João Carlos Taveira
Desde “Safra Quebrada”,
antologia pessoal de 2007, passando por Vagem de Vidro, Descolagem e Desmanche I, de 2013, 2016 e 2018, respectivamente, até chegar a Cascos e
Caminhos, de 2020 (o mais ambicioso dos livros de poesia de Salomão Sousa),
muita água passou debaixo da ponte. Nesse interregno, o autor de Ruínas ao
Sol também publicou livros de resenhas e artigos, a saber: Momento Crítico,
textos, crônicas e aforismos, Brasília: Thesaurus Editora/Fundo de Apoio à
Cultura, 2008, Poética e Andorinhas, 2018, e Bifurcações, 2022, ambas
Brasília: Gráfica Serafim, edição do autor.
Com exceção de Safra
Quebrada, que engloba dez livros de poemas publicados entre 1979 e 2007, os
outros três são de poesia inédita e algumas propostas autorais. Até Vagem de
Vidro, por exemplo, Salomão raramente, mas muito raramente mesmo, dava título
aos seus poemas, que seguiam curso dentro do volume impresso como um rio
caudaloso arrastando tudo que encontrava pela frente. Mas, a partir de 2018, em Desmanche I, já intitulava os poemas e procurava uma diagramação mais
arejada, o que certamente trouxe outra visão sobre sua poesia.
O livro de 2020, Cascos e
Caminhos, é um caso totalmente à parte, pois insiste na procura de um caminho
novo, já que seu autor não considera laudatório o discurso fragmentado que
apresenta, partindo da ausência de pontuação e principalmente na construção de
estrofes irregulares e versos um tanto escatológicos. Por outro lado, não
esconde sua nítida preocupação ideológica, em relação ao momento político
vivido no País. E traz também um pormenor que, às vezes, deixa incomodado o
leitor, porque os títulos das peças têm no início praticamente a mesma
palavra-chave: biografia… — com as raras exceções que só vão aparecer no fim do
volume —; e isso recrudesce ainda mais o nosso espanto e cria uma atmosfera
paradoxal em decorrência do que é descrito em versos livres, sem rima e sem
nenhum tipo de preocupação formal.
Aliás, o poeta é
literalmente contrário ao que se denomina “camisa de força” e a qualquer
fundamento técnico na construção de sua poética. Filosoficamente falando, ele
nunca escondeu o fato de estar sempre à procura de um seguimento diverso de
quaisquer práticas e disciplinas caracterizadas pela austeridade e pelo
autocontrole, postura que, para muitos escritores, acompanha e fortalece a
especulação teórica em busca da verdade literária.
Proveniente de uma poesia de
caráter telúrico, com passagem pela geração mimeógrafo ou, como quer alguns,
geração marginal, Salomão Sousa muito cedo acabou por afastar-se daquele grupo
e criar um estilo que melhor se adequasse às suas pretensões literárias. Optou
pelo verso branco, sem rima e sem conexão sintática. Intento que foi alcançado
com méritos artesanais bem-sucedidos. Sua poesia, hoje, não tem seguidores nem
mesmo parceiros de escola; deliberadamente avessa ao academicismo, constrói-se
com aquela originalidade característica dos espíritos rebeldes e
questionadores, sempre bafejados pelos ventos do inconformismo.
Entretanto, pode-se afirmar,
sem receio de equívoco, que a poesia de Salomão Sousa, nesses mais de 40 anos
de publicação, tem conquistado leitores pelo País afora, da mesma forma que o
faz fora dele, a exemplo de suas idas ao Peru, Chile e Equador, com participação
em uma antologia na Argentina e outra na Espanha. Também tem admiradores na
Cidade do México. Ali participou de encontros com escritores locais e
estrangeiros, leu poesia, trocou livros e fez visitas de grande proveito, numa
de suas últimas viagens literárias antes da pandemia do coronavírus.
O fato é que inspiração não
lhe falta. Pela diversidade de temas propostos nos livros supracitados, dá para
perceber sem nenhum esforço que se trata da visão minuciosa de um observador
atento, em busca de sua aspiração maior, que é firmar-se cada vez mais como
poeta moderno e libertário, filiação herdada talvez de um José Godoy Garcia, de
um Thiago de Mello.
Salomão Sousa, por outro
lado, se mostra seguro e resoluto diante das dificuldades de seu ofício. Mas
sabe que o caminho escolhido foi o mais acertado, porque representa a aura
absoluta que dá vida e contorno à sua personalidade artística. Por isso, aceita
o desafio com humildade e, sobretudo, com a cabeça erguida e os olhos abertos.
Que as musas do parnaso, desprevenidas, o aguardem.
João
Carlos Taveira, poeta, ensaísta e crítico, é mineiro de Caratinga e possui
diversos livros publicados. É colaborador do Jornal Opção.
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