Texto de Gardênia Holanda Maciel

Certa vez pedi à Gardênia Holanda Maciel para escrever um posfácio para um livro de poesia que estava preparando. O livro nunca saiu e o texto dela ficou pedido entre minhas coisas. Eis o texto, de uma jovem amante total da poesia:

Debatemos muita realidade nacional, com destaque para a poesia. Segue o texto dela: Quais serão as dúvidas de Orfeu, se não as minhas, as do meu vizinho, as do meu patrão, as do meu amante imaginário? Quais serão as dúvidas de Orfeu, jovem, ávido por um amor inteiro, completo e ao mesmo tempo insano... Orfeu que de tanto amar não dominou o amor e perdeu! Como perco eu, como perde você, como perde Salomão, também o rei! Diante do convite de Salomão Sousa (agora o escritor) para escrever este Pósfácio, talvez eu tenha me perdido voltado os olhos com minha profunda curiosidade sobre a poesia e acabei por tornar o superficial conhecimento em um fino fantasma ou em uma estátua de sal (como queiram) e, petrificada fiquei ao ler os escritos de “Dúvidas de Orfeu”. Não tenho, portanto, que opinar, diante de minha própria imagem no espelho e que, ao me ver, vejo-me comum, igual, normal e corriqueira como quem “fala de uma cortina rasgada ou dos telefonema que não informam”... Como alguém que ama exageradamente e “chega a atravessar toda a lama, o corpo em sessões e prazer”... Ou, por fim, alguém sobrenatural que chega a ser digital, “dispensado das pregas, das indecências das impinges”... Que poesia é essa? (Eis mais uma dúvida de Orfeu?). Certa vez li um texto atribuído a Carlos Drummond de Andrade que me fez refletir, eis um trecho: “... Entendo que poesia é negocio de grande responsabilidade e não considero honesto rotular-se poeta quem apenas verseje por dor de cotovelo, falta de dinheiro ou momentânea tomada de contato com as forças líricas do mundo, sem se entregar aos trabalhos cotidianos e secretos da técnica, da leitura, da contemplação e mesmo da ação. Até os poetas se armam e um poeta desarmado é mesmo um ser a mercê de inspirações fáceis, dócil a modas e compromissos...” É um texto forte e conciso, a partir do dia que o li tentei mergulhar mais na poesia e não me deixar levar por inspirações momentâneas. A escrita de Salomão Sousa mostra o resultado disso, mostra que ele faz disso um trabalho e não mera inspiração... Mas, caio em contradição e penso: afinal, trabalho não é inspiração? O trabalho não inspira? Afinal de contas porque separamos o trabalho do prazer? (Eis outras dúvidas de Orfeu...). Rodas contemporâneas de poetas questionam quem são os verdadeiros, quem são os aceitos e quem são os grandes garimpeiros das palavras, das cadências, das rimas, das métricas. Há quem julgue, há quem defenda, há quem classifique, há os que buscam marcos separatista para poder rotular! Elos perdidos de nossa mania ocidental de classificar em busca de uma identidade temporal. Não sou purista, não sou integrada ou muito menos caótica, mas acho que poesia é uma mistura de tudo isso: trabalho, inspiração, lazer, prazer, desejo, carregar pedra, mergulho em dores pessoais, engenharia, métrica, amor... Consegui detectar em “Dúvidas de Orfeu” todas elas, mesmo que Salomão negue... Mesmo que neguemos, toda escrita é um pouco de nós e um tudo de nossa história. Toda escrita, mesmo que trabalhada, é fruto de nossas prioridades, de nossas crenças, de nossas ciências, de nosso tempo, de nossa política. Mesmo o trabalhador mais atento, que se dedique com afinco e não se deixa roubar por saídas momentâneas da realidade, estará revelando suas emoções por trás das suas palavras medidas e comedidas. E fica a dúvida, eterna... Mesmo que a gente negue, querido Orfeu!

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Fernando Py (Petropolis)