A poesia de Salomão Sousa é uma poesia à parte, marginal, no sentido de nadar
contra a maré da mesmice que, infelizmente, ainda grassa e prepondera na lírica
brasileira contemporânea. A de Salomão pede, reivindica e até mesmo exige um
leitor novo, afeito a descortinar um mundo que se cumpra através das palavras
que não se veem obrigadas a rimar a palavra sono com a sua incorrespondente
palavra outono, para me valer mais uma vez do poeta de Itabira.
Quem conceituou muito bem a poesia de Salomão foi o crítico e poeta Miguel Sanches Neto: “(...) os poemas trazem uma densidade de linguagem própria de quem percebe a realidade
como fato de linguagem. (...) A realidade nunca vence a sua poesia, pois a
linguagem é mais forte, conduzindo o leitor a espaços inusitados por meio de
metáforas”.
A propósito, em resenha que escrevi a respeito de Desmanche (Gráfica
Serafim, Brasília, 2018), de Salomão, acrescentei: “A linguagem, então,
converte-se num mundo todo particular do eu-lírico, de onde ele extrai imagens
insólitas, imponderáveis, sobretudo quando rejeita a mimese enquanto imitação
pura e simples da realidade objetiva”.
O bom prefácio de Certezas para as Madressilvas (Edição do autor, 2024) é da poeta e escritora Sônia Elizabeth, para quem a poesia de Salomão “(...) é um oceano de procuras e achados, descobertas, constatações”. A capa do livro e a linoliogravura da capa são,
respectivamente, de Davi Bento e de Beto Nascimento, competentes artistas
plásticos.
***
Simultaneamente ao livro Certezas para as Madressilvas, Salomão
Sousa lançou Poesia e alteridade (Edição do autor, 2024), que reúne, entre
outros, ensaios sobre Anderson Braga Horta, Alexandre Pilati e Guimarães Rosa.
O ensaio de abertura do livro, “A Compreensão da poesia”, é bastante elucidativo a
propósito não só dos poetas sobre os quais Salomão discorre como também a
respeito de sua própria poesia, pois a exegese da obra de outros poetas, de
outros autores, fornece pistas necessárias para um melhor entendimento da
elaboração de sua obra. Senão, vejamos: “Não é o autor que tem de reduzir a
complexidade do estilo ou abolir os vocábulos desconhecidos do leitor para
unificar a compreensão do texto. A incompreensão de um poema não nasce em sua
composição. O poema “Ítaca”, de Konstantinos Kaváfis, será bem menos assimilado
por aquele que nunca leu a Odisseia, de Homero”. E mais adiante: “Quanto menos
lê poesia, quanto menos a identifica nos textos, mais ignorante o indivíduo se
torna. Quanto mais transita sem se integrar à realidade, sem aprendizagem de sua
nominação e se nega a interagir com o diferente, mais o ignorante (aquele que
não sabe) aprofunda a incapacidade de decodificar um texto”.
Mesmo vazados poeticamente, alguns ensaios de Poesia e Alteridade, além de não tangenciarem a obra objeto da análise, tornam a leitura mais prazerosa, pelo menos para aqueles que sabem interagir e conviver com os contrários. Daí a lírica de Salomão Sousa
também primar pela alteridade, pela diferença, atributos que reivindicam
leitores, poetas e críticos que saibam se outrar, que não vivam na contemplação
narcísica do próprio umbigo.
As orelhas do livro são assinadas por Alessandro Eloy Braga e Luiz Paulo Santana. A capa é de Carlos Alberto. E Félix Volloton (1865-1925) é o responsável pelo desenho da capa e gravura das folhas de guarda.
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