Resenha de Sérgio de Castro Pinto

Quantas coisas Salomão Sousa diz nos seus poemas que, para os leitores neófitos, noviços, não dizem absolutamente nada! No entanto, quanta coisa com coisa o eu lírico diz! Primeiro, porque penetra surdamente no reino das palavras e, contrariando a receita drummondiana, faz versos sobre acontecimentos. Mas acontecimentos que fogem dos lugares- -comuns, da relação causa e efeito, da lógica cartesiana, para erigirem admiráveis mundos novos. 
A poesia de Salomão Sousa é uma poesia à parte, marginal, no sentido de nadar contra a maré da mesmice que, infelizmente, ainda grassa e prepondera na lírica brasileira contemporânea. A de Salomão pede, reivindica e até mesmo exige um leitor novo, afeito a descortinar um mundo que se cumpra através das palavras que não se veem obrigadas a rimar a palavra sono com a sua incorrespondente palavra outono, para me valer mais uma vez do poeta de Itabira. Quem conceituou muito bem a poesia de Salomão foi o crítico e poeta Miguel Sanches Neto: “(...) os poemas trazem uma densidade de linguagem própria de quem percebe a realidade como fato de linguagem. (...) A realidade nunca vence a sua poesia, pois a linguagem é mais forte, conduzindo o leitor a espaços inusitados por meio de metáforas”. 
A propósito, em resenha que escrevi a respeito de Desmanche (Gráfica Serafim, Brasília, 2018), de Salomão, acrescentei: “A linguagem, então, converte-se num mundo todo particular do eu-lírico, de onde ele extrai imagens insólitas, imponderáveis, sobretudo quando rejeita a mimese enquanto imitação pura e simples da realidade objetiva”. 
O bom prefácio de Certezas para as Madressilvas (Edição do autor, 2024) é da poeta e escritora Sônia Elizabeth, para quem a poesia de Salomão “(...) é um oceano de procuras e achados, descobertas, constatações”. A capa do livro e a linoliogravura da capa são, respectivamente, de Davi Bento e de Beto Nascimento, competentes artistas plásticos. 

 *** 

Simultaneamente ao livro Certezas para as Madressilvas, Salomão Sousa lançou Poesia e alteridade (Edição do autor, 2024), que reúne, entre outros, ensaios sobre Anderson Braga Horta, Alexandre Pilati e Guimarães Rosa. O ensaio de abertura do livro, “A Compreensão da poesia”, é bastante elucidativo a propósito não só dos poetas sobre os quais Salomão discorre como também a respeito de sua própria poesia, pois a exegese da obra de outros poetas, de outros autores, fornece pistas necessárias para um melhor entendimento da elaboração de sua obra. Senão, vejamos: “Não é o autor que tem de reduzir a complexidade do estilo ou abolir os vocábulos desconhecidos do leitor para unificar a compreensão do texto. A incompreensão de um poema não nasce em sua composição. O poema “Ítaca”, de Konstantinos Kaváfis, será bem menos assimilado por aquele que nunca leu a Odisseia, de Homero”. E mais adiante: “Quanto menos lê poesia, quanto menos a identifica nos textos, mais ignorante o indivíduo se torna. Quanto mais transita sem se integrar à realidade, sem aprendizagem de sua nominação e se nega a interagir com o diferente, mais o ignorante (aquele que não sabe) aprofunda a incapacidade de decodificar um texto”. Mesmo vazados poeticamente, alguns ensaios de Poesia e Alteridade, além de não tangenciarem a obra objeto da análise, tornam a leitura mais prazerosa, pelo menos para aqueles que sabem interagir e conviver com os contrários. Daí a lírica de Salomão Sousa também primar pela alteridade, pela diferença, atributos que reivindicam leitores, poetas e críticos que saibam se outrar, que não vivam na contemplação narcísica do próprio umbigo. 
As orelhas do livro são assinadas por Alessandro Eloy Braga e Luiz Paulo Santana. A capa é de Carlos Alberto. E Félix Volloton (1865-1925) é o responsável pelo desenho da capa e gravura das folhas de guarda.

Nenhum comentário:

Fernando Py (Petropolis)