Com essa troca leal, os poetas dão face à cultura de Brasília, e na história da cidade cinzelam suas efígies pessoais.<br />A presença do corpo diplomático, dos tribunais, das casas legislativas, das universidades — de todo o arcabouço administrativo a exigir presença de homens e mulheres íntimos da interpretação cultural e política — favoreceu o rápido florescimento da literatura em Brasília. Assim, após a arquitetura, a poesia foi o segmento criativo que melhor vem se aclimatando às vastidões do Planalto Central, e se afirma como um dos segmentos da literatura de maior expressão na região. Outros segmentos aparecem através de booms temporários, enquanto a poesia se preocupa em encontrar dinâmica evolutiva.<br />Como alternativa para enfrentar o distanciamento do mercado editorial, bem como do incipiente processo crítico — já que Brasília demora a produzir crítica cultural, pois os meios de comunicação aqui se instalam para produzir crítica política — e para demarcar, de forma coesa, a presença na cidade, os poetas brasilienses sempre buscaram se afirmar de forma organizada em entidades culturais e em antologias. A primeira antologia de Joanyr de Oliveira, de 1962, empresta cinco nomes para a presente coletânea. De lá para cá, são dezenas de antologias — consorciadas, temáticas, marginais, poetas agrupados por entidade, por repartição pública, por cidades-satélites…<br />Inútil a construção de argumentos para justificar ausências de poetas nesta coletânea. Ou a abertura das preferências do organizador, pois elas nem sempre irão coincidir com a multiplicidade dos olhares críticos — mesmo quando manifestamente benfazejos. Independente da linguagem de cada autor, esta coletânea busca apreender poetas de todas as fases e grupos de escritores de Brasília, considerando desde aqueles que circulavam aqui entre 1956 e 1958, até os que atuam na Capital no advento de seu cinqüentenário.<br />Seria injusto se não fosse oferecida prioridade, no processo de escolha, aos poetas residentes na cidade, preferencialmente àqueles que entrelaçam suas raízes para maior fixação numa nova territorialidade. Foram raríssimas, mas necessárias ao olhar do organizador, exceções àqueles que, mesmo fora, continuam a emprestar parcerias em ramificações que contribuem para ampliar a vitalidade da cultura brasiliense.<br />Para evitar preterições de justificado questionamento, o material de vários poetas foi recolhido após a busca em fundos abandonos. Foi constatado que em Brasília os poetas guardam riquíssimo material inédito, prontos para edição, ou que se encontra em elaboração (há exigência urgente de projeto capaz de trazer à luz a obra que muitos poetas ativos têm produzido, e também o que sabidamente foi deixado inédito por Altino Caixeta de Castro, Esmerino Magalhães Jr., Fernando Mendes Vianna e Otávio Afonso). Alguma aura de invisibilidade — já que é incipiente o processo de avaliação dos escritores de Brasília — pode ter prejudicado a avaliação de algum autor. No entanto, sem o corpo-a-corpo crítico — é oportuno reconhecer — não há a troca entre terra e raízes, ou mesmo sem entrecruzar de genes na boa sementeira. Em que pese toda secura com que é tratado, o poeta não pode se recolher — tem de insistir com a sua fertilidade, trazê-la para a rua. Nem tudo pode acontecer só no antevisto amanhã.<br />É natural que a coletânea não consiga abrigar todos os poetas expressivos que passaram ou que continuam em Brasília. Além do merecimento natural de suas obras, o organizador recebeu de várias frentes a indicação dos seguintes nomes: Adalberto Müller, Ana Ramiro, Alphonsus de Guimaraens Filho, Donaldo Mello, Elizabeth Hazin, Ézio Macedo Ribeiro, Fernando Marques, Gustavo Dourado, Márcio Catunda, Reivaldo Vinas, Sérgio Muylaert, Valdir de Aquino Ximenes e Villi S. Andersen. Talvez poucos se lembrem de Anito Steinbach — mestre em Taguatinga e também do corpo diplomático do Itamarati —, que publicou poemas de rara condensação, quase de hai-kai. Esta lista suscitará a lembrança de muitas outras ausências, sedimentando a certeza da impossibilidade de esgotar a totalidade daqueles que fortalecem a história inicial da literatura de Brasília. Ainda há que mencionar aqueles de outras áreas que incursionam pela poesia com rara soberba, também meritoriamente recomendados, tais como Affonso Heliodoro, Alan Viggiano, Emanuel Medeiros Vieira, Flávio Kothe, Guido Heleno, Joilson Portocalvo, Napoleão Valadares, Paulo Bertran e Stela Maris Resende. Muitas outras listas de ausentes poderiam ser construídas — basta dizer que de muitas antologias não foi sacado nenhum nome para aqui figurar.<br />Para não diminuir a representatividade dos poetas que se encontram em atividade, a coletânea não contempla aqueles que já faleceram — por si sós, seriam suficientes para volume ainda mais caudaloso. Na primeira fase do levantamento dos nomes que poderiam figurar na coletânea, treze deles chegaram a ser relacionados. Sem necessidade de contratação de consultoria crítica para avaliá-los, acrescentariam mérito a qualquer antologia nacional ou estrangeira — ainda mais a uma regional: Altino Caixeta de Castro, Afonso Félix de Sousa, Antonio Roberval Miketen, Cassiano Nunes, Domingos Carvalho da Silva, Esmerino Magalhães Jr., Fernando Mendes Vianna, Jesus Barros Boquady, José Godoy Garcia, José Hélder de Souza, Yolanda Jordão, Marly de Oliveira e Oswaldino Marques. Como faleceram após desencadeado o processo de organização da coletânea, foram mantidas as presenças de Otávio Afonso, que foi o segundo poeta brasileiro “a levar” o Prêmio Casa de Las Américas, pois o primeiro “a trazer” este prêmio para o Brasil foi Pedro Tierra (também aqui presente), e H. Dobal, que, além de poeta aclamado, muita contribuição deixou na esfera administrativa de Brasília.<br />O organizador pretendia que a formação da poesia de Brasília fosse apresentada na ótica de cada participante. Mas, por dificuldade de coletar o material, merecem destaque as justas observações de José Edson dos Santos:<br />A formação do contexto histórico-cultural da práxis poética em Brasília passa certamente pela iniciativa desbravadora de Joanyr de Oliveira de reunir em 1962, na antologia Poetas em Brasília, nomes expressivos como Afonso Félix de Sousa, Alphonsus de Guimaraens Filho, Anderson Braga Horta, Ézio Pires, José Santiago Naud, entre outros. Nos anos setenta, outras manifestações poéticas coletivas como Águas Emendadas, com Francisco Alvim, Carlos Saldanha, Luis Martins, Chico Dias; Em Canto Cerrado, organizada por Salomão Sousa. As edições dos 8, 16, 20 e 27 POrrETAS, reunidas por César Athayde. A revista Grande Circular, a Lira Pau Brasília, com Turiba, Nicolas Behr, Paulo Tovar, Sóter, visitando escolas no início dos anos 80. A Livraria Galilei com os lançamentos e divulgação de livros e antologias que marcaram a iniciação de muitos poetas. A Feira do Livro também teve um papel relevante no surgimento de novos poetas, nas interações dos saraus pelos bares e cafés da cidade. Outras iniciativas e projetos alternativos ficaram no limbo do esquecimento. Trabalhos de mestrado como O Cristal e a Chama (A Linguagem Literária que Traduz o Objeto Brasília), de Maria da Glória Barbosa, e Poesia de Brasília: Duas Tendências, de José Roberto de Almeida Pinto, vêm de certa forma contribuir e resgatar esse espaço de atuação nas áreas da cultura e da poesia desenvolvidas em Brasília.<br />Realmente, o estudo de José Roberto de Almeida Pinto — que toma por eixo a Poesia Marginal — merece ser reconhecido como aquele que melhor organiza os primeiros movimentos da poesia de Brasília. Não podem passar despercebidos os livros História da Literatura Brasiliense, de Luiz Carlos Guimarães da Costa, que — apesar da falta de sistematização historiográfica — focaliza alguns escritores de preferência do autor; e Depoimento Literário, Julgamento de Liberdade e Literatura na Criação de Brasília, de Ézio Pires, que reúne artigos e notas do autor sobre os primeiros passos da literatura brasiliense. Somam-se a esses livros os dois volumes de artigos, resenhas e palestras de Anderson Braga Horta. A literatura de Brasília — sem desmerecer esses esforços iniciais — já merece estudo de visão interpretativa e de melhor estrutura historiográfica. Quanto às publicações seriadas — em que pese a existência do Boletim da ANE, das revistas da Academia Brasiliense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, Há Vagas e DF Letras —, destaca-se de forma isolada a revista Bric-a-Brac, que inverteu o viés do processo criativo.<br />Contudo, as aproximações com as vanguardas, promovidas pela revista Bric-a-Brac, foram insuficientes para mudanças significativas nos rumos da poesia de Brasília. Para compreender o entendimento pessoal do poeta sobre a vida na Capital, talvez pudesse ser dramatizado o momento da chegada de alguns deles. Poderia, por exemplo, ser relembrada a primeira noite de determinado poeta numa cidade-satélite, quando andou chapinhando nas poças de lama. Para ele, a primeira lua em Brasília estava enlameada. Para muitos, a qualquer momento, a porta podia ser arrebentada pela força da repressão. O poeta, então, não tinha tempo para práxis e processos — tinha de construir com lama e resistência.<br />Há um pequeno poema de Lourdes Teodoro que remete ao período em que a Ditadura fazia (re)percutir dentro dos lares brasileiros o ruído de seu torniquete, chamado “Oração do Mutilado”, que pode ser interpretado como o apagar-se da esperança ou ao elevar-se da construção onde antes era o verde:<br /><br />o verde em mim<br />é um remoto ponto escuro.<br /><br />Lembremos também o poema sem título, de Esmerino Magalhães Jr., que foi recitado em diversos momentos de protesto realizados em Brasília:<br /><br />O SARGENTO QUE MATOU GARCIA LORCA<br />está sentado. A mão direita de seu padre<br />todo-poderoso na aldeia acena-lhe da porta<br />da igreja. Corpo ainda modorrento do catre,<br />levanta-se, pensando no que mais importa:<br />à tarde, ao vinho, virá o melhor alcatre.<br />O sargento que matou Garcia Lorca<br />vai à missa domingueira e genuflexo<br />é o herói da aldeia. A legenda nunca morta<br />revive nos serões, nas tascas: três balas no plexo,<br />sem ao menos tremer de leve os dedos,<br />dono e senhor dos seus e outros medos.<br /><br />O sargento que matou Garcia Lorca<br />é um velho forte, alto, e na taverna<br />mais cresce ainda quando o vinho emborca,<br />contando história antiga aos outros da caterva<br />(o moço efeminado, trêmulo, de gelo),<br />quando viril, com seu fuzil e o zelo,<br />matou de vez a consciência porca<br />do sargento que matou Garcia Lorca.<br /><br />Além de estudar a poesia brasiliense, José Roberto de Almeida Pinto também é poeta expressivo. Publicou apenas um livro de poemas até o momento, mas, pela maneira peculiar de sentir e interpretar a cidade, a sua poesia é marcante na evolução da literatura de Brasília:<br /><br />REMORSO<br /><br />Nesta Brasília, calada<br />nesta sala assexuada<br />Nesta hora desgraçada<br />Eu sou somente remorso.<br /><br />Aço preto na testa,<br />Acre sertão na garganta,<br />Resina de esgoto nos olhos,<br />Eu não sou mais que remorso.<br />Eu não sou mais que a vontade de sair correndo<br />estraçalhar a cara no primeiro poste, o homem<br />que um dia sonhou ser bom, a besta<br />que quer fugir e não pode<br />que quer berrar e não pode<br />que quer, meu Deus, ser perdoado.<br /><br />Nesta véspera de sábado<br />Nesta Brasília silente<br />Há festas, boates, mulheres.<br />Roendo osso, remorso<br />Nesta sala indiferente.<br />Nesta hora desgraçada<br />Há somente o homem em face de si mesmo e náusea<br />O homem finalmente em face de si mesmo<br />O atônito covarde.<br /><br />José Roberto de Almeida Pinto demonstra neste poema que Brasília não é uma cidade só para glórias, onde só se louva, mas é onde também se vive e se acovarda. A poesia acompanha todos os passos da civilização — tanto em seus momentos de heroísmo quanto de derrocadas. Outras razões ainda favorecem o destaque para o poema de José Roberto de Almeida Pinto. Traz temática que faz lembrar ao indivíduo egocêntrico da pós-modernidade que a humanidade se constrói com laços frágeis, de rigorosa humildade e generosidade. Todo comportamento egocêntrico e de excesso da valorização do “eu” é ausência de poesia.<br />A metáfora de resistência está em repouso na poesia brasileira, inclusive em Brasília. Ainda não são significativos os experimentos na poesia brasiliense, excetuando parte da obra de Altino Caixeta de Castro, Da Nirham Eros (pseudônimo de Antonio Miranda), e Hugo Mund Jr., mas serão favorecidos com o ordenamento dos aspectos político-econômicos da cidade — cabendo, portanto, estudo para levantar as experiências raras com poesia visual ocorridas na Capital. A poesia de resistência se dá quando a vida está ameaçada; e, a poesia de experimentação, quando evolução das estruturas liberam os poetas das preocupações sócio-políticas. À medida que as estruturas de Brasília se completam, os poetas poderão melhor se debruçar em pesquisas das tendências da modernidade “e sair desse imbróglio do poder”, conforme expressa Heitor Humberto de Andrade. Brasília tem de deixar de ser vista como um elemento de malefício ou de redenção nacional para se transformar num organismo que se completa em si mesmo, em seus aspectos políticos, econômicos e culturais. O organismo que se realiza em si mesmo é o que melhor contribui com aqueles que estão fora dele.<br />A Poesia Marginal — o único movimento legítimo da poesia de Brasília — resistia ao momento político e ao conservadorismo ou de experimentos que esvaziavam o discurso poético. Era uma busca de contato corporal com a palavra e com a cidade. Vencido este momento — não há como desconhecer —, os poetas brasilienses ainda se ajustam às incertezas dos segmentos de pós-vanguarda que vive a poesia, procurando aos poucos a eles se integrar.<br />É o esforço para criar identidade e definir linguagens que dá excelência à poesia brasiliense. Aos poetas, então, cabe louvar a crescente inserção neste projeto de transformar Brasília num organismo autônomo, e estimulá-los com valorização crítica para que sejam motivados a seguir em busca de novas linguagens, já que a poesia, para não apodrecer, não pode ficar estancada sempre nos mesmos limites.<br /><div align="right"><br /><span style="font-size:85%;">Brasília, 10 de junho de 2008</span>.</div><div align="right"> </div><div align="right"> </div><div align="right">Relação dos Poetas da Antologia:</div><div align="right"> </div><div align="right">Afonso Henriques Neto<br />Aglaia Souza<br />Alexandre Marino<br />Alexandre Pilati<br />Álvaro Faleiros<br />Amneres<br />Anderson Braga Horta<br />Angélica Torres<br />Antonio Carlos Osorio<br />Antonio Miranda<br />Astrid Cabral<br />Chico Pôrto<br />Cláudio Murilo Leal<br />Cristina Bastos<br />Eudoro Augusto<br />Ézio Pires<br />Francisco Alvim<br />Francisco Kaq<br />H. Dobal<br />Heitor Humberto de Andrade <br />Hermenegildo Bastos<br />Hugo Mund Junior<br />Joanyr de Oliveira<br />João Bosco Bomfim<br />João Carlos Taveira<br />José Edson dos Santos<br />Josira Sampaio<br />José Carlos Pereira Peliano<br />José Santiago Naud<br />Julio Cezar Meirelles<br />Lina Tâmega Peixoto<br />Lourdes Teodoro<br />Luiz Martins da Silva<br />Luis Turiba<br />Menezes y Moraes<br />Nelson Carvalho<br />Nilto Maciel<br />Nicolas Behr<br />Otávio Afonso<br />Pedro Tierra (Hamilton Pereira)<br />Reynaldo Jardim<br />Robson Corrêa de Araújo<br />Ronaldo Cagiano<br />Ronaldo Costa Fernandes<br />Salomão Sousa<br />Sylvia Cyntrão<br />TT Catalão<br />Vera Americano<br />Viriato Gaspar<br />Wilson Pereira<br />Xenïa Antunes</div>Salomão Sousahttp://www.blogger.com/profile/10761805823147763830noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4843398825678420679.post-38040628605575411092008-07-16T17:39:00.000-07:002008-07-16T17:48:53.605-07:00<p><b><span style="font-size: 14pt;">Entrevista realizada no dia 30 de maio de 2008, às 18h20m</span></b></p> <p><br />Salomão: "Alô Yuri, boa sorte pra você né, tô te vendo na história."</p> <p>Yuri: Bem, a entrevista então, é baseada na sua história de vida, em toda a trajetória que você teve, não só como pessoa como também como escritor, as suas visões sobre a literatura brasiliense, como você se vê inserido, tantas questões que dizem respeito basicamente à história da literatura brasiliense e a sua própria história. Então, eu pediria que você começasse com o seu nome completo, apelido, todas as informações que façam as pessoas se identificarem com você, informações sobre você.</p> <p>Salomão: Muito bem Yuri, então comecemos pelas origens, eu sou goiano, então, essa é a grande dificuldade da literatura de Brasília, pra formar sua identidade, porque, como se trata de uma cidade muito nova, então 98 por cento, 96 por cento, isso é um dado legítimo. Então 96 por cento dos escritores da cidade, ainda não são originários daqui, eles não nasceram aqui, e eu estou entre esses que vieram de fora. </p> <p>Então eu sou goiano de Silvânia, nasci na zona rural, vivi na zona rural até os 12 anos, fui pra Silvânia, nessa cidade pequena que é aqui próximo, cerca de 170 quilômetros. Fiz o meu primeiro grau, até a oitava série, quando concluí, já atrasado, porque naquele período a formação era sempre muito atrasada. Você terminava o primeiro grau já tava com quase vinte anos, não era tão acelerado como é hoje. Então enquanto a juventude hoje está se formando com 20 anos na faculdade eu estava terminando o segundo grau, então eu fui fazer faculdade aqui em Brasília. Eu fui entrar na faculdade já tava com quase 23 anos, então era muito difícil naquela época, esse acesso à cultura. </p> <p>Então eu já comecei a escrever em Silvânia, um contato já com a literatura daquele período, eu sempre gostei muito de ler, e foi inclusive o que me salvou, o que me deu essa possibilidade pra vir pra Brasília. Como era uma região de muito analfabetismo e tudo, as pessoas se admiravam de ter aquele jovem lendo, participando, escrevendo, e a própria família abriu espaço para que eu viesse pra Brasília. E em 1971, concluído o ginasial, eu vim morar em Taguatinga, que naquela época ainda era quase toda de tábua, em 71, com um padrinho, que me abriu essa possibilidade de vir pra cá, eu não tinha emprego, não tinha dinheiro, meu pai estava doente, de doença de chagas. Inclusive viria a falecer logo em seguida, minha família muito pobre, minha mãe até passou muita dificuldade naquela região, e tive que enfrentar tudo isso aqui com muita dificuldade. </p> <p>Você não tinha pessoas pra te apoiar, você não tinha acesso a quem pudesse te arrumar emprego, então foi uma luta muito difícil, então eu demorei quase dois anos para arrumar emprego e tudo, fiquei morando em Taguatinga, onde fiz o segundo grau, num colégio de Taguatinga Sul, e continuando esse interesse pela literatura. Então eu tive, eu fui aluno da Dad Abchaini, que é essa que trabalha no Correio Braziliense, que cuida da parte de português. Então eu tive uma boa formação, assim como eu também tive em Silvânia, eu estudei em colégio de padres salesianos, que tinham muito boas formações, então eu já vim com uma boa formação de Silvânia. E como eu tive dois professores de português, quando você é escritor você se preocupa mais com o português, então eu tive a Dad Abchaini e tive um outro professor também que era poeta, e que hoje tá no Sul, trabalhando em escola, que foi o (inaudível).</p> <p>Então foram dois que contribuíram imensamente pra melhorar a minha visão sobre literatura, as minhas orientações sobre literatura. Então, antes de passar para a outra fase, antes de ir para outros lugares, completar as informações, meu nome completo é Salomão Miguel de Sousa. Eu nunca usei um peseudônimo, assim, um pseudônimo que mudasse esse nome, eu só cortei o Miguel e o de, então ficou, eu sempre usei Salomão Sousa, em tudo o que eu escrevi, desde os meus primeiros escritos, ainda em Silvânia, eu sempre usei esse nome, eu nunca assinei com outro pseudônimo. Nasci em 1952, é um ano que eu gosto muitíssimo, é o ano de lançamento de um dos livros revolucionários da literatura brasileira, que foi Invenção de Orfeu, do Jorge Lima, eu acho extraordinário ter nascido no mesmo ano de sua publicação. </p> <p>Outra situação também que prejudica a minha situação, não só de vir de uma sociedade goiana quase medieval, sem cultura, com culturas muito antigas, eu participei de situações de muita dificuldade, porque era muita primitiva essa cultura. É uma sociedade que sequer tem livros nas casas, não tem música, então o goiano é agora que tá começando a introduzir isso no seio da família. Então enquanto outros estavam com cultura dentro de casa e tudo, eu não tinha nada disso, eu tinha que procurar fora, então ainda é uma das grandes dificuldades da cultura brasileira é não ter cultura em casa. Você comprar cultura hoje você é inclusive motivo de gozação, você gastar dinheiro com livros, então nós temos que mudar essa concepção pra facilitar a formação do indivíduo. Então a minha formação foi prejudicada por isso, porque você demora, então eu fui imensamente prejudicado, atrasado, uma formação atrasada, porque com 23 anos os românticos estavam morrendo, deixando obras, e eu ainda tava terminando a minha formação, procurando caminho, uma aprendizagem para poder escrever. </p> <p>Então eu nasci em 52, aí fui entrar na faculdade, quando vim pra Brasília em 71, com 19 anos, fui entrar na faculdade em 73 mais ou menos, já com 21 anos, 22 anos, aí que possibilitou um pouco mais de abertura, de compreensão maior do processo da literatura. Aí que eu fui ter um pouco de contato maior com a literatura, inclusive de Brasília, as participações, a melhor participação na literatura de Brasília. </p> <p>Eu fiz jornalismo no CEUB, e pagando a minha faculdade inclusive, porque naquele período não tinha nem como fazer universidade pública, não tinha ninguém pra me bancar. A sorte é que em 73 você ganhando 2 salários mínimos era possível pagar a faculdade, coisa que hoje em dia é inimaginável, porque o ensino no Brasil é inviável, é elitizante. O indivíduo de uma classe menor tem uma dificuldade enorme de fazer a sua faculdade, e isso tudo prejudica a cultura, não só a de Brasília como a do país inteiro. Porque se o indivíduo não tem acesso a um poder econômico, não tem acesso a uma formação, é claro que vai escrever menos, vai ter uma compreensão menor da poesia. Por isso que lê tão pouca poesia, porque, acho que para gostar dela você tem que ter intimidade com ela, literatura você tem que ter intimidade com ela. Como é que você vai ter essa intimidade com ela se você não convive com ela? Então você tem que ouvir na faculdade, mas o indivíduo ta aí sem dinheiro, não pode comprar livro, não pode ter formação. Então é uma grande, inverte as questões de valores, tudo isso vai tendo essa grande dificuldade. </p> <p>Mas eu já era apaixonado por tudo isso, então por espontaneidade, não quer dizer que alguém me trouxe isso não, eu tive que ir atrás e colocar isso na mão. Todo dia que eu fui ler, que eu fui atrás, não quer dizer que estivesse dentro de uma casa que eu chegasse que tivesse livro, então tinha que ir atrás pra conseguir essas coisas. E aí quando eu fui fazer a faculdade, essa proximidade dos escritores no meio acadêmico também me ajudou imensamente. Porque aí já tinha outros escritores no CEUB também, como o Luiz Beltrão, a Zita Andrade, que foram meus professores, e que possibilitou também a abertura, porque através deles eu já tive acesso à Associação Nacional de Escritores. Apesar de eu não ter livro publicado eu passei a freqüentar a Associação de Escritores, eu ia lá jovem ainda, sentava ali e ficava ouvindo todo mundo, aí conheci aqui de Brasília a Associação Nacional de Escritores, eu ficava ali junto com os escritores. </p> <p>Já em 76 pra frente eu passei a freqüentar a Associação Nacional dos Escritores como ouvinte, aí eu já tinha dois grandes amigos, que passamos a publicar livros mimeografados. Se bem que eu não sou considerado da geração mimeógrafo, apesar de ter publicado livros mimeografados, porque eu não participei, como eu trabalhava, não era assim parecendo um hippie, de estar dentro de bares e tal, eu não sou considerado da geração mimeógrafo. Porque a geração mimeógrafo ela tá também associada a um comportamento, então como eu trabalhava, estava numa outra rotina, que vendia menos livros, eu vendia dentro do serviço público, em outros meios, sem ser bares e tudo, então eu estou fora da geração mimeografa. E eu também não estava preocupado em escrever como a geração mimeógrafa, eu estava ligado um pouco à tradição e um pouco à vanguarda, procurando ainda um caminho sem ter muito conhecimento disso, enquanto que a geração mimeógrafa tava querendo quebrar todos os tabus, também sem saber muito o que estava fazendo. Porque a grande geração da poesia de Brasília é a geração mimeógrafa, com o Nicolas Behr, Chacal, (irreconhecível), Afonso Henrique Neto, Eldor Augusto, então tem toda uma geração, a Xënia Antunes, que não foi tanto geração mimeógrafa, mas como era jornalista contribuiu muito para a repercussão da literatura de Brasília no meio da imprensa. </p> <p>E aí como eu estava ligado também com a Associação Nacional do Escritor, eu até hoje não me insiro e não estive inserido na geração mimeografa deste período. Mas nesse período a gente tinha dois grandes amigos, um que se afastou da literatura, só publicou livros junto comigo, foi o Ronaldo Alexandre, o outro também que se afastou, tem muito material inédito, que é o Cunho Prado, chegamos a publicar alguma coisa juntos, mas ele se interessou por outras questões e se afastou da literatura. E aí fui me aproximando de outras pessoas. É claro que essas amizades perduram até hoje, são meus grandes amigos, porque a minha formação literária se deu junto com eles. E a grande formação foi justamente dentro da Associação Nacional dos Escritores, mas ao mesmo, como eu publiquei livros mimeografados, tinha aproximação com a geração mimeógrafa, então eu tenho livre trânsito em todas as correntes da literatura de Brasília. </p> <p>O meu trânsito, com grandes amizades, no meio mais acadêmico, da Associação do Escritor, da Academia Brasiliense de Letras, como tenho também no meio menos acadêmico, onde circula o Menezes de Morais, o Nicholas, então eu tenho essa aceitação e que me possibilita ter amizades em todos esses círculos. E tem alguns movimentos que participamos. Então o que poderíamos destacar dessa evolução da literatura de Brasília e que eu poderia, que eu participei disso? A geração mimeógrafo ela aconteceu na década de 70, assim já de uma resistência à ditadura, e de resistência à poesia de vanguarda, excessiva, aquela poesia processo, poesia práxis que acontecia no Brasil, e que a juventude queria desconstruir tudo isso. De uma forma mais direta, mais debochada, mas ao mesmo tempo mexendo na questão social. Eu também estava preocupado com isso, de ser menos acadêmico, menos vanguardista, uma poesia mais leve, então por isso eu cheguei a me aproximar um pouco disso. </p> <p>Mas nessa década de 70 que a literatura tava começando a ter um caráter brasiliense, porque antes era só as pessoas que vinham de fora e que já estavam com a sua obra pronta, como era o Domingos Carvalho da Silva, da geração de 45, que tava aqui, o Antônio Carlos Osório, o Fernando Mendes Viana. Então eram poetas que estavam chegando de fora, com uma obra já com caráter acadêmico, como o Joanir de Oliveira, que foi o grande divulgador da literatura brasiliense, e que estavam girando em torno da Associação Nacional do Escritor. Com o surgimento da geração do mimeógrafo que começa a polarizar a produção literária de Brasília, e aí começam alguns movimentos que isso tudo gera, de resistência, leituras públicas em época do Apartheid. Eu não participei de nenhum movimento político, porque essa geração de 52 participou menos. Porque eu fiquei fora das Diretas, porque eu tava mais velho pras Diretas e estava muito novo pro movimento de 64, em 64, 68, 68 eu até poderia ter participado, mas eu estava num momento em que eu não tinha nenhuma autonomia econômica pra participar disso, eu estava num momento em que eu precisava, eu estava chegando de Silvânia, estava longe do processo, precisava de arrumar um meio econômico de sobrevivência, apesar de ter consciência política da questão. </p> <p>Por isso que eu compreendo que eu não participei desses movimentos de esquerdas do Brasil, se bem que eu discutia isso desde Silvânia com os meus amigos que eu deixei lá, que o processo da juventude naquele período era muito maior de discussões. Hoje os jovens não se reúnem para discussões políticas de questões nacionais. Há uma forma diferente de encarar a forma dos debates, naquele período não, os jovens, apesar de o acesso à cultura ser muito difícil e o próprio processo de compreensão política, mas ele queria ter essa compreensão do que podia ser feito com o país, por isso essa resistência tão grande e que desaguou no regime militar. Tudo isso o que nós conhecemos, com a repressão toda e quem mais pagou isso foi a juventude, quem mais pagou todos esses desastres foi a juventude, com suas vidas, porque não foi só com a vida que a juventude perdeu, porque morreram muitos jovens. A maior perda foi a falta de formação, porque se tivesse uma boa formação naquele período, a nossa política já tinha progredido muito mais. </p> <p>O próprio sistema de universidade que foi criado, e que possibilitou esse questionamento, mas de qualquer forma ele foi feito para não ter debate político. Porque a universidade é feita fora da cidade? Quando você pega um <i>campus</i> universitário, é como se ele não tivesse inserido na sociedade, é um troço isolado, como se você não pudesse debater, fosse uma coisa só acadêmica. Mas o jovem acabou procurando meios de reagir a isso, inclusive com a literatura, dentro da própria faculdade teve muitos movimentos. Não digo que eu participei porque eu não estava na UnB, mas dentro da UnB teve muitos jovens, o Armagedon que lia poesia, os jovens liam poesia dentro desses movimentos, então sempre teve uma participação muito grande.</p> <p>Mas aí quando foi, já em 78, quando tava acabando os regimes militares, haviam muitas leituras públicas de poesia, poesias de resistência. Então Brasília, eu digo nessa antologia que eu estou organizando para a Bienal Internacional de Poesia que vai acontecer em setembro na Biblioteca Internacional de Brasília, eu já fiz uma introdução dela, que a poesia daquele período, ela não podia ser de vanguarda. Como o país estava em ebulição, em alteração política, saindo de um regime militar com muita pressão, a poesia em Brasília foi contaminada por esse processo político. Era uma poesia de muita resistência, ela não era de vanguarda. Enquanto Brasília era moderna a poesia não era moderna, então era uma poesia do jovem, a do jovem não era moderna, era uma poesia marginal, de resistência de rua, de anotação, ela não era vanguardista, assim, de linguagem, que misture poema visual. </p> <p>Nada disso, era uma poesia exatamente pra resistir, e a acadêmica também acabou se voltando pra isso, pra resistir contra o regime político. A efervescência política, então a poesia não acompanhou esse aspecto moderno de Brasília, de acompanhar sua arquitetura, esse aspecto todo. Eu acredito que essa modernidade só vai alcançar daqui pra frente, porque aí aqueles, os jovens que vão se formando, os poetas que vieram pra cá vão alcançar uma autonomia financeira, uma compreensão melhor das coisas, uma vida mais abastada, mais resolvida, uma sociedade mais organizada. Aí sim a poesia vai poder encaminhar-se para uma maior modernidade, porque enquanto a sociedade tiver dificuldade, uma cidade em desordem política, a poesia vai acompanhar essa resistência. </p> <p>A literatura acompanha a realidade, então se há um problema na realidade, a literatura ta acompanhando esse problema na realidade. Então só quando as coisas se organizarem a poesia vai ter preocupação de acompanhar o que é moderno na cidade: "então agora eu posso procurar o texto em si mesmo, procurar ser neo-barroco como ta se fazendo em outras localidades". Porque ninguém hoje em Brasília ta preocupado em ser um poeta neo-barroco, porque ta preocupado em que destino tomar em conjunto com essa afirmação política da cidade, ainda ta procurando caminho também. A poesia acompanha esse aspecto histórico da cidade, então se a cidade ta procurando uma afirmação política e não se encontra, a poesia também ta perdida procurando também a sua afirmação junto com esse processo do real.</p> <p>Vamos ver mais, qual outro caminho que nós vamos procurar mais.</p> <p>Um dos grandes movimentos que eu participei, vamos assim procurando os caminhos, que eu gostei muitíssimo de participar em Brasília, foram realmente o das leituras. E uma das coisas mais bonitas que nós fizemos foram resistências contra o Apartheid africano, que reunia muita gente na Torre, em frente ao Conic... Armávamos grandes palanques e cada um dos poetas escreviam poemas em defesa da África do Sul. Vários poetas saíram em jornais de outros estados com seus poemas, isso com o ápice, quando mataram o Moloise na África do Sul, poeta que estava preso, eles mataram o poeta, tudo muito chocante naquele período, e que nós fizemos grandes movimentos, e não sei se teve alguma repercussão, pelo menos estava acontecendo na capital do país, de repente ter contribuído para ter algum reflexo pra ajudar nessas aberturas e discussões, de aceitação de mais abertura e integração racial, coisas importantes.</p> <p>Naquele período então aí viemos passando já pra, porque até aquele período em 79 eu não tinha publicado um livro individual. Aí quando foi em 79 veio a minha necessidade já de publicar um livro pessoal, aí reuniu os meus poemas iniciais que foram motivados pela vida da minha mãe. Se bem que não é uma biografia dela, então são os poemas pra uma mulher sertaneja, que enfrenta suas questões, junto com alguns outros poemas. Aí eu reuni esses poemas, junto com alguns outros, o título do livro é baseado numa expressão que a mulher goiana usa, que o homem goiano usa, que diz que quando passa trabalhando o dia todo e fica muito cansado diz <i>"olha, parece que me passaram na moenda"</i>, então isso é, que ta moído, que ta cansado. É um título de livro que todos gostam muito que é a "Moenda dos dias", e foi muito bem acolhido e tudo, tem capa do Drummond sobre o livro, diversas declarações que me deixam envaidecido até hoje de tê-las recebido.</p> <p>Isso foi em 79, em 80 eu inclusive esse era o meu segundo livro que estava pronto, porque eu tinha um outro livro que se chamava "O susto de viver", eu falei então "agora eu vou publicar o segundo livro". Nessa época existia o Instituto Nacional do Livro que ajudou muito a publicar poesia no Brasil. Eu fui ao balcão do Instituto Nacional do Livro e inscrevi o meu livro para publicar, "O susto de viver". Eles aprovaram e com isso a "Moenda dos dias" já tendo muita acolhida, aí eu pensei "poxa, eu podia publicar os dois livros juntos", voltei ao balcão lá e falei que eu queria publicar o outro livro junto, aí falou "não, mas aí você tem que pedir outra autorização pedindo pra juntar", falei então "junta aí que eles autorizam". </p> <p>Eles autorizaram e aí saíram os dois livros reunidos, pela Civilização Brasileira. Foi uma fase importante, isso em década de 80, foi uma época até que eu organizei duas antologias de escritores de Brasília, uma de poetas, que é o "Encanto Cerrado". Até me lembro muito bem do lançamento, foi um evento extraordinário, que foi na época da livraria Galilei, onde ocorriam muitos lançamentos, era uma livraria que atraía muita gente de Brasília, e traziam muitos escritores aqui. Fizemos o lançamento lá, foi até numa noite chuvosa, chovia a cântaros, e vendemos 179 livros, então foi um lançamento extraordinário dessa antologia. Então era uma época muito efervescente em que a cidade respondia aos eventos culturais, você fazia leitura na rua e tinha gente pra ouvir, você fazia um lançamento e tinha 179 pessoas pra comprar os livros, então era uma coisa extraordinária.</p> <p>Em seguida, como foi um sucesso da antologia de poetas eu, isso consorciados, todos pagados, não tinha editora nenhuma para bancar as publicações. Em seguida eu organizei uma de contos, até o Cristovam diz assim: "Salomão, você foi meu primeiro editor" porque o primeiro texto que o Cristovam publicou em livro foi nessa antologia, então ele sempre faz muita festa quando me encontra, porque o conto dele está nessa antologia.</p> <p>Então era muito efervescente, e isso me possibilitava a proximidade com a literatura de Brasília. Mas a literatura entrou numa crise muito grande de identidade, os próprios autores entraram. Vencido esse período de resistência à ditadura a poesia ficou também muito desnorteada, não é um período de grandes livros, eu mesmo leio meus livros seguintes e fico com muita dúvida.</p> <p>A poesia entrou num grande impasse, porque você, diante dessa pauta, diante dos movimentos de poesia visual, de poesia marginal, a poesia não queria mais uma poesia acadêmica, parnasiana, de soneto, ela queria encontrar um caminho novo, e cabia a você fazer essas tentativas.</p> <p>Por isso quando eu fui rever agora os meus livros seguintes, depois de "A moenda dos dias" e "Susto de viver", que eu já tinha publicado mais três livros na década de 80 e início de 90, foi "Falo" que era já resistência, meio amoroso e tudo, e também, quais os outros livros meu Deus? Aí em seguida foi "Cadernos de desapontamentos" e também "Criação de lodo". Então são os meus livros intermediários, dessa fase que não houve grande desenvolvimento na literatura, não só brasiliense, mas do próprio país. Você não tem grandes poetas dessa fase, então sobram um ou outro e que vem de fases anteriores, e que não se firmaram, porque os grandes poetas que vieram a se firmar depois, já no final da década de 90 e tudo. Na década de 80, essa foi uma grande dificuldade na literatura de Brasília, esse grande vazio na literatura. O que passou a literatura marginal, os poetas continuaram fazendo literatura marginal, já não era mais identidade, e os poetas marginais geralmente não evoluíram, e vai criar um grande problema pra eles, porque a poesia não é mais marginal. </p> <p>Nós temos de convir que a poesia hoje já é uma outra, eu vou até escrever um artigo sobre isso, então ela já ta num outro patamar, e os poetas marginais não progrediram nisso, o Chacal, o Nicholas Behr, se o Nicholas souber disso ele me mata. Porque viraram alguns ícones, mas estão tendo dificuldades de ajustar a sua poesia.<span><br /></span></p>Nessa fase, e que precisava de ajustes, aí já quase em 2000 que a literatura vai criando uma maturidade, uma visão melhor. Mas Brasília ainda ficou com uns vácuos muito grandes, nós não podemos dizer que ela tenha evoluído tanto e que tenha chegado a esse lado moderno que é Brasília. Então ela já não acompanhou tudo isso, porque os poetas ainda estão inseridos numa preocupação muito grande de afirmação profissional, de questionamento da cidade, dos seus destinos políticos. E a poesia ainda não teve tempo para esse grande ajuste moderno que Brasília precisa na sua poesia. <p>Nós podemos dizer que algumas experiências na poesia de Brasília que são importantes. Eu destaco 3 poetas: o Di Júnior, que tem exposições nacionais, participou um pouco de poesias de vanguarda, hoje ele ta muito abandonado em Brasília, se algum colega seu quiser fazer um bom trabalho é procurá-lo que ele tem uma compreensão muito boa sobre poesia. Na verdade ele ta muito assim, descrente, ele ta mexendo com essa nova linha de pensamento racional, essa coisa assim, e abandonou muito a literatura, mas é uma poesia que avançou muito e é uma poesia extraordinária.</p> <p> E um outro, que é o Osvaldino Marques, também que, não, o Osvaldino Marques não, minto, o Altino Caixeta, que eu acredito que foi um dos grandes avanços na poesia de Brasília, um dos grandes mentores, e que ainda ta desconhecido. Ele já avançou bem mais numa poesia mais surrealista, bem mais, mas isso sem estar envolvido num movimento. Não quer dizer que Brasília teve movimentos pra fazer esses poetas, eles fizeram de forma isolada. O único movimento mesmo foi a literatura marginal, que os poetas se encontravam mais amiúde, e tinham aquele fim de estar junto da população vendendo seus livros. </p> <p>Os outros poetas, como é o caso do Di Júnior, do Altino Caixeta, e, qual o outro que eu ia citar meu Deus? O outro é o Cac, que ta mais novo agora, e que é uma promessa, o Francisco Kak que é uma grande promessa da literatura de Brasília nesse sentido de avanços, então eu acredito que ele pode alcançar algumas coisas novas.</p> <p>O outro, que fez "Com muita solidão", e que faleceu esse ano agora, que era o Otavio Afonso, ganhou um prêmio em Cuba e tudo, também tava com um poesia extraordinária, é até triste tocar nisso porque ele morreu muito novo. Ele é da minha geração, teve um câncer e morreu esse ano, a poesia que ele deixou num blog inédito, os poemas tão todos inéditos, ele publicou só um livro em vida, que são poemas extraordinários. Que avançou bastante também dentro dessa modernidade, que é o Otávio Afonso, um poeta extraordinário e qualquer um que for citar a literatura de Brasília tem que mencionar o Otávio Afonso pelos seus avanços. Se hoje nós falamos numa literatura neo-barroca, que avança assim e tudo nós não podemos esquecê-lo, ele que avançou nessas linguagens.</p> <p>E a grande, em Brasília, essa literatura mais oficial, tem um escritor aí, um poeta, que hoje é embaixador acho que na Nicarágua, o José Roberto. Ele escreveu um livro e que resgata, numa literatura oficial e na poesia marginal, então ele examina esses movimentos. A marginal é mais ou menos a que gira em torno do Nicholas Behr, e tem a literatura oficial, que gira em torno da Academia Brasiliense de Letras e da Associação Nacional do Escritor. Que tem grandes nomes, que hoje já ta se sobressaindo em antologias nacionais e tudo, que poderíamos citar uns 4 nomes, como é o Anderson Braga Horta, que ganhou o Prêmio Jabuti, o Fernando Mendes Vianna, que faleceu recentemente, e o Joanyr de Oliveira.</p> <p>Eu faço parte da Associação Nacional do Escritor, não como um acadêmico, com uma poesia acadêmica. Eu não me insiro numa poesia acadêmica, eu to procurando agora umas experiências para me aproximar mais da literatura latino-americana. Isso até eu me sinto feliz, porque a minha poesia sempre foi de muita pesquisa, se o início era muito de aventura, muito ligada ao meu real. Agora eu tenho uma necessidade dessa compreensão de avanço e modernidade, de avançar, porque você vai criando uma consciência crítica, então dentro dessa consciência crítica eu sei que eu tenho que fazer pesquisas para me aproximar de caminhos novos da poesia.</p> <p>A poesia que não avançar ela ta morta, entende? Ela precisa de caminhos novos, e na América Latina tem um segmento novo ligada às vanguardas, sem ser vanguarda, sem ser poesia visual, o poema praxis, que eu prefiro chamar de pós-vanguarda, e que aqui no Brasil já tem alguns seguidores, que é o neo-barroco. Então meus dois últimos livros já foi uma tentativa de chegar a essa poesia. Então não sei se eu to, eu acredito que eu estou num bom caminho, os dois livros foram premiados e tudo, coisa que não tinha alcançado com os primeiros livros. </p> <p>É o que se precisa, então basta ver que você consegue alguma coisa e já começa um reconhecimento por isso. Essa poesia neo-barroca ela ainda é discursiva, ainda é baseada no texto. Só que ela não tem a obrigatoriedade de uma expressão frasal, então a frase ela não é completa, ela tem espelhamentos, tem tanto de idéias quanto de palavras, tem que ter muita sonoridade interna, tem que ter imagens chocantes uma dentro da outra, quase surreal, não precisa ter a obrigatoriedade de estar fazendo uma crítica do real, e sem ser parnasiano sem ser nada. Então há poetas extraordinários nessa linha, e que eu gosto imensamente de um mexicano, que ele é uruguaio, mas que está no México, que é o Victor Sosa, já traduzi uns três poemas dele, e tem coisas impecáveis nessa linha.</p> <p>Então eu acho que a poesia que se for fazer daqui pra frente tem que ser com muita pesquisa, e tem que sair muito do nosso modernismo inicial. Não se faz mais poesia só pra criticar o real, pra criticar um momento amoroso, nada disso, tem que ser uma aventura quase surreal mesmo, onde a palavra que é a coisa dela. Esse entrechoque das palavras, de criar situações, para criar a beleza. Por isso que eu me sinto feliz de no ano em que eu nasci de ter surgido o "Invenção de Orfeu", porque o "Invenção de Orfeu" eu acho que é esse espelhamento do que é a poesia daqui pra frente. Até a pouco eu tava aqui com o Ronaldo Costa Fernandes, que é um grande amigo, poeta e ficcionista daqui de Brasília. E que no Brasil o grande poeta é o João Cabral, mas eu prefiro esses, porque o João Cabral trabalha com o real, o nordestino ali e tudo, o espanhol. </p> <p>Mas eu prefiro essa aventura do "Invenção de Orfeu", porque é no "Invenção de Orfeu" que a palavra ela existe em si mesma, ela cria outras dimensões, e eu acho que isso tem muito a ver com Brasília, porque Brasília o que é que ela encanta? Ela não encanta não é por ter política, não é por ser uma questão, é por ser inovadora nessa curvas que tem na sua arquitetura, essa coisa quase vazia, que parece que não existia noutro lugar, será que é possível inventar uma curva, o Niemeyer fazia, faz um desenho curvo e depois vai fazer um prédio dentro dessa curva. Então acho que isso é que é poesia, que tem que ser a poesia de Brasília, imaginar um negócio, e diferente, não é em formas que já estavam prontas, é inventar novas formas, uma dimensão nova pra essa poesia. Porque já que a arquitetura foi criada numa nova dimensão, que a poesia também venha com uma nova dimensão. O que é difícil, porque, qual a grande dificuldade pra cultura? Porque ela se faz com alguns elementos, e os elementos são exauríveis, como se trabalha com palavras, formas, nós já temos o surrealismo.</p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt;">Mas a arte, ela é milagrosa, em determinado momento, nesse entrecruzamento de tradição, acaba surgindo uma coisa que você nem esperava. Ontem eu ouvia o depoimento de uma bióloga, depois que aprovaram aí a célula-tronco, aí no dia seguinte o cara bate na porta e diz "eu vim aqui já pra fazer o meu tratamento". Mas acontece que agora é que vai começar a pesquisa. Assim como é com a célula-tronco é também com a arte, você não pode falar "eu vou sentar aqui e fazer a coisa nova". </p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt;"> </p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt;">A novidade na arte surge num momento em que ninguém espera, você não pode falar "poeta, você não ta fazendo aquilo que é necessário". Mas até o crítico não sabe aquilo que é necessário, ele surge de onde menos se espera, então a arte é isso, é de uma naturalidade das conjunções. Você não pode decidir aquilo que se deve fazer, tem que se fazer acertando ou errando, então Brasília tem que continuar fazendo. O que tem que aumentar em Brasília, pra sobressair o que existe de bom aqui, tem que aumentar é o processo crítico, ter maior participação, porque se o seu ambiente não é questionado, você não tem o que fazer. </p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt;"> </p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt;">Então nós temos que aumentar em Brasília o processo crítico da arte, pra ser crítico político, crítico social, crítico não sei o quê, e a crítica artística? Este questionamento? Então só onde há questionamento há necessidade de aprimoramento. Então em Brasília o que é necessário é a ampliação do processo crítico da arte, para ela melhorar.</p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt;"> </p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt;">A forma de financiamento, de publicação dos livros, se dá de diversas formas. A poesia ela tem uma grande dificuldade, porque se não lê poesia também não se vende, há uma vendagem muito pequena de poesia no Brasil, e em Brasília não é diferente. As editoras publicam poesia porque ela dá notoriedade aos catálogos. Alguns poetas são escolhidos pela editora para dar notoriedade ao catálogo dela, mesmo que não venda ela tem lá "publicamos poetas x e x". Porque ter um Drummond no catálogo é notoriedade pra editora, é mais notório do que publicar uma Maitê Proença, porque todo mundo sabe que é muito mais importante ter publicado um Drummond do que ter publicado um Garrincha ou publicar não sei quem, então o poeta dá notoriedade aos catálogos.</p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt;"> </p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt;">O difícil é você se firmar como um poeta, ser o eleito para dar notoriedade a um catálogo, então enquanto o poeta não é o eleito, porque os eleitos são poucos, são pouquíssimos, hoje nós podemos dizer que tem 4 ou 5 poetas eleitos no Brasil para dar notoriedade a um catálogo. Então há necessidade de algumas alternativas, uma delas é o financiamento do próprio poeta, as edições financiadas, o que ta ficando muito difícil no Brasil, porque o processo editorial ta ficando muito caro, o papel é caro. Então hoje publicar um livro é muito caro, o poeta pra tirar aí 6 mil reais do bolso para publicar um livro vai ficando inviável hoje em dia, mas mesmo assim acaba arrumando alternativas de publicação.</p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt;"> </p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt;">Então até 93 eu financiei, eu paguei a edição de uns 4 livros, e consegui o financiamento de um pelo INL. E também nesse período até que eu não tive prejuízo com a publicação de nenhum livro, como você era mais novo, dividia de mão em mão, fazia lançamentos, e acabava repondo o dinheiro do livro que você publicava.</p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt;"> </p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt;">Depois disso eu passei um período sem publicar, mas aí eu já ganhei um prêmio, que possibilitou a publicação, os dois prêmios já possibilitaram a publicação do livro. E agora, no ano passado, que eu publiquei a antologia da minha obra, o GDF tem um programa de incentivo à cultura, que é o FAC, que possibilita aos escritores de Brasília publicar as suas obras. Isso era uma reivindicação antiga dos escritores de Brasília, porque a maioria dos estados tem o seu incentivo à cultura. A sociedade também não pode viver sem cultura, é um atraso nos seus questionamentos, na sua vivacidade cultural, então o Estado tem que participar disso, senão morre tudo.</p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt;"> </p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt;">Com o programa de incentivo à cultura em Brasília, daí a uns 4 anos, isso melhorou muito em Brasília. Então tem surgido muito mais escritores, muito mais obras, e que começa a possibilitar talvez até aumentar o processo crítico e até incentivar mesmo a produção. Porque você sabendo que vai ter uma forma de publicar, você também escreve mais, o autor também vai escrever mais. E à medida que escreve mais ele pesquisa mais, então de repente até há uma evolução na poesia, na ficção de Brasília. Eu acredito que possa ter uma melhoria importante, como já teve, já surgiu bem mais escritores em atividade em Brasília, que estão se sobressaindo com as suas obras.</p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt;"> </p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt;">Nesse ano eu devo publicar mais um livro, que é de artigos, que eu já publiquei na imprensa. Em Brasília são poucos os espaços para os escritores, a imprensa não tem espaço para os escritores de Brasília. Apesar de dizer que tem caderno e tudo, mas não há espaço e tudo. Se eu escrever uma resenha hoje não tenho espaço em Brasília, eu tenho que me valer de outros locais mas que são muito poucos. Eu tenho às vezes que me valer d'O Rascunho em Curitiba, ou então em Goiás, em Goiás o artigo que eu quiser publicar eu consigo. Mas você não é remunerado, você ta sempre escrevendo de forma graciosa. Aqui em Brasília nós podemos dizer que não há nenhuma publicação voltada para a literatura brasiliense, em questão de publicação diária, semanal ou mensal, não existe. O que existe é um boletim da ANE com poucas informações, umas revistas das academias, mas que não são voltadas assim para uma circulação mais ampla, de chegar ao público, pra chegar ao público não existe nenhuma publicação. O que impede imensamente o autor brasiliense de ter transparência na cidade, então essa é a grande dificuldade.</p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt;"> </p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt;">O que tem ampliado é o meio virtual. Não sabemos se essa vai ser a grande tendência da literatura. Eu não confio muito nisso, auxilia, mas eu acredito que o que nós ainda temos que batalhar muito, não sendo conservador, o livro ainda é fundamental no auxílio da formação individual, de humanismo, de prazer de cultura e tudo. Porque o meio virtual ele é muito enganoso, apesar de todos estarmos no meio virtual, muitos escritores, muitas páginas voltadas para isso, e ter um interesse muito grande no meio disso, ele ainda é muito enganoso. Isso é muito fragmentado, e não podemos garantir que isso seja um grande formador de humanismo, de prazer de leitura, então eu acho que isso ainda é muito em suspeição, ainda há muita suspeição em relação a isso.</p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt;"> </p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt;">Então, o processo criativo:</p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt;"> </p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt;">Eu não tenho um processo criativo sistematizado, assim "tal hora eu vou escrever, vou produzir tantas horas por dia" o poeta não tem muito disso, ele não tem uma fixação de horário. Eu sempre escrevi, geralmente no horário noturno, você chega de um trabalho, você tem um processo, você escreve. Às vezes até em momento de trabalho mesmo, escreve em horário de almoço, na rua às vezes você tem os seus imaginários e você produz.</p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt;"> </p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt;">Até que nos dois últimos livros eu tive um processo assim, mais profissionalizado, como eu estava pesquisando, queria fazer as produções, eu pegava meus textos e trabalhava os meus textos já em horários mais específicos. Isso é prova de que você não precisa esperar inspiração para escrever, escrever é trabalho, é você sentar mesmo com a disposição de escrever, de produzir, então até a poesia é isso. Você não pode ficar esperando sentado que o poema não vai cair na sua cabeça, você tem que sentar e produzir, se não funciona, pega, recomeça, joga fora e recomeça, até alguma coisa te satisfazer. Escreveu? amanhã volta àquele texto, vai produzir de novo, porque a maioria acha que produziu um texto e já ta pronto , não ta, às vezes você tem que mexer com ele 20 vezes até ele ter uma determinada ordem que você precisava.</p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt;"> </p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt;">Mas a medida que você vai chegando a determinadas fases você tem melhor processos de introdução, então você estabelece melhor os horários.. Vê o que mais está faltando aí pra nós.</p><br /><p style="margin: 0cm 0cm 0pt;">Eu tive vários momentos de convivência com a cidade. Como eu não dirijo, não por aversão ao carro, não é isso, Drummond não dirigia, diversos escritores não dirigiam. Quando você tem uma ligação com o livro, com outra coisa, você tem essa intimidade diferente. Nunca aprendi a dirigir, então isso me possibilitou uma intimidade maior com a cidade. Eu estou sempre andando de ônibus, você pode ter um contato melhor com a população, eu já morei em diversas cidades satélites, então eu já tive diversos contatos com diversas sociedades. O que me auxilia muito, porque você tem uma visão social que também contribui com a poesia, porque a poesia de gabinete ela é fria e às vezes muito ridícula.</p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt;"> </p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt;">Eu comecei morando em Taguatinga Sul, na Vila Matias. Eu ia ao cinema, como juventude, eu vivi em Taguatinga Sul. Um pouco solitário mas já tinha algumas amizades, muito cinema, assistia os meus filmes no Cine Lara. Você assistia o filme até de pé, porque o filme era uma grande seqüência, e que ia mudar depois com a entrada da televisão.</p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt;"> </p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt;">Depois eu mudei para, de Taguatinga Sul, com muita dificuldade, eu morei até por um período, que meu pai faleceu. Eu morava num quarto de 2x2 mais ou menos. Sozinho, tinha que cozinhar e tudo, fazer a minha faculdade, chegava de madrugada da faculdade, de madrugada não, aí já é exagero, chegava ali quase meia-noite e não tinha nem banheiro para tomar banho, então foi um contato muito duro.</p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt;"> </p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt;">Mas esse era o modo de viver de muitos que estavam morando ali, em Taguatinga nesse período, eram vários barracos dentro dos quintais e todo mundo morando, porque todo mundo tava começando. Não tinha nem banheiro, não tinha água quente não tinha nada, o cara chegava e tinha que tomar banho de mangueira dentro de uma privada. Não tinha nem rede de esgoto, tomava banho dentro daquele banheiro, chovia, a água caía e caía dentro da privada e tava tomado o banho. E isso era quase toda a sociedade, quantos não estavam fazendo isso? Quantos trabalhadores não estavam fazendo assim?</p> <p>Em seguida eu me mudei para Taguatinga Norte, aí eu já melhorei o local de moradia e tudo. Estava terminando a minha faculdade, trabalhava em Taguatinga norte. Tinha uma ligação com produção, trabalhava na Fundação Educacional, junto com os estudantes e tudo. Mas foi até uma época muito difícil e tudo, porque eu fui trabalhar no setor de limpeza do colégio, dirigir o pessoal de limpeza e eu não tinha nenhum traquejo para dirigir aquele pessoal. Como é que eu ia dar ordem, eu que sempre fui mais voltado para estar lendo? Dar ordem pra faxineiro e tudo isso? Então eu tive muita dificuldade e foi um desastre essa minha experiência.</p> <p>Mas nisso eu passei num concurso para o Ministério da Fazenda, aí eu mudei já os focos, terminei a minha faculdade e me casei também. Eu e minha mulher fomos morar no Guará e moramos no Guará por algum tempo. Então eu conheci diversas sociedades de Brasília, por isso eu tenho amigos hoje em toda a camada social, tenho amigo na Ceilândia, no Guará, todos os locais. Eu morei nesses locais, com pessoas humildes, o que me possibilitou essa vivência de compreender as pessoas de Brasília. Não vivi num meio social abastado, a minha poesia foi feita, às vezes me cobram isso, não, não precisava mexer com questão social e tudo, mas é onde eu estava pra poder ter essa compreensão de sociedade.</p> <p>Então compramos uma casa em Ceilândia, cheguei lá não tinha nada, era bairro entregue pelo governo que não tinha nem água, mandava o indivíduo morar lá e não tinha água pra tomar, beber, tomar banho e cozinhar. Tive que brigar, participar junto ao governo para poder mandar água para aquele bairro da Guariroba que eu comecei morando lá. Comprei a casa e as pessoas já estavam morando lá, porque eu não fui, comprei a casa já de um terceiro e as pessoas estavam morando lá sem água. Em 15 dias que eu estava lá eu consegui que o governo colocasse água lá. Ninguém nem reclamava, fui reclamar, falei "vamos colocar água nesse negócio". Com muita dificuldade, seu filho ficava doente e você não conseguia sair de casa para poder levá-lo para tomar uma injeção, porque era tanta poeira, como você ia sair com seu filho com pneumonia pra poder levá-lo pra tomar uma injeção? Então a vida de pioneiro de Brasília, assim como o sacrifício, mas de uma formação, de uma experiência de vida muito importante.</p> <p>Acho até que falta isso ao jovem hoje, para ele valorizar mais a vida, para ele respeitar mais o outro. Acho que essas dificuldades que o jovem não enfrenta hoje traz um vazio muito enorme à vida dele, pra saber que a vida tem o seu aspecto intenso. Senão diz "não a vida é um troço meio vazio mesmo então eu posso matar, posso não sei o quê". Então eu acho que ta faltando o que os filósofos chamam de rito de passagem, os jovens de vez em quando tem que tomar uma bordoada pra poder dizer "pô, então a vida é importante", acho que ta faltando uma bordoada nos jovens hoje. Porque se ele não tem a bordoada ele não preocupa com a sociedade, não se preocupa com o outro, não se preocupa com a política não se preocupa com nada, e nós vivemos num meio em que a qualquer momento nós podemos tomar uma bordoada.</p> <p>Os escritores eles não são muito sociais, os escritores são introspectivos. Eu não fui muito de bares, então como a poesia de Brasília esteve muito fundamentada em bares, o Beirute era o grande centralizador da cultura em Brasília, os poetas, os jornalistas e tudo. Não fui um freqüentador do Beirute, talvez esse seja até um dos fatores que eu não seja enquadrado na poesia marginal, porque a poesia marginal girava em torno do Beirute.</p> <p>Sempre freqüentei a Associação Nacional dos Escritores como meio literário. Alguns lugares de leitura de poesia mas muito pouco, eu freqüento menos porque nós temos aqui o coletivo de poetas de Brasília, do Menezes de Morais, que promove leituras em alguns determinados locais, ele vive mudando de bar, de algum lugar de leitura, então geralmente eu participo também do coletivo de poetas de Brasília do Menezes y Morais.</p> <p>Agora, quanto na vida social, na vida moderna ela ocorre muito no ritmo da sua própria casa. Eu freqüento menos clubes, a minha família freqüenta o clube do próprio trabalho, as vezes a gente freqüenta lá, que é o Clube da Fundação Hospitalar, que fica aqui no Setor de Indústrias. Freqüento famílias, mais da minha mulher, porque eu tenho menos familiares em Brasília. Estou sempre retornando à minha cidade, Silvânia, a minha mãe continua morando lá, então pelo menos umas 4 ou 5 vezes ao ano eu retorno à Silvânia, com as famílias. E atualmente para poder intensificar a relação com alguns amigos e até com alguns escritores, eu tenho promovido também sessões de cinema na minha casa. Então a partir de você assistir um filme você também abrir o debate, dialogar, então os escritores também se encontram muito nas suas casas. Há muita reciprocidade, é também uma forma dos escritores se mostrarem, nas suas casas.</p> <p>Cultural, as terças literárias da Associação Nacional do Escritor, atualmente, eu estou remetendo pra cá, e isso é mais antigo, porque as terças literárias da Associação Nacional do Escritor ela é antiga, ela ocorre há muito tempo. Então de 15 em 15 dias tem uma palestra na Associação Nacional do Escritor, então essa geralmente a gente está presente. Atualmente ta acontecendo alguns tributos na Biblioteca Nacional, que a gente também comparece, então estamos sempre apoiando, onde os escritores também se encontram. Mas a maioria se dá em família, as famílias em Brasília se encontram bastante. Eu até já promovi, isso até outras pessoas precisavam fazer, que é promover leituras dentro da própria família, juntar os jovens e as crianças para ler poesia, então eu já fiz algumas, e são muito bem sucedidas, as crianças respondem, e sempre foram um sucesso. Reúno crianças da família com crianças da rua, faço a leitura de poesia e eles ficam muito satisfeitos.</p> <p>A construção de Brasília, ela foi necessária, então nós tínhamos que ter um outro conceito de brasilidade. Nós não podíamos conviver com o que era a beira mar, metrópole, e a província, então a primeira coisa que Brasília fez foi acabar com a província, internalizar tudo. Quando se fala em Brasília se fala sempre em internalização da economia, que é abrir espaço econômico, não, precisava gerar também a internalização da cultura. Por isso que hoje Brasília é um dos maiores centros de escritores, porque todos vieram para cá, quantos escritores não vieram para cá? Quando você coloca ministério, justiça, você coloca poder executivo, um bocado de coisa, então vem uma intelectualidade para essa centralização. E quando você centralizou você vai irradiar a cultura por um meio que não tinha nada, um meio medieval, de ninguém que não tinha nada de pensamento cultural. Você começa a visualizar alguma coisa diferente para o país, então outras leituras tem que começar a serem feitas para Brasília.</p> <p>Outra questão: quando se imaginou Brasília, imaginaram uma cidade menor, que ia correr menos gente pra cá. Ela vai apresentar problemas e que ela ainda não está preparada para enfrentar, é o inchaço de população para aquilo que ela estava preparada. Não vai ter emprego pra todo mundo, não vai ter espaço para carro. Ela foi preparada para 2 mil pessoas, enquanto que aqui 2 mil pessoas já existe em Taguatinga. Então tem que se repensar totalmente a forma do crescimento de Brasília, não em pensar em tombamento de Brasília, você não pode tombar aquilo que ainda não existe, porque Brasília ainda não existe, ela ta em construção, ela ta em expansão, como é que você vai tombar isso aqui? Eu acho muito prematuro esse questionamento que se faz para Brasília, um tecido social você não pode dizer assim "ó, você pára, você não pode crescer mais". Você não manda no que é social, é o social que define uma localidade, até ouvi um debate de manhã: "não, nós temos que inventar uma forma de fazer uma casa e o indivíduo não mudar a casa". Então você tem um plano social, dar uma casa ela tinha que permanecer igual, porque se o indivíduo altera esse plano você perdeu dinheiro, você dá uma casa com banheiro e o cara não quer o banheiro daquela forma, quebra aquele banheiro. Mas não existe isso, o que define isso é a sociedade, é a mesma coisa de uma cidade, falar "não, só pode existir uma cidade satélite", não adianta, você tem que abrir espaço pro que chega, porque o tecido social ele é dinâmico. Então Brasília é um ser dinâmico que vai mudar completamente, alguns questionamentos que se faz são completamente equivocados. </p> <p>É preciso que os urbanistas se debrucem sobre essas questões para não enfrentar problemas sérios, de violência, por falta de emprego e até mesmo por falta de acesso à formação. Porque se o indivíduo ele não tem emprego, não tem nada, ele vai ser um problema social. E Brasília não ta crescendo, não tem como crescer a economia, isso daqui não é uma cidade industrial, é só de geração de emprego público. E hoje só se fala em cortar emprego público, todo indivíduo vem pra cá querendo emprego público, e não ta preparado pra isso, porque emprego público você não precisa de 5 mil lixeiros, criar lixeiro não é expansão.</p> <p>Então Brasília é um ente novo, que se modificou muitíssimo, mas eu sempre vi a cidade em muita ação, justamente porque ele é um ser dinâmico. Brasília sempre tem um foco de pessoas que precisam de moradia, pessoas que precisam de emprego, que são pessoas que estão chegando a todo o momento à cidade. Sem considerar que ela agora tem o seu próprio processo demográfico que vai crescer essa cidade enormemente. Por isso nós vemos hoje caos que existe no próprio trânsito de Brasília, que acontece em outras cidades mas a forma mais violenta que ta crescendo é em Brasília. Porque não tem espaço, a cidade foi muito concentrada, apesar de dizer que existe muito espaço, mas não existe, porque você não tem onde fazer todas as adaptações.</p> <p> Se você tem tanto carro você imagina quantos não tem porque não tem um emprego? Brasília, eu acredito, é uma localidade que ainda vai enfrentar muitos problemas e que precisa ser encarada com visões muito urbanísticas de novo. Tem que se debruçar sobre isso ver de como vai se resolver isso, não vai ser só metrô e essa coisas que vai resolver essa questão de Brasília. Vai ter que ter descentralização de focos de emprego e tudo, você não pode ter o emprego só centralizado em Brasília. Você vai ter que descentralizar tudo isso e não sei de que forma, porque eu não sou urbanista e não sei que fórmula milagrosa vão encontrar para isso.</p> <p><i>-Defina então Brasília em poucas palavras-</i></p> <p>Brasília já é uma metrópole, mas sem um caráter próprio. Você não pode dizer "o brasiliense é isso", porque ela não tem um sotaque próprio de linguagem, ela não tem a sua cultura própria. Ela não tem a sua própria política ainda, porque ta em adaptação, você não tem as próprias formas de geração de emprego ainda, porque você depende ainda do Governo Federal e de um bocado de externos. Ser brasiliense ainda é uma forma de encontrar caminhos novos, agora, o que torna isso instigante, é isso, porque quando você mora num local que está definido, já tem linguagem própria e tudo, isso não é aventura. Então ser brasiliense é uma grande aventura e uma forma muito de participar disso, falar assim "eu participei da criação de uma Babilônia" então eu acho que é isso que é extraordinário.</p>Salomão Sousahttp://www.blogger.com/profile/10761805823147763830noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4843398825678420679.post-12119512049446929722007-07-25T18:06:00.000-07:002008-12-10T10:44:17.553-08:00<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEisoW3PdI2ju264fFhJQAwBVVs7ug1sRAQzIePe5ruZipHTcRW31leoJSrhyphenhyphenTRUQ4JiyAIb3YtkBT_pWs0-20Qtd92XcTDs3lubKkp45yiEbguZSVWu6CbnysqEKEq48PqH9bBJNCTQpms/s1600-h/Safra_quebrada_040%5B1%5D.jpg"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEisoW3PdI2ju264fFhJQAwBVVs7ug1sRAQzIePe5ruZipHTcRW31leoJSrhyphenhyphenTRUQ4JiyAIb3YtkBT_pWs0-20Qtd92XcTDs3lubKkp45yiEbguZSVWu6CbnysqEKEq48PqH9bBJNCTQpms/s400/Safra_quebrada_040%5B1%5D.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5091306818972089458" /></a><br />Por ocasião do nosso lançamento em Silvânia, no Novo Palas, eu, o Vassil e o Euler Belém (na foto) passamos pela mata do Ginásio Anchieta no momento da partida. Outros escritores estiveram no evento (Antonio Miranda, Robson Corrêa de Araújo e Fábio Coutinho).Salomão Sousahttp://www.blogger.com/profile/10761805823147763830noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4843398825678420679.post-50814249973641250312007-07-25T18:03:00.001-07:002007-07-25T18:16:31.220-07:00Poesia em GoiásAntonio Miranda me convidou para coordenar a sessão de poesia goiana em sua página virtual. Aqueles interessados em incluir algum poeta, por favor, nos procurar para orientação; e, para obter informação sobre a poesia goiana, basta se direcionar para aquela página. (www.antoniomiranda.com.br)<br /> E procurar as poesias dos brasis e direcionar-se para Goiás.<br /><br />Abraços<br /><br />Salomão SousaSalomão Sousahttp://www.blogger.com/profile/10761805823147763830noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4843398825678420679.post-75425729258253942302007-06-13T10:18:00.000-07:002007-06-13T10:24:37.257-07:00Está acertado. Dia 30, em Silvânia, o lançamento do meu livro <strong>Safra Quebrada</strong>. O evento está sendo organizado pelo PALAS — entidade que agrega a boa juventude da cidade. Cada cidade brasileira devia ter um Edmar Cotrim!!! <br />Hoje, numa navegada pela intrenet, descobri um poema que Júlio Polidoro, bom poeta de Juiz de Fora (MG), dedicou a mim. O poema integra uma série de poemas dedicados a várias escritores brasileiros (Glauco Mattosos, Domingos Pellegrino, e.....). Obrigado, Júlio Polidoro.<br /><br />COLETA<br /><br /><em>A Salomão Sousa</em><br /> <br />Assina a ruga <br />essa rude instalação: <br />no corpo alquebrado <br />o rosto precário <br />e a rua <br />repleta de buracos. <br /> <br />E avenidas cortam, <br />novas, ao rincão <br />da pele, antes plana, <br />uma sucessão de quebra-molas. <br /> <br />Mil atalhos surgem <br />desde os cílios <br />e ladeiras íngremes <br />entornam <br />um rio de lágrimas <br />dos olhos. <br /> <br />Eis o tempo <br />e urge no meu rosto <br />a vital parcela do imposto <br />que esse mesmo tempo <br />agora cobraSalomão Sousahttp://www.blogger.com/profile/10761805823147763830noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4843398825678420679.post-8408965925162824402007-03-27T10:27:00.000-07:002007-03-27T10:28:20.026-07:00Ronaldo Costa Fernandes<span style="color:#33ff33;"> A força da poesia de Salomão Sousa</span><br /><br />De temática mista, Ruínas ao sol (editora 7Letras, 2006), de Salomão Sousa, mescla as expressões da vida moderna com palavras, hábitos e elementos da vida rural (“safra quebrada nas lâminas”). Não é, contudo, uma poesia rural. Pelo contrário, utiliza-se de alguns componentes rurais para esculpir obra singular. Salomão Sousa utiliza-se de linguagem pessoal e demonstra não ter influência forte ou deixar-se levar para uma “imitação” das grandes linhagens da poesia brasileira. Este é um dado inusitado na poesia brasileira, onde se percebem claramente as influências e tendências do poeta. Há uma sucessão lógica e imagens curtas, mas que carregam consigo um universo imagético muito mais amplo e audacioso. Não existe lugar-comum, e a dicção sólida e unificada, sem perda de ritmo. Sobre o ritmo, pode-se assinalar que o poeta o mantém de forma contínua, sem quebra da harmonia inicial. Não há desnível entre os poemas (na verdade, o livro parece compactar-se num longo poema-rio), o que lhes acrescenta mérito. Este livro aponta para uma madureza do poeta. Acredito que a constância e a coerência ritmo-conteúdo-linguagem demonstram que Salomão Sousa é um poeta que domina sabiamente o árduo ofício. Livro de difícil deciframento, volume denso, não chega, contudo, a ser um livro hermético como um Invenção de Orfeu. Exige, entretanto, leitura e releitura. E é na releitura dos poemas que se descobre tema, conteúdo e a formulação intrigante com a qual o poeta trama sua poética. Imagens como: “heras de seus braços”, “renúncias dos horizontes”, “dormências dos rios das lontras”, “as moscas da febre, ruínas nas portas do advento”, “esterqueiras das incertezas”, entre inúmeras outras construções, reafirmam o cuidado com a elaboração poética mais exigente. Aqui não há o lirismo fácil, mas a construção exaustiva de poetas laboriosos. Observa-se trabalho formal na formulação temática e na escolha especular do vocabulário. Desde os motivos para “iludir a morte”, dos pequenos “dos lábios nas bocainas do engenho” até uma maior como “o empenho em desligar as ogivas”, percebe-se que não há gratuidade no jogo de palavras, o que se tornou, abrindo um parêntese, uma constante na poesia brasileira encantada apenas com a sonoridade práxis e concretista injetada na nossa recente história literária. Salomão Sousa é um poeta com boa trajetória. Estreou com a publicação de A moenda dos dias (1979). No ano seguinte, acopla A moenda dos dias a outro livro intitulado O susto de viver, num só volume, publicado pela Civilização Brasileira. Em 1986, aparece seu terceiro livro de poemas: Falo. Sete anos depois, vem a lume Criação de lodo e, em 1994, publica Caderno de desapontamentos. Em 2002, sai Estoque de Relâmpagos, livro premiado pela Secretaria de Cultura do Distrito Federal. Sempre experimentando, buscando novas formas de expressar-se, Salomão alcança com este Ruínas ao sol o prêmio nacional do Festival de Poesia de Goyaz. É uma dicção distinta das manifestações poéticas dos outros livros, embora se possa rastrear nos livros anteriores a estrada em que Salomão Sousa está empenhado em trilhar no seu caminho poético. Logo de início, Salomão nos avisa de forma não intencional de sua poética: a mescla do degradado com o sublime: “reservas de estrume guardam cores”. Embora inicie com um aviso também de derrota, Ruínas ao sol é um livro em que a visão otimista se sobrepõe à visão derrotista. “Depois das derrotas, dos desterros, das ruínas brocados de vento já chamam dos horizontes reservas de estrume guardam cores daqui se vai para as aventuras” E, dentro do parâmetro derrota/superação, outro par semântico assemelhado se apresenta constante: o órfico, a vitória da vida, x o tânatos, a derrota e a morte. Oposição em que sai altaneira e dionisíaca a preponderância do sim vital, contra o não mudo da morte. Assim, signos positivos se acumulam frente à derrota dos pântanos, quedas e guerras: janelas abertas, cios, portas do advento e bons desejos. São várias e alvissareiras as imagens transmudadas ou explícitas da positividade: “Mas não haverá a guerra dos cem anos/ mas janelas abertas, a retirada dos vazios”. A primeira tensão existente e nuclear entre campo e cidade, natureza e cultura, barbárie e civilização, percorre todo o livro. Antes o culto se apropria do natural e transforma-o em elemento poético e erudito. Salomão Sousa não é o aedo do bucólico, o bardo do melancólico mundo perdido, o paraíso da infância ou o ideal mundo da natureza rural com seu linguajar próprio e muito arraigado às tradições e conservadorismo. O rememorar alambicado geralmente incide na fixidez de um tempo sem mutação e, logo, um tempo estático, não real, idealizado e, quase sempre, ou infantilizado ou imune às transformações do mundo contemporâneo. Há um elencar de metáforas campestres, como dissemos, mas a poesia de Salomão Sousa não é passadista nem rural no sentido de tratar do campo como tempo imobilizado ou saudosista. O campo está ali como contribuinte metafórico e emblemático de confrontos de vida x morte (sol x ferrugem). Há também uma expectativa de algo futuro. Em toda a poesia, o poeta parece alertar o leitor da “nesga de neblina” que leitor e autor atravessam, embora haja “intrigas guardadas em curtumes”. Também a existência de perigos não visíveis. O poeta sente-se quase na obrigação do alerta das intrigas – intrigas do tempo, da vida e da morte. “Na nesga de neblina atravessamos As intrigas guardadas em curtumes Ali florescem pústulas, pensamos em lugares ao sol e estamos vesgos As perdas desconhecem nossa porta Na barreira dos Ventres aguardamos sem que o porte dos numes nos conforte Passos em falso anda a sabedoria enquanto eles não nascem, os homens nus Ao sol, trevos despertos, pertos cumes! Na terra dos Ventres não nasceu a morte também a dança da peste inexiste Damos velas às nossas vigílias Com os idílios dos erros nós remamos” Embora alerte o leitor para o seu “desembarquei-me das incertezas?”, o poeta é um poeta do conhecimento. Não faz uma poesia epistemológica, ou seja, aquela que descreve fenômenos e tenta entendê-los – como um João Cabral, entre outros. Mas busca entender o descontínuo da existência, a dubiedade e ambigüidade do estar no mundo, não se recusa a participar da vida (“mas não ser no cerne a certa traça/mas não ser a mão que traça a retirada”). As viagens, símbolo de fuga e escapismo, aqui são resistência e permanência da positividade do ser (“saber da secura/há as paisagens”), embora reconheça o conflito de “içar velas” e “pés trançadas” que cria o confronto (p. 21) resolvido a favor da vitalidade e do futuro. Ruínas ao sol já é em si um conflito, pois que a primeira palavra aponta para o passado, a derrota, o vivido e a segunda palavra indica vigor, presente e poder de dar a vida – o sol. Mas o sol pode ser também cáustico quando ilumina o passado que foi grafado na pele (“Ao sol as ruínas da pele”, p. 22). “Abra janelas acenda candelabros”, da página seguinte, é uma vocação para pólo positivo, para o sol polissêmico e não para a ruína devastadora e negativa – já que até as ruínas são iluminadas. No poema da página 23, o poeta aponta para o futuro, “aprendiz de não saber voltar”, logo transformando a ruína em algo presente e apela com vigor para seguir em frente, lá onde está a solução do eterno conflito. Estará? No poema “Navego e o mundo é onde estou”, há dinamismo, mas este primeiro verso do poema mostra um paradoxo entre fixidez x estático. O poema apresenta o enraizamento não apenas no locus, mas em si mesmo – o poeta navega dentro de si mesmo. Portos, tálamos, goivos podem ser entendidos como objetos do estático que convivem com nautas, águas, navegar, jias, garotas indo sem rumo. Outra prova do conflito e paradoxo que não leva a algo “barroco”, mas a uma definição já especificada pela positividade e fé no futuro, está no poema da página 26 (“sossego do fogo” e “a mão fervente das gemas do sossego”). Logo, sossego aqui aquece e queima, ou então, fogo aqui não ameaça, “pois as ruas terão festa” e mão fervente também não agride, pois pertence ao espaço poético da gema (criação) do sossego (mansuetude). Logo a seguir, dentro deste mesmo plano de idéias, o poeta arremata o poema: “Não sou as águas”: “eu sou as trevas e clareias”. No poema borgiano “A lua vigia a viagem”, onde inverte quem vê e quem é visto, existe um pouco do quadro Las meninas, de Velasquéz. Um belo poema, delicado, diferente das imagens fortes e contrastantes dos outros poemas, este “A lua” é quase um conto árabe e o verso “Desarreia as mulas / que patearam a lua / no espelho das poças” lembra o “La luna vino a la fragua con su polisón de nardos” do cigano García Lorca. Esta lua tão cara aos poetas ao longo da história da poesia (v. Borges e sua conferência sobre a Metáfora, em Esse ofício do verso) se ilumina os passos da mula, do viajeiro e do menino, também, num raro poema nebuloso, o poeta aponta para a singular imagem do escuro existencial: “Também não há lua / na noite dos pensamentos”. Há, contudo, poemas em que o paradoxo ou conflito não se instala e o poeta afunda-se na desesperança de “terra derrotada”. O diabo é que não se pode falar de terra derrotada sem lembrar de T. S. Eliot. Mas, Eliot à parte, estas “raízes repetidas / por sopros adiados” é vítima da repetição, da rotina e dos atos mecânicos e vê que mesmo não vindo tempestade “não bateu a nova aragem”. As palavras se repetem na roda semântica, onda após onda, e chuva após chuva, “nas ramagens nunca renovadas”. Mesmo neste tipo de poema (p. 39), o poeta ainda reacende a velha chama do desejo: “venho às ruínas desejar”. A tempestade perpassa alguns poemas, ora mostrando face de destruição, ora de renovação. É um signo de transformação de que deseja derruir para reconstruir. É preciso inventar a tempestade como símbolo do remexer universal. Ao fim e ao cabo, a tempestade “espalha o amor onde o sol trabalha”. Embora no poema da página 53 afirme que existe “um dardo de dúvida”, o que é mais certeiro e alvo é a negação dos símbolos positivos como estar “perdido de constelações” – natureza astrológica e natureza ambiental norteiam esta poesia de Salomão Sousa. Mas, mesmo assim só o que o salvará é a lua, mas, observe-se, “lua fora de estação”, logo o esquerdo, o lado inusitado das coisas. “e este dardo da dúvida e esta lâmina da dor e esta noite sem lírio lanham minhas nádegas desequilibram minha astúcia e os poços das ausências estou perdido das constelações e perseguido pelo deserto dos famintos cascavéis só uma lua sem a flor das águas arrancará do frio as minhas raízes derramará mares nos meus vazios só uma lua fora de estação fora de órbita de todo planeta vai me arrancar dos dentes do martírio” Poeta de convocatória, deixa escapar sua profissão de fé e, mais que sua poética, sua dolorida existência, ao convocar “crianças” (o lado inocente, ilógico e lúdico) e “lagartos” (rastejante poesia, que vai entre brechas, que sobe a parede do absurdo poético) para por fim (p. 60) apontar a poesia como resistência e fuga: “afugentar o bicho da espessa solidão”. Este poeta, tomado de “horto de espelhos” não é um narciso ou um solipsista. Quer participar, embora seus ombros não suportem o mundo, não se debruça na janela para observar o mundo, quer “a lenha das palavras” que “acende a festa”. É por intermédio do fogo das letras que reinventa sua participação na vida ordinária. Este ser plural – urbano/rural; solitário/coletivo; estático/movente – busca fênix de ser e de estar no mundo: “perder-se para nascer”. Logo o nascimento é conseqüência não de uma aventura do acaso, mas longo labor existencial e poético. Salomão Sousa não é poeta de palavras frouxas. Para construir sua escritura, há de trabalhá-la como o camponês com seu arado emprenha a terra de suor e semente. A presença materna é uma constante na poesia de Salomão. Seja apontando rumos, seja rememorando a infância ou o tempo perdido. A figura da mãe – aí incluída a mítica mãe terra – deveria ser melhor e mais longamente estudada, ficando aqui apenas o registro de uma figura que aponta estradas candentes (p. 70), ou seja, prefigura o rumo. Persistem em sua poesia as vinte simples palavras com que João Cabral construía seu verso, mas mescladas com palavras de uso ordinário: artemísia, leivas, zimbro, lianas, curiangos, atilhos, chavascal etc., geralmente ligadas à vida/natureza do campo. Há a promessa de ofertas de úberes: o rego cheio de peixes, chávenas de prata, montanha cheia de córregos, quando o poeta não apenas se satisfaz com uma visão promissora, advinda de uma dialética entre a negativo e o positivo, mas como ser superior que pode, num passe de mágica poesia, oferecer raízes, o úbere, lenda, sêmen, punhos fortes. Dentro da mitologia particular de Salomão Sousa (v. Octavio Paz, Os filhos do barro) há esse poder de dádiva que, sem declarar, só poderá advir de uma poderosa oferta que é a única em que o poeta pode fazer-se generoso: a palavra. Autor do livro A Moendas dos dias, vira e mexe o poeta tritura suas imagens cruas, rurais ou não, de natureza ou do espírito, embora sempre lembre que, ao lado da existência devastadora do que destrói e destroça, “há doçura” (p. 80). Salomão permanece no conflito: na ânsia de busca entre o que está moído, o que pode se aproveitar de humanismo, e a permanência – a doçura dos confrontos, “a flor no impacto enfurecido do vento”. Já poeta maduro, senhor de sua escritura, do verso terso, Salomão soma mais um ponto em sua trajetória. De forma contida – e por vezes cifrada, o que aguça o desafio de reconstruir o derruído pelas imagens fragmentárias –, o poeta alcança expressão própria, em meio a uma enxurrada de poetas prosaicos e de ditos chistosos, ele, que, em vez da leveza de um origami, coloca-se diante da massa bruta e agigantada de um elemento da natureza – bronze, mármore, ferro – e não teme o trabalho fabril de talhar sua poesia com metáforas que martelam, açulam e desafiam a figura exuberante que nascerá inédita: a poesia de Salomão Sousa é obra talhada a ferro e fogo, a moenda e susto, a esperança e sob o mais rigoroso lirismo para vencer a blandícia dos versos frouxos de cada dia.Salomão Sousahttp://www.blogger.com/profile/10761805823147763830noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4843398825678420679.post-12237561888468306992007-03-27T10:21:00.000-07:002007-03-27T10:30:50.217-07:00Diálogo com Victor SosaApresentação de Ronado Costa Fernandes<br /><br />Aqui o leitor terá uma visão de duas literaturas de herança ibérica. Dois poetas se propõem a discutir a contribuição que Espanha e Portugal propiciaram às literaturas em novo solo americano. Um brasileiro, Salomão Sousa, e outro, o uruguaio-mexicano, Victor Sosa. Não somente os igualam a força de suas produções poéticas e nem a coincidência dos sobrenomes (Sousa/Sosa), mas a preocupação com a visão crítica da produção do passado e do presente na América espanhola e no Brasil.<br />Ainda que não abone algumas nomenclaturas por eles aceitas, não posso deixar de reconhecer a força de seus argumentos e a argúcia de suas análises. Para mim, o termo pós-vanguarda não se enquadraria muito ao Brasil – prefiro o corrente pós-moderno. Há sempre de lembrar que a palavra modernismo corresponde nas duas línguas a manifestações distintas. Na espanhola, refere-se ao parnaso-simbolismo de Rubén Darío e, para nós, diz respeito justamente à nossa vanguarda do princípio do século XX com Mário e Oswald de Andrade. Quanto à expressão neobarroca (brilhantemente analisada pelo cubano Severo Sarduy), a mim me parece mais uma manifestação da transição entre modernismo (na expressão brasileira), declínio das vanguardas em direção às manifestações da pós-modernidade (aí incluiria também o nosso Guimarães Rosa e, talvez, Autran Dourado, entre outros brasileiros).<br />Há bastante curiosidade neste diálogo literário: de um lado, observa-se o orgulho da literatura de língua espanhola que tem o poeta Victor Sosa e, por outro lado, certo desconforto de Salomão Sousa com seu passado literário. Lembro que o Barroco tem uma exuberância e influência fulcral não necessariamente na tradição (já que o Barroco brasileiro foi redimensionado pelo Modernismo de 22), mas nas formas mais modernas de produção literária. E que Vieira, autor de dois mundos, é um marco em nossa literatura. E recordo que Cláudio Manuel da Costa, quando chega ao Brasil, traz consigo um traço barroco que dá à sua poesia neoclássica o tom de penumbra e dor que, se alguns o vêem como apenas transição, percebo-o como um grande poeta angustiado pelo seu tempo e miséria humana.<br />Não me alongarei, porque a mim me cabe apenas apresentar os dois poetas que, pela internet, se propõem a um diálogo profícuo que, como eu, fará o leitor inquietar-se e, quiçá, desejar participar pelo candente do tema e pelo prisma singular dos dois poetas. Convido os leitores a seguir a “conversa” literária de Victor Sosa, que nasceu no Uruguai em 1956 e vive na cidade do México desde 1983, e de Salomão Sousa, que nasceu em Silvânia (GO), em 1952, e está em Brasília desde 1971.<br />Autor de Decir es Abisinia, entre outros livros de poesia, crítica e ensaio, Victor Sosa mantém viva ligação com a poesia brasileira. Traduziu Poesía y composición, de João Cabral de Melo Neto, e tem inédita a tradução de Farewell, de Carlos Drummond de Andrade. E figura na antologia Jardim de Camaleões, de Cláudio Daniel, que acaba de ser lançada no Brasil pela Iluminuras. Também atua como professor universitário, e é detentor dos prêmios Luis Cardoza e Aragón para Crítica de Artes Plásticas (do INBA e Governo de Nuevo León); Nacional de Poesia Pancho Nácar (do Município de Juchitán, Oaxaca) pelo livro Decir es Abisinia; e menção honrosa do Ministério da Cultura do Uruguai e da Intendência de Montevidéu, respectivamente, pelo livro Los animales furiosos.<br />Salomão Sousa começou a publicar na época da Poesia Marginal, em Brasília, com Esbarros. Impulsionado pela aceitação de A moenda dos dias, em 1979, inscreveu no INL o livro O susto de viver, que seria editado pela Editora Civilização Brasileira. Organizou as antologias Em canto cerrado (de poesia) e Conto candango, com escritores de Brasília. É um dos 47 poetas incluídos no número que a revista portuguesa Anto dedicou em 1998 à literatura brasileira em comemoração aos 500 anos da descoberta do Brasil. Está inserido na Antologia da nova poesia brasileira (1992), de Olga Savary; e na A poesia goiana do século XX, de Assis Brasil. Seu livro Estoque de relâmpagos, de 2002, foi o vencedor do Prêmio Bolsa Brasília de Produção Literária da Secretaria de Cultura do Governo do Distrito Federal. Fichado na polícia pelas polêmicas de seu zine Chuço, Salomão Sousa têm inéditos livros de aforismos, poemas e crítica. (Ronaldo Costa Fernandes)<br /><br />Victor Sosa: alegra-me que tenhas gostado de meu poema (publicado no Mais!); só hoje me inteirei de sua publicação por Cláudio Daniel, que foi seu tradutor. O poema pertence a um livro que publiquei em 2000, chamado Decir es Abisinia. Publiquei dois livros depois, com uma tendência para o neobarroco, que é o que me ocupa ultimamente.<br /><br />Salomão Sousa: Li outros poemas de sua autoria em páginas da internet. Confirmam a inventividade encontrada no que foi traduzido por Cláudio Daniel. Mas na poesia neobarroca – eu prefiro pós-vanguardista –, que se consolidou nas vertentes da poesia pós-moderna a partir da década de 90, os versos não se encadeiam numa sintaxe perfeita. As palavras vão criando novos segmentos frasais, com dissociação de complementos. Mas isto é passado e só podemos ficar contentes com a sua poesia. Agora, no presente. Há, atualmente, uma certa desvalorização, descrédito mesmo, para entendimento do Barroco. Como a América sofreu (tardiamente) influência do Barroco, temos a tendência de reagrupá-lo nas novas correntes artísticas. Acredito, no entanto, que seria salutar e apropriado aproximar essas novas correntes de movimentos mais evolutivos, o que daria mais credibilidade crítica às novas práticas poéticas. Como somos herdeiros, não só do barroco, mas do modernismo, das vanguardas e do surrealismo, estamos inseridos num período informe, que eu prefiro aceitar como pós-vanguarda. E isto está muito bem inserido nos seus poemas, que pude conhecer agora. Há mais elementos da realidade que da imagética religiosa. E uma busca de integração à realidade, “detesto/tanto deserto”.<br /><br />Victor Sosa: Muito interessantes teus comentários a respeito de minha poesia. Por outro lado, é certo o que dizes, que no neobarroco há uma ruptura da sintaxe a partir da imantação das palavras e de certa concatenação do discurso poético. O conceito de colagem, próprio das vanguardas, agora dá lugar a uma contigüidade de som/sentido, a um fluir metonímico sinuoso que se ramifica. Isso está em Haroldo das Galáxias, em Leminski, em Perlongher, em Kozer, e em minha poesia. Estou de acordo contigo quanto a preferir o termo pós-vanguarda, que é mais amplo e indiscutivelmente representativo desta época de prefixos. No entanto, não entendo porque dizes que o Barroco foi tardio na América. No México, por exemplo, foi uma das primeiras manifestações estéticas dentro dessa coisa chamada “Identidad mexicana” (seja lá o que for isso), que começava a formar-se no século XVI. Na arquitetura, com o churriguerismo (esse barroco transplantado, ainda que nascido na Espanha, característico destas terras) e, na poesia, com Sor Juana. Nesse sentido, o neobarroco seria uma conseqüência e uma continuidade... lembrando, é claro, por isso que, de maneira pertinente, agregas: o modernismo, o surrealismo, as vanguardas. Todo é causal neste mundo, e a poesia tão pouco escapa dessa condição.<br /><br />Salomão Sousa: Atualmente, no Brasil, há diversas maneiras de entendimento do Barroco. Muitos julgam que ele não foi um movimento autêntico, pois até Gregório de Matos – o expoente do período, que nasceu em 1623, mais de 20 anos após o início do movimento – teria se limitado a transplantar poemas europeus para a realidade nacional. E podemos dizer que Gregório de Matos e Antonio Vieira não estão sendo lidos – e muito menos influenciam ou teriam influenciado a poesia brasileira. As obras desses autores interferem muito mais no discurso político do que na prática poética. No Brasil, o Barroco não teve desdobramento. Não temos um escritor da estirpe de José Lezama Lima, Alejo Carpentier, Sarduy, García Márquez (na apresentação deste diálogo, Ronaldo Costa Fernandes agrega bem Guimarães Rosa, e poderíamos agregar ainda Ariano Suassuna, ainda assim ficaria faltando um nome na poesia). Se algum resquício do Barroco ficou na modernidade da poesia brasileira, ele se encontra em Murilo Mendes e Jorge de Lima, que ganham redimensionamento após a redução do crédito das vanguardas. Nunca estudei as influências dos autores estrangeiros na poesia brasileira. Mas aventuramos a dizer que o primeiro grande impulso veio de Victor Hugo, pois Castro Alves – que proclamava a presença do francês em seus poemas – é um dos mais aclamados poetas da história de nossa literatura. Portanto, a poesia brasileira demorou a afastar-se do pieguismo condoreiro, já que o seu amadurecimento só se deu com o advento do Romantismo. Até hoje se espera do poeta brasileiro que ele seja condoreiro, inflamado, de sangue amoroso, de exaltação à pátria. Esquecem que a poesia não existe para aquecer o coração, mas para enriquecer a língua, para alargar as possibilidades das palavras. No entanto, ainda existe um segmento que deve ser desligado da poesia de pós-vanguarda, pois seus praticantes se limitam a recortar o cotidiano. Trata-se de uma poesia fria, sem sonoridade, sem ligação com a realidade. Trata-se de uma poesia perigosa, que saiu da Poesia Marginal, mas sem entendimento tanto do Modernismo como das Vanguardas. Mas, Victor Sosa, por que a sua transferência da América do Sul para o México? Havia alguma busca de outra realidade? de outras poéticas?<br /><br />Victor Sosa: No mundo hispano-americano, a verdadeira identidade poética começou com Rubén Dario, que soube reciclar bem a poesia francesa, sobretudo dos simbolistas e parnasianos (evitando a medíocre poesia espanhola do século XIX), e criando assim o Modernismo, o primeiro movimento poético realmente americano, que significou a maioridade diante desses venerados “pais” e “mestres” das metrópoles européias. Com Dario também se produz uma reacomodação, uma demarcação e um novo canal para a herança do barroco espanhol em nossas terras. A originalidade e a força de Dario – sobretudo dos Cantos de vida e esperanza – é enorme, e o nicaragüense terá uma inegável influência inclusive naqueles poetas fundadores da vanguarda: Vallejo, Huidobro, Neruda, Girondo (que não o negaram: “superaram-no” atendendo outros chamados do discurso poético). Não sei ou, melhor dizendo, não creio que no Brasil e na língua portuguesa tenham um antecedente desse tipo. Creio que todos nós, escritores latino-americanos, estamos em débito com Dario, incluindo Lezama Lima, Octavio Paz e muitos outros, e não me refiro a uma continuidade estilística (o Modernismo hispano-americano está bem morto e enterrado), mas, como tu dizes, para esse “enriquecimento da língua e para alargar as possibilidades da palavra”. Dario foi o primeiro a “enriquecer” e “alargar” e a levantar a voz acima dessa medíocre mimese a que estavam habituados seus contemporâneos. Foi o grande guru que insuflou a necessária confiança e auto-estima para que outros criadores abrissem seus próprios caminhos, e esses caminhos podem ser Trilce, de Vallejo, ou Altazor, de Huidobro, entre as mais imorredouras obras da poesia hispano-americana.<br />Quanto ao que dizes de Murilo Mendes e Jorge de Lima, penso que seu barroquismo, sobretudo neste último, passa pelos sinuosos meandros do surrealismo. Na América Latina barroco e surrealismo confluem com naturalidade, dir-se-ia que surrealismo chega para reavivar e deixar em dia a tradição barroca americana. Aí está Carpentier, e, sobretudo, Lezama, ou Reinaldo Arenas de El mundo alucinante. Trata-se de metamorfoses e de encarnações desses mesmos sopros que chegaram com a Conquista e que ainda continuam impulsionando a criação por estas terras.<br />Quanto à tua pergunta sobre essa transferência da América do Sul para o México, a resposta é simples: como tantos sul-americanos, coube-me viver a condição nômade imposta pela época, pelas ditaduras militares e pelas crises econômicas. Até aí tudo óbvio, sem dúvida, mais além do óbvio está o obtuso, esse escuro desejo de sair do mundo excessivamente previsível, o Uruguai, e encontrar outras realidades, outros desafios e, portanto, outras poéticas. Talvez sejam poucos os que emigram por motivos poéticos (teria que propô-los ao ACNUR – Alto Comisionado de las Naciones Unidas para los Refugiados), mas estou convencido que todo nomandismo, – seja imposto ou seja voluntário – implica uma mudança, uma transformação das coordenações poéticas.<br /><br />Salomão Sousa: Não reconheço na Língua Portuguesa um poeta que servisse de fio condutor para permanentes delimitações poéticas, ou para consolidação do modernismo, como pretendes. Basta reconhecer que não há em Portugal uma figura central no Barroco, que impulsionasse as gerações futuras, seja lá ou aqui no Brasil. De Espanha, ao contrário, a luz das Soledades, de Gongora, continua a iluminar até nossos dias, comprova essa clarividência o romance Cem Anos de Solidão (o título desse livro sai de um verso gongórico). Apenas Camões continua, sem que isso seja uma marca registrada, ao longo do tempo, a alimentar a lírica, que não é uma faceta marcante do modernismo. Talvez os brasileiros, no entanto, tivessem uma resistência natural aos poetas portugueses, já que era a cultura do colonizador, para que tenham tido necessidade de buscar nos franceses e nos alemães rumos fortificadores para uma poesia que aumentasse a potência do grito de independência.<br />É de 1905 a edição dos Cantos de vida e esperanza, que contribuiu para a formação da poesia latino-americana. Três publicações, que saíram não tão distantes do livro de Rubén Dario, delimitariam novos rumos para a poesia brasileira: Últimos cantos (1851), de Gonçalves Dias; Os escravos (1883), de Castro Alves; e Eu (1913), de Augusto dos Anjos. Não que esses livros balizassem a poética nacional, ou que daí saíssem os rudimentos reais do modernismo, mas pelo menos fundaram a necessidade de delimitação de um novo solo pátrio, pois só daí é possível submergir as ramificações frutificativas da poesia. É bom abrir um parêntese – Gonçalves Dias anda pouco estudado por aqueles que buscam as fundações da cultura brasileira. A sua poesia tem raízes mais profundas do que o que tem alcançado as escavações dos pesquisadores.<br />Enquanto não surgisse uma burguesia, principalmente paulista, que conseguisse acesso à cultura, o modernismo não se integraria nestas plagas. E o progresso não seria ainda assim tão fácil, pois só a segunda fase do modernismo produziria os grandes poetas brasileiros. Aqueles da Semana de 22 produziram uma poesia libertadora, mas irresponsável com a sonoridade e com a elegância metafórica, já que foram apressados e festivos. E a poesia exige introspecção, recolhimento. E talvez o modernismo só se amadurecesse na terceira fase. Ou quarta. Pois só em 1952 seria publicado Invenção de Orfeu, de Jorge de Lima, e, de 1965, Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto. E nenhum desses livros descende em linha direta de Castro Alves, Gonçalves Dias ou Augusto dos Anjos. Para o surgimento da poesia do amadurecido modernismo brasileiro, muitas águas teriam de entrar ainda por nossas fronteiras.<br />Muitos vão chiar pela ausência de Manuel Bandeira, que transitou quase em todas as fases do Modernismo. Ou mesmo de Carlos Drummond de Andrade. Acontece, no entanto, que estes não foram poetas inventores, mas praticantes da eterna linhagem lírica. E dessa linhagem, sejam as vanguardas ou os barroquismos, nenhuma corrente da poesia pode se afastar ou a crítica de qualquer tempo pode condenar.<br />A poesia brasileira, desde os árcades mineiros, esteve sempre relacionada aos movimentos de emancipação. Antes de se preocupar com as negações de uma mimese lingüística, as correntes poéticas precisavam fundar a Pátria. Até hoje, sempre que se faz poesia, se faz por emancipação. Não é à toa que todo movimento de vanguarda é repudiado no solo pátrio. Talvez as vanguardas só sejam aceitas, sem vilipêndio, em solos desenvolvidos, que não tenham de buscar independência econômica. Mas este já é um tópico que está bem à frente do Barroco e do Modernismo.<br /><br />Víctor Sosa: Certamente: Portugal não teve nenhum Góngora, nenhum Quevedo, tampouco –nesse oposto extremo da Língua– nenhum San Juan de la Cruz; o Século de Ouro espanhol talvez tenha sido uma feliz especificidade desse outro lado da Península Ibérica. Sem dúvida, depois desses três portentos do Século de Ouro, a poesia espanhola viveu um prolongado declive que só seria superado com a geração de 98 (Antonio Machado, Juan Ramón Jiménez) e, sobretudo, com a de 27 (Lorca, Alberti, Miguel Hernández, Jorge Guillén, entre outros), inclusive é essa inquieta geração –que tinha lido Mallarmé, Valéry e os surrealistas– que resgata Góngora do esquecimento. Muito já foi escrito sobre esse tema, mas recordemos o mais importante: a leitura que os jovens espanhóis daqueles anos fazem de Góngora só é possível graças à leitura dos poetas franceses e, principalmente, de Mallarmé. Sob esse filtro, sob essa nova preocupação com a forma, com a sonoridade e com a “tectônica” da palavra, é que Góngora adquire um estatuto “moderno”, se torna legível e de interesse para a visão poética do século XX. Como dizia Borges: cada escritor cria seus antecessores e, assim, reinventa o passado. Aquele Góngora incompreendido e esquecido durante mais de duzentos anos, logo advém como referência e autor de culto para certas gerações de poetas do século XX espanhol e, logo, latino-americano. Mas, insisto, isto não teria sido possível sem essa grande revolução da sensibilidade –e da “razão” poética– que aconteceu na França desde meados do século XIX até adiantados do século XX. A leitura que fazemos de Góngora é uma leitura moderna, uma leitura – se me permites o termo – “interessada” pela modernidade, vale dizer, traspassada e condicionada por esta; uma leitura, claro, nada inocente e tão diferente como distante da que podia fazer o homem do século XVII.<br />Sem dúvida, além deste renascimento da lírica espanhola, os poetas hispano-americanos mais relevantes viviam sob a influência francesa: lembremos que Huidobro escreve nessa língua seus primeiros livros sob os efeitos do cubismo; Neruda, Vallejo e Girondo recebem influências do surrealismo; nenhum deles desconhecia Mallarmé e os poetas simbolistas. A América hispânica do século XIX e começos do século XX, culturalmente falando, estava mais próxima da França que da chamada Mãe Pátria. Não é nada extraordinário: a França continuava sendo até então uma das referências mais importantes não só no campo da cultura mas também da política, da filosofia (o positivismo de Comte teve seus melhores frutos na América Latina com os governos liberais –penso no Cone Sul: Argentina, Uruguai, Chile– e os despotismos ilustrados –penso no México do ditador Porfirio Díaz–), da urbanística e dos “bons costumes” (do uso do haxixe até o prêt-à-porter). Mas a América Latina – nas suas duas principais vertentes: lusitana e espanhola – não são a exceção; o mundo inteiro estava sob domínio francês (de Buenos Aires a São Petersburgo) como hoje todos estamos sob domínio norte-americano. Nesse sentido, não acredito que os brasileiros tenham buscado esses “rumos fortificadores” como resistência à cultura dos colonizadores portugueses. Se Portugal tivesse sido nesses momentos uma potência cultural vigorosa e propositiva, seguramente o Brasil não teria podido evitar essa influência – e junto ao Brasil muitos outros países de outras línguas. Acredito que o território das artes não pode ser compreendido como um problema de colonizados e colonizadores (ainda que alguns modernistas tenham entendido assim). A arte não vai necessariamente de mão dada com o afã imperialista; a Alemanha nazista ou a Rússia stalinista não exportaram uma só idéia ou influência artística para o resto do mundo, se eram, naquele momento, impérios poderosos. Não sabemos (ou, pelo menos, eu não sei) por que uma cultura se expande, se ramifica e permeia outras culturas criando um código comum, um entendimento e um usufruto consensual. A decadência dos impérios da Espanha e de Portugal pode e tem muito a ver com a riqueza cultural da Francia monárquica e republicana, mas não explica ou encerra o assunto por um mecanicista entendimento do fiel da balança.<br />Acredito que o Modernismo da Semana de 22 também provém dessa vertente que passa por Mallarmé, Apollinaire e Marinetti, e pouco deve a um poeta como Augusto dos Anjos, no entanto, devedor da estética romântica do século XIX. É verdade que o modernismo brasileiro foi mais importante como atitude, como descondicionamento cultural e como revolta nas artes e nas letras de teu país, que como criador de obras imorredouras ou poéticas imprescindíveis. Certamente: depois da explosão inicial o terreno começa a cimentar-se com nomes como o de João Cabral de Melo Neto (que já não é, propriamente dito, modernista), com una técnica e uma depuração compositiva que não tinha o modernismo; mas João Cabral está mais próximo (e não só cronologicamente) da experiência concreta e neoconcreta de Ferreira Gullar, Haroldo e Augusto de Campos e de tudo o que Noigandres significa dos anos 50 por diante. Drummond de Andrade é um caso interessante por ser o poeta mais popular do Brasil, mas, em meu modo de ver, sua obra se empobrece à medida que fica mais popular. Bandeira foi importantíssimo como ponte entre a tradição e a vanguarda, o coloquialismo e o humor de sua poesia já prefiguravam a irreverência modernista antes de 22 – eu gostaria de compará-lo com Apollinaire em relação ao surrealismo.<br />Após chegar a este ponto (mesmo esperando que aprofundes, a partir de tua óptica brasileira, o que foi dito anteriormente por mim), que o próximo tópico que se impõe ao nosso diálogo é o da poesia concreta. Que importância tem para ti? É uma continuidade do modernismo e do espírito de 22? Ainda tem vigência como tendência poética?<br /><br />Salomão Sousa: Talvez eu tenha sido um tanto impreciso quando disse que a poesia brasileira refutou a linguagem do colonizador. Não houve refutação enquanto ato de absorver uma poética, pois, se nada era derramado por aqui, nada havia o que entranhar na pele produtiva, mas, talvez num ato apenas defensivo, de resistência aos mandatários, houvesse preferência (termo excessivamente forte, pois em relações culturais não há preferências, já que as variáveis de uma aculturação são diversas) pelas linguagens de outras nacionalidades, mais libertárias. Ainda mais que o português não permitiu o rápido florescimento da cultura na colônia. Quase três séculos se passaram desde o descobrimento até haver preocupação com um parque que envolvesse universidade, teatros, imprensa. A cultura –aí sim o Barroco teve importância, sobretudo no Barroco Mineiro, com Aleijadinho– se limitava ao imaginário religioso. E essa preocupação não estava voltada para emancipação, mas para atendimento do filho do colonizador. Até os pórticos do Século XX, os livros eram impressos na Europa. Tenho insistido em lembrar àqueles que procuram menoscabar o cânone brasileiro que a nacionalidade brasileira é muito recente, que ainda está em formação em comparação com a civilização européia.<br />Para contrapor a ausência do Barroco nas letras brasileiras, talvez eu tenha minimizado a importância do Arcadismo. Pois, já que o Barroco foi inexpressivo na Língua Portuguesa, os árcades mineiros se valeram do Classicismo para legitimação de uma poética e de uma nacionalidade. Como os árcades tinham a prerrogativa da camuflagem embaixo de nomes de pastores, puderam somar a ação política à prática poética nos mesmos disfarces. Trata-se de movimento que aos poucos vai sendo recuperado, principalmente com a edição crítica da produção do período. Talvez o Arcadismo ainda vá se firmar melhor que o Parnasianismo ou do que o próprio Simbolismo. Serviu para a cor local do Romantismo e do Modernismo.<br />No meu parco entendimento, acredito que a expansão da cultura se dá em momentos de polarizações econômicas de uma nacionalidade. Só a expansão econômica não motiva o florescimento da cultura. Se assim fosse, o cinema norte-americano não seria tão pernicioso para a desestruturação do indivíduo em outras nacionalidades. Quando uma nação se expande em excesso, ela pode querer impor o medo em vez de querer ditar modelos culturais. Agora, quando uma sociedade avança economicamente, com uma burguesia interessada em interferir no espírito da humanidade, pode ocorrer o florescimento cultural capaz de interagir com outras culturas. Por isso, temos de ter muita cautela na aceitação do Concretismo. Ele floresceu num instante em que a burguesia tinha perdido todas as bandeiras, fossem elas políticas, artísticas ou econômicas. Assim, o Concretismo passou a ser uma espécie de expansão do urbanismo, já que a burguesia não conseguia habitar mais do que aquilo que conseguia construir. A arte passou a ser a expansão da habitação, aquela parcela que não precisava mais ser habitada. O burguês não precisava habitar nem mesmo com interpretação, já que a interpretação exige a presença do indivíduo em suas interações sociais. E o burguês já estava doente do individualismo que não quer ombrear com o outro.<br />Salutar o encontro, nas tuas interpretações, de vertentes da formação da poesia brasileira, que até os críticos insistam em negar ou desconhecer. Neste momento, eu diria que há um pequeno grupo, que gira em torno da Folha de S.Paulo, preocupado em não desgarrar o umbigo das vanguardas. Não é à toa que outras linguagens não conseguem furar o dominador bloqueio crítico da imprensa paulista. E, para contrapor, diversos segmentos nacionais –sem que tenha noção explícita da situação– condenam o Parnasianismo, mas praticam um velado Simbolismo. Eu não compreendia essa atual necessidade simbolista da poesia brasileira, mas, neste instante, através do nosso diálogo, compreendo que, numa fuga das vanguardas, algumas vertentes preferiram leitos imantados do Simbolismo, que não irão alcançar terrenos sólidos, já que eles vão contra o desaguar natural da formação poética brasileira.<br />Depois do Modernismo de 22, muita coisa aconteceu na poesia brasileira. Só para entrelaçamento com as tuas observações sobre o positivismo, chegamos a ter até o movimento Verde Amarelo, capitaneado por Plínio Salgado e Cassiano Ricardo, de cunho nazi-fascista. Dessa bandeira ficou o jargão “Ordem e Progresso” em nosso pavilhão. Quando Cassiano Ricardo acordou para a situação, bandeou para a práxis. No auge do modernismo, alguns chegaram a reagir com situações mais formalistas, instaurando o movimento da Poesia de 45. Só que o Concretismo não seria reação pura e simples a esses movimentos. Vinha acompanhado das novas visões urbanísticas – basta ver a passagem de Le Corbusier pelo Brasil e por outros países da América Latina pregando a ampliação do ambiente em novas formas. Basta ver o retorno de Oscar Niemayer das aulas de Le Corbusier, em Paris, pronto para enfrentar o concreto de Brasília. A burguesia queria mudar a visão exótica da paisagem brasileira. JK buscava inserir o Brasil entre as grandes nações.<br />Os concretistas entraram nesse vácuo e contribuíram para colocar o Brasil na vanguarda literária das outras nações, sem a necessidade de atribuir à poesia o papel emancipacionista da nacionalidade. Não só os concretistas contribuíram para levar a poesia brasileira a outros rincões, também o intercâmbio diplomático (Vinicius de Morais, João Cabral, Murilo Mendes e Alphonsus de Guimarães Filho atuando no exterior, e Ungaretti dando aulas em universidades brasileiras). Só a partir daí a poesia brasileira passou a ter uma exterioridade. Temos de reconhecer, portanto, que o Concretismo, aliado aos movimentos periféricos como a práxis e o poema-processo, além de atribuir essa exterioridade à poesia brasileira, fundou a plasticidade e a poeticidade do verso sem a necessidade da excessiva paisagem, dos símbolos, da contestação. A frase não seria mais a mesma. O formato do livro, para comportar o novo poema, não podia ser mais só retangular. O Concretismo, aberto o portal do novo século, não tem mais importância como prática poética, apenas é a porta aberta para inserção de justeza ao verso, mesmo quando este quase inexista.<br />Mesmo nada sendo derradeiro, será que há um novo processo poético na poesia latino-americana? Com tantas vertentes, será que há retrocesso? Como não vivi a tradição do Barroco, tenho procurado um verso de pós-vanguarda, em que as palavras não tenham necessidade da interferência de muitas sinalizações. Grande parte da poesia brasileira, que tem valido como cânone, tem se preocupado com um certo realismo do fragmento, onde no poema saltam apenas situações impenetráveis. Não me satisfaz mais uma poesia de um conteúdo específico, ou de fragmento realista. Se tiver de ser impenetrável, que seja pelas próprias referências da língua e não através do isolamento de fragmentos da memória pessoal. Dentro da fragmentação do pessoal, a poesia deixa de existir fora do centro do próprio poeta, principalmente numa época cultural de predomínio do visual, em que não ficam claras as experiências culturais com a palavra escrita para desmembramentos de significados que não nadam na superfície. E acredito que é na fundação destes novos parâmetros que temos de levar o nosso diálogo a termo.<br /><br />Victor Sosa: A poesia concreta foi uma continuidade do espírito modernista que se viu eclipsado pelo conservadorismo da Geração de 45. Foi, também, uma maneira de pôr em dia a poesia brasileira diante do desenvolvimento e industrialização que marcaram as grandes urbes (principalmente São Paulo), na década de 50. Disso já sabemos e soa retórico repeti-lo aqui, mas repito-o para enfatizar a especificidade brasileira, já que em toda América Latina (e nem é preciso falar dos Estados Unidos) se produz um grande crescimento urbano e industrial na década; no entanto, nem na cidade do México, nem em Buenos Aires nem em Lima (tampouco em Nova Iorque) se produz um movimento poético da importância programática que teve o Concretismo. Novamente, as condições histórico-sociais não explicam a arte. A existência e a inteligência dos irmãos Campos, Décio Pignatari e alguns outros, possibilitaram a criação do Concretismo e sua importante ramificação em outros poetas e poéticas, inclusive além do Brasil. Como toda vanguarda, o Concretismo, principalmente na etapa heróica, definhou por intolerância e dogmatismo: reflexos condicionados que repetiam uma gestualidade proveniente dos futuristas e construtivistas russos e desse fabbro chamado Pound. Sem dúvida, é enorme seu legado poético; os concretistas nos fizeram ver ou re-valorizar a importância da linguagem como estrutura concreta, sua objetividade, sua sonoridade, sua espacialidade sobre a página. Muitos de nós, poetas que cresceram ao longo da década de 70, não podíamos evitar (melhor, víamos com sumo interesse) as ressonâncias que nos chegavam do Brasil e, fato importante: o Concretismo encarnado nas músicas de Caetano Veloso e nalguns outros tropicalistas que experimentavam e inovavam a MPB. Essa relação entre alta cultura e cultura popular sempre me pareceu admirável e muito específico dos brasileiros, nada parecido acontece nos países hispano-americanos. Em suma: odiado, admirado, criticado, negado, o Concretismo continua sendo uma referência central quando falamos de poesia brasileira e é presença em muitos poetas e poéticas que poderíamos denominar de pós-vanguardistas.<br />Penso em Leminski, em Glauco Matoso, em Arnaldo Antunes, em Wilson Bueno, em Cláudio Daniel, em Ricardo Corona, em Rodrigo Garcia Lopes, entre outros. Poetas e poéticas dissímeis, mas que provém ou transparecem uma raiz comum. O Concretismo, como um vulcão, fertilizou o terreno da poesia brasileira e estamos vendo e desfrutando esses frutos. Acredito que hoje, no Brasil, está sendo escrita a melhor, a mais vital e propositiva poesia do Continente. Sem sectarismos nem planos pilotos, os poetas pós-vanguadistas assimilam, reciclam, se apropriam e criam um discurso híbrido, uma mestiçagem estilística que passa pelo neobarroco, o uso do portunhol e a ruptura dos gêneros. A co-habitação na diferença é uma das características mais saudáveis dos tempos que correm e essa atitude define, também, o fim da era das vanguardas que no Brasil teve seu momento mais “puro” com os poetas concretistas. Outro sintoma dessa saúde se vê nas muitas publicações de qualidade que, de uns tempos para cá, têm surgido no Brasil: et cétera, Oroboro, Coyote, são, entre muitas outras, algumas das revistas especializadas ou que dão grande importância à produção poética. Esse fenômeno é quase inexistente no resto da América Latina.<br /><br />Salomão Sousa: Só a pós-vanguarda não arremata as vertentes da poesia brasileira, que vive, atualmente –e sempre foi assim, basta lembrar Auta de Souza, Sousândrade, Kilkerry, Sosígenes Costa, Zila Mamede, José Godoy Garcia–, peculiares situações periféricas, a maioria ainda rejeitada por ter atuado na província. Mas como lembra de forma correta Paulo Henriques Britto, em entrevista recente, há pluralidade de linguagens, mas acabaram as divergências, pois essas linguagens não mais obrigam os poetas a se firmarem em grupos ou a renegar correntes divergentes. Os suplementos e as revistas em circulação não fermentam nenhuma divergência ou vontade de definições mais ousadas. Sem que haja definição crítica, –há muito mais preocupação em saudações de compadrio–, há espaço para neo-simbolistas, numa lembrança rápida: principalmente em Goiás, com Valdivino Braz e Delermando Vieira; do maranhense Luís Augusto Cassas e do amazonense Aníbal Beça, que também se ajustam ao neobarroco e ao lírico modernismo. Espaço ainda para revitalizadores do Modernismo, com muita acolhida na grande imprensa, oriundos da poesia marginal –saudosistas de Leminski– e seguidores de Mário Quintana, Manuel Bandeira e Vinicius de Morais, além de reflexo da fluência de Fernando Pessoa em nosso meio acadêmico. E esses representam parcela significativa dos novos poetas brasileiros, exemplos podem ser encontrados em Chico Alvim, Nicolas Behr, Carpinejar, Ana Miranda, e tantos outros. Mas esses caem em lugares comuns, ou em flexões óbvias de situações do cotidiano. Os versos de comunicação explícita, só que de poética inconseqüente – veja em Ana Miranda: E Jesus desceu da cruz/para nos salvar. E ela, que pesquisou tanto a obra e a vida de Gregório de Matos, detinha grandes chances de ter se aproximado da vanguarda do neobarroco. Até uma poeta veterana como Adélia Prado –filha tardia do modernismo– se viu chamada a descambar para a “epifania”, comprometendo aquele fluxo inicial de galante lirismo e realidade, levado com justiça ao pedestal por Drummond. Há, ainda, espaço para aqueles que regridem para espaços formais já encerrados com a Geração de 45, como é o caso de Alexei Bueno e Bruno Tolentino. O grupo que transita em torno da revista Inimigo rumor e da Editora 7 Letras, com liderança de Carlito Azevedo e Ronaldo Polito, quase sempre pratica um modernismo minimalista, com impenetrabilidade, apesar de não tender para o surrealismo. Destaques merecem Micheliny Verunschk, Eucanaã Ferraz e Cláudio Daniel, que animam esperança para equilíbrio entre a tradição e a pós-vanguarda. Há juventude poética na jovem Verunschk, e certamente sua poesia logo alcançará resistente arcabouço formal. Há espaço para rebeldias líricas, em vozes femininas, aqui pode ser destacado com pertinência o lugar cativo alcançado por poetas como Orides Fontela, Hilda Hilst, Marialzira Perestrelo, Yêda Schmaltz e, no minimalismo zen, Cristina Bastos. Situação peculiar é a poesia de Iacyr Anderson de Freitas, que transita entre o classicismo e a pós-vanguarda lírica. Junto com Paulo Henriques Britto e Marcos Siscar, Iacyr redireciona a poesia brasileira para uma linguagem convincente, animadora de crítica, inventividade e emoção. Pois não basta ser herdeiro das vanguardas, do Modernismo, do Barroco e das vertentes do surrealismo. Não é necessário transgredir, mas progredir dentro da língua, nas possibilidades sonoras, significações, abundância de aliterações, sempre aliadas ao bordado das questões sociais, riqueza dos costumes, sincretismos religiosos, volume dos vocábulos que saem da natureza e desses sincretismos. Há displicência na maioria dos poetas brasileiros atuais –e eles poderiam se espelhar nos exemplos dos modernistas e dos concretos– quanto à compreensão de sua herança cultural e a definição de uma poética para uma postura produtiva a esse pós-tudo.<br />Saudável que o diálogo sobre a poesia seja sem fim.<br /><br /><br /><br /><br /><br /><br /><br /><br /><br /><br /><br /><br /><br /><br /><br /><br /><br /><br /><br />Poema de Victor Sosa<br />Tradução: Salomão Sousa<br /><br />Deixar de ser: sair<br />Não ser mais o pássaro na rama<br />nem a rã em sua lama; ser a pedra<br />de toque voraz, pedra rodada<br />pelo mundo: canto; não ser<br />mais a pedra ser a árvore presa<br />à curva terráquea, árvore<br />votiva, cheia de pássaros vazia de copa<br />árvore que fala em sussurros; não ser<br />mais a árvore ser o fruto<br />da estação que se anuncia, fruto<br />do trabalho e fruto proibido<br />do prazer; por exemplo: essa maçã<br />no sexo da garota; não ser<br />mais o fruto ser a garota<br />que olha na janela, o que olha a garota?<br />olha as costas da Argélia, olha as Costas do Marfim<br />olha! ali vai Ulisses; não ser<br />mais a garota ser Ulisses, ileso<br />de sereias em sua Ítaca; não ser<br />mais sua Ítaca ser Minotauro sem medo<br />e ferir a virilha da moça inglesa<br />que pode ser Ariadne, que pode ser o pássaro<br />quetzal ou Quetzalcóaltl, o deus que disse adeus<br />porque deixar de ser é ser como ele: se passar<br />por colibri e não se passar pela noiva<br />não pensar em Esperança quando chegar<br />a desesperança, e é certo<br />que a desesperança chega já que é afluente<br />é dilúvio e é pranto militar; deixar de ser<br />será desfazer o poema em seu iglu<br />declinar Juana de Ibarbourou, saudar<br />sobre a ponte do Brooklyn com a esquerda<br />e benzer com a direita; será<br />não dar as horas a César; dar graças<br />e fechar o serviço.<br /><br />Deixar de ser: caminhar sobre as águas.<br /><br /><br />Poema de Salomão Sousa<br /><br />àqueles que não acreditam<br />que habitarão as noites<br />àqueles que habilitam<br />as cercanias do vazio<br />não falarei de urtigas<br />não direi que vi<br />as galhadas das murtas ao sol<br /><br />aqui está a língua<br />que dá gosto às palavras<br />e não ficarão mudas<br />as traças dentro dos ossos<br />não direi que vi as gargalhadas<br />de membrudos inimigos<br /><br />não direi que aos seus ombros<br />encostei a dor e deitei a luz<br />ainda que as noites insistam<br />as asas das peçonhas<br />deixo a sabedoria do orvalho<br />que dá bravura às raízes secasSalomão Sousahttp://www.blogger.com/profile/10761805823147763830noreply@blogger.com0