Trago para esta ambiência, a crônica do poeta Brasigóis Felício, publicada na revista Bula:
O perfume da memória e o ocaso da crítica
publicado em colunistas
Nos arrebaldes do Plano Piloto, em Taguatinga, Cidade Satélite, ainda moça brejeira e empoeirada, a mulher pública convida o poeta a fazer amor em um prostíbulo disfarçado em hotel. O literato e jornalista, recém-chegado, com a mala de papelão repleta de clássicos da literatura, tinha outra espécie de amor para dar, embora crendo, como na canção da MPB, que “toda maneira de amor vale a pena/toda maneira de amor valerá”. Assim, dispensou o “favor” amoroso, e agradece, pois vai de encontro a um amor mais geral. Assim proclama seu amor impessoal a seu tempo e à cidade que o acolhia, em seus primeiros vagidos. Saltando uma poça de lama, o poeta seguiu em frente, com suas esperanças e sonhos.
Foi
ali o primeiro lugar onde morou, em sua diáspora rumo ao futuro
literário. Sonhos que andou cultivando em pastoreio de nuvens, e na
leitura dos clássicos, em sua pacata Silvânia. Lugar de sua família,
onde aprendeu, com Carlos Drummond de Andrade, ser preciso “tecer um
canto/que faço acordar os homens/e adormecer as crianças/”. Queria ter
um caso de amor não com uma pessoa, mas com a humanidade (a sua e a de
todas as pessoas). O poeta tinha um sonho, e precisava conquistar seu
espaço de viver na cidade para onde chegavam brasileiros vindos de todos
os lugares.
“Há beleza e dignidade
até mesmo nas pequenas redes de hotéis camuflados em prostíbulos”. Assim
escreve Salomão Sousa, no belo texto de abertura de seu livro “Momento
crítico”. Poderíamos acrescentar que também há beleza nas áridas
paisagens do nordeste semi-árido, onde sobrevive, em miséria social, um
povo aguerrido e bravo (como o viu Euclides de Cunha).
Povo
sofrido, mas não miserável. E também beleza há na Amazônia, no dito
“inferno verde”, e não apenas na via Ápia, como afirmou Joaquim Nabuco,
praticando uma diplomacia às avessas, uma vez sabendo-se ser missão dos
embaixadores e diplomatas em geral “mentirem honestamente em favor de
seus países”, como ironizou Roberto Campos. No caso, Joaquim Nabuco
mentiu desonestamente em desfavor do Brasil e de seu povo, que pagavam
sua viagem de turismo diplomático.
Esta
é uma das observações de fina ironia, que Salomão Sousa se permitiu
fazer, em variados textos desta reunião de seu “Momento Crítico”, em que
lemos crônicas de cunho ensaístico, e ensaios vazados em linguagem leve
de cronista. Refere-se também o autor a Edgar Morin, que em
recomendações para uma prática da educação contemporânea nos dia que a
mesma deve fundar-se em quatro pilares: aprender a ser, a fazer, a viver
juntos e a conhecer. S.S. assinala, no ensaio “É hora de detonar o
egocentrismo”; “O indivíduo, ao pregar excessivamente a importância do
Só Eu, contaminou a cultura como obrigação de seguir a política de
incentivo ao egocentrismo.
Torqueville, clássico pensador da Democracia já nos dizia, há 170 anos: “Existe um amor à pátria que tem a sua fonte única naquele sentimento irrefletido, desinteressado e indefinível, que liga o coração do Homem ao lar em que nasceu. Confunde-se este sentimento com o gosto pelos costumes antigos, com o respeito aos mais velhos e a lembrança do passado. Aqueles que o experimentam estimam o seu país com o amor que tem pela casa paterna”.
Torqueville, clássico pensador da Democracia já nos dizia, há 170 anos: “Existe um amor à pátria que tem a sua fonte única naquele sentimento irrefletido, desinteressado e indefinível, que liga o coração do Homem ao lar em que nasceu. Confunde-se este sentimento com o gosto pelos costumes antigos, com o respeito aos mais velhos e a lembrança do passado. Aqueles que o experimentam estimam o seu país com o amor que tem pela casa paterna”.
Talvez
tenha faltado amor à pátria ao senhor Joaquim Nabuco, ao valorizar de
modo tão enfático a importância universal da Via Ápia, em detrimento das
paisagens de sua pátria – coisa que Vinicius de Moraes fez ao
contrário, e de modo magistral, em seu belo poema Saudades da minha
Pátria.
Quase na mesma linha de
Torqueville vai Salomão Sousa, no texto de abertura de seu livro, em que
evoca a perdida sensibilidade das pessoas (dos jovens em particular) em
relação às flores, e às sensações físicas e emocionais que provocam –
sensações que ainda vibram em sua memória, quando se põe a recordar
passagens de sua infância e juventude, em Silvânia, cidade onde nasceu:
“Quem não adquire memória pessoal das flores não estabelece liames para a
compreensão da beleza e sua ligação com a cadeia evolutiva da vida. As
flores existem para a sua ligação com a cadeia evolutiva da vida. As
flores existem para que a harmonia se construa”.
Eu
acrescento: e também para que não nos falte, em nossa trajetória
existencial, o esplendor de reverdecer no verde, no deslumbrar-se ante a
beleza de dos bichos e plantas, nos cantos de muros de mundo, e nos
quintais da fraternura e da inocência: “Ao nos aproximarmos para apanhar
água, víamos, do outro lado da bica, a moita de açucenas e corolas
vermelhas, com os milhares de pistilos atraindo os marimbondos e as
abelhas arapuás. (...) As açucenas ainda alimentam as lembranças, numa
manhã sem mãe e sem mulher alguma outra mulher que, durante as viagens,
engrandeça o dia com os nomes de flores, ou com centenas de pistilos
novos que possam animar a vida”.
Há muito a ler e a admirar, a deleitar mesmo, nesta coletânea de textos críticos do poeta e jornalista Salomão Sousa, que há anos reside e trabalha em Brasília. Ali, mesmo tendo que despedaçar as pedras do caminho, ocupou espaços na poesia e na crítica, agradando a muitos, e desgostando a uns poucos, com o ferrão de seu chuço de menino carreiro que foi, sem ter sido.
Grande
parte de seus textos reporta-se a livros, personalidades culturais da
capital federal – mas não faltam reflexões interessantes sobre a poesia
goiana, ou ponderações de grande profundidade e perspicácia, como no
longo texto intitulado “Reflexões desconexas sobre comportamento
cultural”. Neste texto Salomão Sousa atira em muitas direções, focando
os caminhos da poesia brasileira, ou sobre a própria crítica, que deixou
de ser um caso para entrar em ocaso. Tão invisível em sua precária
existência, que sequer chegou a ser caso de polícia. Há muito a ler e a admirar, a deleitar mesmo, nesta coletânea de textos críticos do poeta e jornalista Salomão Sousa, que há anos reside e trabalha em Brasília. Ali, mesmo tendo que despedaçar as pedras do caminho, ocupou espaços na poesia e na crítica, agradando a muitos, e desgostando a uns poucos, com o ferrão de seu chuço de menino carreiro que foi, sem ter sido.
Tal ocaso ocorre em face da moderna decadência cultural por que passamos, nesta era cibernética em que tudo é virtual, em segundos se esfuma no ar da evanescente e arrogante modernidade, muitas vezes vazia e sem caminhos. Salomão discute longamente causas e coisas do boom da poesia brasileira, a partir de 1997, passando pela fase em que “ o poema passou a representar respiração apenas para o poeta”. Passa Salomão Sousa à crítica da crítica: “O crítico não quer mais valorizar a obra que está sob seu foco, mas sim aniquilá-la, esquecendo-se que o ato de criticar é paralelo ao de criar”.
Um comentário:
Salomão Sousa, li a apresentação que fez da poeta Ana Cristina Cotrim, em A Voz, n. 227. Você faz o leitor compactuar com você quando diz "a autora/sua poesia desconcerta", também, noutro ponto do texto, poesia e "[...]sutilezas que acabam por engasgar o leitor.", diante disso, fiquei curiosa para conhecer ao menos parte da obra da poeta. Parabéns. Obrigada.
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