quarta-feira, 16 de julho de 2008

Entrevista realizada no dia 30 de maio de 2008, às 18h20m


Salomão: "Alô Yuri, boa sorte pra você né, tô te vendo na história."

Yuri: Bem, a entrevista então, é baseada na sua história de vida, em toda a trajetória que você teve, não só como pessoa como também como escritor, as suas visões sobre a literatura brasiliense, como você se vê inserido, tantas questões que dizem respeito basicamente à história da literatura brasiliense e a sua própria história. Então, eu pediria que você começasse com o seu nome completo, apelido, todas as informações que façam as pessoas se identificarem com você, informações sobre você.

Salomão: Muito bem Yuri, então comecemos pelas origens, eu sou goiano, então, essa é a grande dificuldade da literatura de Brasília, pra formar sua identidade, porque, como se trata de uma cidade muito nova, então 98 por cento, 96 por cento, isso é um dado legítimo. Então 96 por cento dos escritores da cidade, ainda não são originários daqui, eles não nasceram aqui, e eu estou entre esses que vieram de fora.

Então eu sou goiano de Silvânia, nasci na zona rural, vivi na zona rural até os 12 anos, fui pra Silvânia, nessa cidade pequena que é aqui próximo, cerca de 170 quilômetros. Fiz o meu primeiro grau, até a oitava série, quando concluí, já atrasado, porque naquele período a formação era sempre muito atrasada. Você terminava o primeiro grau já tava com quase vinte anos, não era tão acelerado como é hoje. Então enquanto a juventude hoje está se formando com 20 anos na faculdade eu estava terminando o segundo grau, então eu fui fazer faculdade aqui em Brasília. Eu fui entrar na faculdade já tava com quase 23 anos, então era muito difícil naquela época, esse acesso à cultura.

Então eu já comecei a escrever em Silvânia, um contato já com a literatura daquele período, eu sempre gostei muito de ler, e foi inclusive o que me salvou, o que me deu essa possibilidade pra vir pra Brasília. Como era uma região de muito analfabetismo e tudo, as pessoas se admiravam de ter aquele jovem lendo, participando, escrevendo, e a própria família abriu espaço para que eu viesse pra Brasília. E em 1971, concluído o ginasial, eu vim morar em Taguatinga, que naquela época ainda era quase toda de tábua, em 71, com um padrinho, que me abriu essa possibilidade de vir pra cá, eu não tinha emprego, não tinha dinheiro, meu pai estava doente, de doença de chagas. Inclusive viria a falecer logo em seguida, minha família muito pobre, minha mãe até passou muita dificuldade naquela região, e tive que enfrentar tudo isso aqui com muita dificuldade.

Você não tinha pessoas pra te apoiar, você não tinha acesso a quem pudesse te arrumar emprego, então foi uma luta muito difícil, então eu demorei quase dois anos para arrumar emprego e tudo, fiquei morando em Taguatinga, onde fiz o segundo grau, num colégio de Taguatinga Sul, e continuando esse interesse pela literatura. Então eu tive, eu fui aluno da Dad Abchaini, que é essa que trabalha no Correio Braziliense, que cuida da parte de português. Então eu tive uma boa formação, assim como eu também tive em Silvânia, eu estudei em colégio de padres salesianos, que tinham muito boas formações, então eu já vim com uma boa formação de Silvânia. E como eu tive dois professores de português, quando você é escritor você se preocupa mais com o português, então eu tive a Dad Abchaini e tive um outro professor também que era poeta, e que hoje tá no Sul, trabalhando em escola, que foi o (inaudível).

Então foram dois que contribuíram imensamente pra melhorar a minha visão sobre literatura, as minhas orientações sobre literatura. Então, antes de passar para a outra fase, antes de ir para outros lugares, completar as informações, meu nome completo é Salomão Miguel de Sousa. Eu nunca usei um peseudônimo, assim, um pseudônimo que mudasse esse nome, eu só cortei o Miguel e o de, então ficou, eu sempre usei Salomão Sousa, em tudo o que eu escrevi, desde os meus primeiros escritos, ainda em Silvânia, eu sempre usei esse nome, eu nunca assinei com outro pseudônimo. Nasci em 1952, é um ano que eu gosto muitíssimo, é o ano de lançamento de um dos livros revolucionários da literatura brasileira, que foi Invenção de Orfeu, do Jorge Lima, eu acho extraordinário ter nascido no mesmo ano de sua publicação.

Outra situação também que prejudica a minha situação, não só de vir de uma sociedade goiana quase medieval, sem cultura, com culturas muito antigas, eu participei de situações de muita dificuldade, porque era muita primitiva essa cultura. É uma sociedade que sequer tem livros nas casas, não tem música, então o goiano é agora que tá começando a introduzir isso no seio da família. Então enquanto outros estavam com cultura dentro de casa e tudo, eu não tinha nada disso, eu tinha que procurar fora, então ainda é uma das grandes dificuldades da cultura brasileira é não ter cultura em casa. Você comprar cultura hoje você é inclusive motivo de gozação, você gastar dinheiro com livros, então nós temos que mudar essa concepção pra facilitar a formação do indivíduo. Então a minha formação foi prejudicada por isso, porque você demora, então eu fui imensamente prejudicado, atrasado, uma formação atrasada, porque com 23 anos os românticos estavam morrendo, deixando obras, e eu ainda tava terminando a minha formação, procurando caminho, uma aprendizagem para poder escrever.

Então eu nasci em 52, aí fui entrar na faculdade, quando vim pra Brasília em 71, com 19 anos, fui entrar na faculdade em 73 mais ou menos, já com 21 anos, 22 anos, aí que possibilitou um pouco mais de abertura, de compreensão maior do processo da literatura. Aí que eu fui ter um pouco de contato maior com a literatura, inclusive de Brasília, as participações, a melhor participação na literatura de Brasília.

Eu fiz jornalismo no CEUB, e pagando a minha faculdade inclusive, porque naquele período não tinha nem como fazer universidade pública, não tinha ninguém pra me bancar. A sorte é que em 73 você ganhando 2 salários mínimos era possível pagar a faculdade, coisa que hoje em dia é inimaginável, porque o ensino no Brasil é inviável, é elitizante. O indivíduo de uma classe menor tem uma dificuldade enorme de fazer a sua faculdade, e isso tudo prejudica a cultura, não só a de Brasília como a do país inteiro. Porque se o indivíduo não tem acesso a um poder econômico, não tem acesso a uma formação, é claro que vai escrever menos, vai ter uma compreensão menor da poesia. Por isso que lê tão pouca poesia, porque, acho que para gostar dela você tem que ter intimidade com ela, literatura você tem que ter intimidade com ela. Como é que você vai ter essa intimidade com ela se você não convive com ela? Então você tem que ouvir na faculdade, mas o indivíduo ta aí sem dinheiro, não pode comprar livro, não pode ter formação. Então é uma grande, inverte as questões de valores, tudo isso vai tendo essa grande dificuldade.

Mas eu já era apaixonado por tudo isso, então por espontaneidade, não quer dizer que alguém me trouxe isso não, eu tive que ir atrás e colocar isso na mão. Todo dia que eu fui ler, que eu fui atrás, não quer dizer que estivesse dentro de uma casa que eu chegasse que tivesse livro, então tinha que ir atrás pra conseguir essas coisas. E aí quando eu fui fazer a faculdade, essa proximidade dos escritores no meio acadêmico também me ajudou imensamente. Porque aí já tinha outros escritores no CEUB também, como o Luiz Beltrão, a Zita Andrade, que foram meus professores, e que possibilitou também a abertura, porque através deles eu já tive acesso à Associação Nacional de Escritores. Apesar de eu não ter livro publicado eu passei a freqüentar a Associação de Escritores, eu ia lá jovem ainda, sentava ali e ficava ouvindo todo mundo, aí conheci aqui de Brasília a Associação Nacional de Escritores, eu ficava ali junto com os escritores.

Já em 76 pra frente eu passei a freqüentar a Associação Nacional dos Escritores como ouvinte, aí eu já tinha dois grandes amigos, que passamos a publicar livros mimeografados. Se bem que eu não sou considerado da geração mimeógrafo, apesar de ter publicado livros mimeografados, porque eu não participei, como eu trabalhava, não era assim parecendo um hippie, de estar dentro de bares e tal, eu não sou considerado da geração mimeógrafo. Porque a geração mimeógrafo ela tá também associada a um comportamento, então como eu trabalhava, estava numa outra rotina, que vendia menos livros, eu vendia dentro do serviço público, em outros meios, sem ser bares e tudo, então eu estou fora da geração mimeografa. E eu também não estava preocupado em escrever como a geração mimeógrafa, eu estava ligado um pouco à tradição e um pouco à vanguarda, procurando ainda um caminho sem ter muito conhecimento disso, enquanto que a geração mimeógrafa tava querendo quebrar todos os tabus, também sem saber muito o que estava fazendo. Porque a grande geração da poesia de Brasília é a geração mimeógrafa, com o Nicolas Behr, Chacal, (irreconhecível), Afonso Henrique Neto, Eldor Augusto, então tem toda uma geração, a Xënia Antunes, que não foi tanto geração mimeógrafa, mas como era jornalista contribuiu muito para a repercussão da literatura de Brasília no meio da imprensa.

E aí como eu estava ligado também com a Associação Nacional do Escritor, eu até hoje não me insiro e não estive inserido na geração mimeografa deste período. Mas nesse período a gente tinha dois grandes amigos, um que se afastou da literatura, só publicou livros junto comigo, foi o Ronaldo Alexandre, o outro também que se afastou, tem muito material inédito, que é o Cunho Prado, chegamos a publicar alguma coisa juntos, mas ele se interessou por outras questões e se afastou da literatura. E aí fui me aproximando de outras pessoas. É claro que essas amizades perduram até hoje, são meus grandes amigos, porque a minha formação literária se deu junto com eles. E a grande formação foi justamente dentro da Associação Nacional dos Escritores, mas ao mesmo, como eu publiquei livros mimeografados, tinha aproximação com a geração mimeógrafa, então eu tenho livre trânsito em todas as correntes da literatura de Brasília.

O meu trânsito, com grandes amizades, no meio mais acadêmico, da Associação do Escritor, da Academia Brasiliense de Letras, como tenho também no meio menos acadêmico, onde circula o Menezes de Morais, o Nicholas, então eu tenho essa aceitação e que me possibilita ter amizades em todos esses círculos. E tem alguns movimentos que participamos. Então o que poderíamos destacar dessa evolução da literatura de Brasília e que eu poderia, que eu participei disso? A geração mimeógrafo ela aconteceu na década de 70, assim já de uma resistência à ditadura, e de resistência à poesia de vanguarda, excessiva, aquela poesia processo, poesia práxis que acontecia no Brasil, e que a juventude queria desconstruir tudo isso. De uma forma mais direta, mais debochada, mas ao mesmo tempo mexendo na questão social. Eu também estava preocupado com isso, de ser menos acadêmico, menos vanguardista, uma poesia mais leve, então por isso eu cheguei a me aproximar um pouco disso.

Mas nessa década de 70 que a literatura tava começando a ter um caráter brasiliense, porque antes era só as pessoas que vinham de fora e que já estavam com a sua obra pronta, como era o Domingos Carvalho da Silva, da geração de 45, que tava aqui, o Antônio Carlos Osório, o Fernando Mendes Viana. Então eram poetas que estavam chegando de fora, com uma obra já com caráter acadêmico, como o Joanir de Oliveira, que foi o grande divulgador da literatura brasiliense, e que estavam girando em torno da Associação Nacional do Escritor. Com o surgimento da geração do mimeógrafo que começa a polarizar a produção literária de Brasília, e aí começam alguns movimentos que isso tudo gera, de resistência, leituras públicas em época do Apartheid. Eu não participei de nenhum movimento político, porque essa geração de 52 participou menos. Porque eu fiquei fora das Diretas, porque eu tava mais velho pras Diretas e estava muito novo pro movimento de 64, em 64, 68, 68 eu até poderia ter participado, mas eu estava num momento em que eu não tinha nenhuma autonomia econômica pra participar disso, eu estava num momento em que eu precisava, eu estava chegando de Silvânia, estava longe do processo, precisava de arrumar um meio econômico de sobrevivência, apesar de ter consciência política da questão.

Por isso que eu compreendo que eu não participei desses movimentos de esquerdas do Brasil, se bem que eu discutia isso desde Silvânia com os meus amigos que eu deixei lá, que o processo da juventude naquele período era muito maior de discussões. Hoje os jovens não se reúnem para discussões políticas de questões nacionais. Há uma forma diferente de encarar a forma dos debates, naquele período não, os jovens, apesar de o acesso à cultura ser muito difícil e o próprio processo de compreensão política, mas ele queria ter essa compreensão do que podia ser feito com o país, por isso essa resistência tão grande e que desaguou no regime militar. Tudo isso o que nós conhecemos, com a repressão toda e quem mais pagou isso foi a juventude, quem mais pagou todos esses desastres foi a juventude, com suas vidas, porque não foi só com a vida que a juventude perdeu, porque morreram muitos jovens. A maior perda foi a falta de formação, porque se tivesse uma boa formação naquele período, a nossa política já tinha progredido muito mais.

O próprio sistema de universidade que foi criado, e que possibilitou esse questionamento, mas de qualquer forma ele foi feito para não ter debate político. Porque a universidade é feita fora da cidade? Quando você pega um campus universitário, é como se ele não tivesse inserido na sociedade, é um troço isolado, como se você não pudesse debater, fosse uma coisa só acadêmica. Mas o jovem acabou procurando meios de reagir a isso, inclusive com a literatura, dentro da própria faculdade teve muitos movimentos. Não digo que eu participei porque eu não estava na UnB, mas dentro da UnB teve muitos jovens, o Armagedon que lia poesia, os jovens liam poesia dentro desses movimentos, então sempre teve uma participação muito grande.

Mas aí quando foi, já em 78, quando tava acabando os regimes militares, haviam muitas leituras públicas de poesia, poesias de resistência. Então Brasília, eu digo nessa antologia que eu estou organizando para a Bienal Internacional de Poesia que vai acontecer em setembro na Biblioteca Internacional de Brasília, eu já fiz uma introdução dela, que a poesia daquele período, ela não podia ser de vanguarda. Como o país estava em ebulição, em alteração política, saindo de um regime militar com muita pressão, a poesia em Brasília foi contaminada por esse processo político. Era uma poesia de muita resistência, ela não era de vanguarda. Enquanto Brasília era moderna a poesia não era moderna, então era uma poesia do jovem, a do jovem não era moderna, era uma poesia marginal, de resistência de rua, de anotação, ela não era vanguardista, assim, de linguagem, que misture poema visual.

Nada disso, era uma poesia exatamente pra resistir, e a acadêmica também acabou se voltando pra isso, pra resistir contra o regime político. A efervescência política, então a poesia não acompanhou esse aspecto moderno de Brasília, de acompanhar sua arquitetura, esse aspecto todo. Eu acredito que essa modernidade só vai alcançar daqui pra frente, porque aí aqueles, os jovens que vão se formando, os poetas que vieram pra cá vão alcançar uma autonomia financeira, uma compreensão melhor das coisas, uma vida mais abastada, mais resolvida, uma sociedade mais organizada. Aí sim a poesia vai poder encaminhar-se para uma maior modernidade, porque enquanto a sociedade tiver dificuldade, uma cidade em desordem política, a poesia vai acompanhar essa resistência.

A literatura acompanha a realidade, então se há um problema na realidade, a literatura ta acompanhando esse problema na realidade. Então só quando as coisas se organizarem a poesia vai ter preocupação de acompanhar o que é moderno na cidade: "então agora eu posso procurar o texto em si mesmo, procurar ser neo-barroco como ta se fazendo em outras localidades". Porque ninguém hoje em Brasília ta preocupado em ser um poeta neo-barroco, porque ta preocupado em que destino tomar em conjunto com essa afirmação política da cidade, ainda ta procurando caminho também. A poesia acompanha esse aspecto histórico da cidade, então se a cidade ta procurando uma afirmação política e não se encontra, a poesia também ta perdida procurando também a sua afirmação junto com esse processo do real.

Vamos ver mais, qual outro caminho que nós vamos procurar mais.

Um dos grandes movimentos que eu participei, vamos assim procurando os caminhos, que eu gostei muitíssimo de participar em Brasília, foram realmente o das leituras. E uma das coisas mais bonitas que nós fizemos foram resistências contra o Apartheid africano, que reunia muita gente na Torre, em frente ao Conic... Armávamos grandes palanques e cada um dos poetas escreviam poemas em defesa da África do Sul. Vários poetas saíram em jornais de outros estados com seus poemas, isso com o ápice, quando mataram o Moloise na África do Sul, poeta que estava preso, eles mataram o poeta, tudo muito chocante naquele período, e que nós fizemos grandes movimentos, e não sei se teve alguma repercussão, pelo menos estava acontecendo na capital do país, de repente ter contribuído para ter algum reflexo pra ajudar nessas aberturas e discussões, de aceitação de mais abertura e integração racial, coisas importantes.

Naquele período então aí viemos passando já pra, porque até aquele período em 79 eu não tinha publicado um livro individual. Aí quando foi em 79 veio a minha necessidade já de publicar um livro pessoal, aí reuniu os meus poemas iniciais que foram motivados pela vida da minha mãe. Se bem que não é uma biografia dela, então são os poemas pra uma mulher sertaneja, que enfrenta suas questões, junto com alguns outros poemas. Aí eu reuni esses poemas, junto com alguns outros, o título do livro é baseado numa expressão que a mulher goiana usa, que o homem goiano usa, que diz que quando passa trabalhando o dia todo e fica muito cansado diz "olha, parece que me passaram na moenda", então isso é, que ta moído, que ta cansado. É um título de livro que todos gostam muito que é a "Moenda dos dias", e foi muito bem acolhido e tudo, tem capa do Drummond sobre o livro, diversas declarações que me deixam envaidecido até hoje de tê-las recebido.

Isso foi em 79, em 80 eu inclusive esse era o meu segundo livro que estava pronto, porque eu tinha um outro livro que se chamava "O susto de viver", eu falei então "agora eu vou publicar o segundo livro". Nessa época existia o Instituto Nacional do Livro que ajudou muito a publicar poesia no Brasil. Eu fui ao balcão do Instituto Nacional do Livro e inscrevi o meu livro para publicar, "O susto de viver". Eles aprovaram e com isso a "Moenda dos dias" já tendo muita acolhida, aí eu pensei "poxa, eu podia publicar os dois livros juntos", voltei ao balcão lá e falei que eu queria publicar o outro livro junto, aí falou "não, mas aí você tem que pedir outra autorização pedindo pra juntar", falei então "junta aí que eles autorizam".

Eles autorizaram e aí saíram os dois livros reunidos, pela Civilização Brasileira. Foi uma fase importante, isso em década de 80, foi uma época até que eu organizei duas antologias de escritores de Brasília, uma de poetas, que é o "Encanto Cerrado". Até me lembro muito bem do lançamento, foi um evento extraordinário, que foi na época da livraria Galilei, onde ocorriam muitos lançamentos, era uma livraria que atraía muita gente de Brasília, e traziam muitos escritores aqui. Fizemos o lançamento lá, foi até numa noite chuvosa, chovia a cântaros, e vendemos 179 livros, então foi um lançamento extraordinário dessa antologia. Então era uma época muito efervescente em que a cidade respondia aos eventos culturais, você fazia leitura na rua e tinha gente pra ouvir, você fazia um lançamento e tinha 179 pessoas pra comprar os livros, então era uma coisa extraordinária.

Em seguida, como foi um sucesso da antologia de poetas eu, isso consorciados, todos pagados, não tinha editora nenhuma para bancar as publicações. Em seguida eu organizei uma de contos, até o Cristovam diz assim: "Salomão, você foi meu primeiro editor" porque o primeiro texto que o Cristovam publicou em livro foi nessa antologia, então ele sempre faz muita festa quando me encontra, porque o conto dele está nessa antologia.

Então era muito efervescente, e isso me possibilitava a proximidade com a literatura de Brasília. Mas a literatura entrou numa crise muito grande de identidade, os próprios autores entraram. Vencido esse período de resistência à ditadura a poesia ficou também muito desnorteada, não é um período de grandes livros, eu mesmo leio meus livros seguintes e fico com muita dúvida.

A poesia entrou num grande impasse, porque você, diante dessa pauta, diante dos movimentos de poesia visual, de poesia marginal, a poesia não queria mais uma poesia acadêmica, parnasiana, de soneto, ela queria encontrar um caminho novo, e cabia a você fazer essas tentativas.

Por isso quando eu fui rever agora os meus livros seguintes, depois de "A moenda dos dias" e "Susto de viver", que eu já tinha publicado mais três livros na década de 80 e início de 90, foi "Falo" que era já resistência, meio amoroso e tudo, e também, quais os outros livros meu Deus? Aí em seguida foi "Cadernos de desapontamentos" e também "Criação de lodo". Então são os meus livros intermediários, dessa fase que não houve grande desenvolvimento na literatura, não só brasiliense, mas do próprio país. Você não tem grandes poetas dessa fase, então sobram um ou outro e que vem de fases anteriores, e que não se firmaram, porque os grandes poetas que vieram a se firmar depois, já no final da década de 90 e tudo. Na década de 80, essa foi uma grande dificuldade na literatura de Brasília, esse grande vazio na literatura. O que passou a literatura marginal, os poetas continuaram fazendo literatura marginal, já não era mais identidade, e os poetas marginais geralmente não evoluíram, e vai criar um grande problema pra eles, porque a poesia não é mais marginal.

Nós temos de convir que a poesia hoje já é uma outra, eu vou até escrever um artigo sobre isso, então ela já ta num outro patamar, e os poetas marginais não progrediram nisso, o Chacal, o Nicholas Behr, se o Nicholas souber disso ele me mata. Porque viraram alguns ícones, mas estão tendo dificuldades de ajustar a sua poesia.

Nessa fase, e que precisava de ajustes, aí já quase em 2000 que a literatura vai criando uma maturidade, uma visão melhor. Mas Brasília ainda ficou com uns vácuos muito grandes, nós não podemos dizer que ela tenha evoluído tanto e que tenha chegado a esse lado moderno que é Brasília. Então ela já não acompanhou tudo isso, porque os poetas ainda estão inseridos numa preocupação muito grande de afirmação profissional, de questionamento da cidade, dos seus destinos políticos. E a poesia ainda não teve tempo para esse grande ajuste moderno que Brasília precisa na sua poesia.

Nós podemos dizer que algumas experiências na poesia de Brasília que são importantes. Eu destaco 3 poetas: o Di Júnior, que tem exposições nacionais, participou um pouco de poesias de vanguarda, hoje ele ta muito abandonado em Brasília, se algum colega seu quiser fazer um bom trabalho é procurá-lo que ele tem uma compreensão muito boa sobre poesia. Na verdade ele ta muito assim, descrente, ele ta mexendo com essa nova linha de pensamento racional, essa coisa assim, e abandonou muito a literatura, mas é uma poesia que avançou muito e é uma poesia extraordinária.

E um outro, que é o Osvaldino Marques, também que, não, o Osvaldino Marques não, minto, o Altino Caixeta, que eu acredito que foi um dos grandes avanços na poesia de Brasília, um dos grandes mentores, e que ainda ta desconhecido. Ele já avançou bem mais numa poesia mais surrealista, bem mais, mas isso sem estar envolvido num movimento. Não quer dizer que Brasília teve movimentos pra fazer esses poetas, eles fizeram de forma isolada. O único movimento mesmo foi a literatura marginal, que os poetas se encontravam mais amiúde, e tinham aquele fim de estar junto da população vendendo seus livros.

Os outros poetas, como é o caso do Di Júnior, do Altino Caixeta, e, qual o outro que eu ia citar meu Deus? O outro é o Cac, que ta mais novo agora, e que é uma promessa, o Francisco Kak que é uma grande promessa da literatura de Brasília nesse sentido de avanços, então eu acredito que ele pode alcançar algumas coisas novas.

O outro, que fez "Com muita solidão", e que faleceu esse ano agora, que era o Otavio Afonso, ganhou um prêmio em Cuba e tudo, também tava com um poesia extraordinária, é até triste tocar nisso porque ele morreu muito novo. Ele é da minha geração, teve um câncer e morreu esse ano, a poesia que ele deixou num blog inédito, os poemas tão todos inéditos, ele publicou só um livro em vida, que são poemas extraordinários. Que avançou bastante também dentro dessa modernidade, que é o Otávio Afonso, um poeta extraordinário e qualquer um que for citar a literatura de Brasília tem que mencionar o Otávio Afonso pelos seus avanços. Se hoje nós falamos numa literatura neo-barroca, que avança assim e tudo nós não podemos esquecê-lo, ele que avançou nessas linguagens.

E a grande, em Brasília, essa literatura mais oficial, tem um escritor aí, um poeta, que hoje é embaixador acho que na Nicarágua, o José Roberto. Ele escreveu um livro e que resgata, numa literatura oficial e na poesia marginal, então ele examina esses movimentos. A marginal é mais ou menos a que gira em torno do Nicholas Behr, e tem a literatura oficial, que gira em torno da Academia Brasiliense de Letras e da Associação Nacional do Escritor. Que tem grandes nomes, que hoje já ta se sobressaindo em antologias nacionais e tudo, que poderíamos citar uns 4 nomes, como é o Anderson Braga Horta, que ganhou o Prêmio Jabuti, o Fernando Mendes Vianna, que faleceu recentemente, e o Joanyr de Oliveira.

Eu faço parte da Associação Nacional do Escritor, não como um acadêmico, com uma poesia acadêmica. Eu não me insiro numa poesia acadêmica, eu to procurando agora umas experiências para me aproximar mais da literatura latino-americana. Isso até eu me sinto feliz, porque a minha poesia sempre foi de muita pesquisa, se o início era muito de aventura, muito ligada ao meu real. Agora eu tenho uma necessidade dessa compreensão de avanço e modernidade, de avançar, porque você vai criando uma consciência crítica, então dentro dessa consciência crítica eu sei que eu tenho que fazer pesquisas para me aproximar de caminhos novos da poesia.

A poesia que não avançar ela ta morta, entende? Ela precisa de caminhos novos, e na América Latina tem um segmento novo ligada às vanguardas, sem ser vanguarda, sem ser poesia visual, o poema praxis, que eu prefiro chamar de pós-vanguarda, e que aqui no Brasil já tem alguns seguidores, que é o neo-barroco. Então meus dois últimos livros já foi uma tentativa de chegar a essa poesia. Então não sei se eu to, eu acredito que eu estou num bom caminho, os dois livros foram premiados e tudo, coisa que não tinha alcançado com os primeiros livros.

É o que se precisa, então basta ver que você consegue alguma coisa e já começa um reconhecimento por isso. Essa poesia neo-barroca ela ainda é discursiva, ainda é baseada no texto. Só que ela não tem a obrigatoriedade de uma expressão frasal, então a frase ela não é completa, ela tem espelhamentos, tem tanto de idéias quanto de palavras, tem que ter muita sonoridade interna, tem que ter imagens chocantes uma dentro da outra, quase surreal, não precisa ter a obrigatoriedade de estar fazendo uma crítica do real, e sem ser parnasiano sem ser nada. Então há poetas extraordinários nessa linha, e que eu gosto imensamente de um mexicano, que ele é uruguaio, mas que está no México, que é o Victor Sosa, já traduzi uns três poemas dele, e tem coisas impecáveis nessa linha.

Então eu acho que a poesia que se for fazer daqui pra frente tem que ser com muita pesquisa, e tem que sair muito do nosso modernismo inicial. Não se faz mais poesia só pra criticar o real, pra criticar um momento amoroso, nada disso, tem que ser uma aventura quase surreal mesmo, onde a palavra que é a coisa dela. Esse entrechoque das palavras, de criar situações, para criar a beleza. Por isso que eu me sinto feliz de no ano em que eu nasci de ter surgido o "Invenção de Orfeu", porque o "Invenção de Orfeu" eu acho que é esse espelhamento do que é a poesia daqui pra frente. Até a pouco eu tava aqui com o Ronaldo Costa Fernandes, que é um grande amigo, poeta e ficcionista daqui de Brasília. E que no Brasil o grande poeta é o João Cabral, mas eu prefiro esses, porque o João Cabral trabalha com o real, o nordestino ali e tudo, o espanhol.

Mas eu prefiro essa aventura do "Invenção de Orfeu", porque é no "Invenção de Orfeu" que a palavra ela existe em si mesma, ela cria outras dimensões, e eu acho que isso tem muito a ver com Brasília, porque Brasília o que é que ela encanta? Ela não encanta não é por ter política, não é por ser uma questão, é por ser inovadora nessa curvas que tem na sua arquitetura, essa coisa quase vazia, que parece que não existia noutro lugar, será que é possível inventar uma curva, o Niemeyer fazia, faz um desenho curvo e depois vai fazer um prédio dentro dessa curva. Então acho que isso é que é poesia, que tem que ser a poesia de Brasília, imaginar um negócio, e diferente, não é em formas que já estavam prontas, é inventar novas formas, uma dimensão nova pra essa poesia. Porque já que a arquitetura foi criada numa nova dimensão, que a poesia também venha com uma nova dimensão. O que é difícil, porque, qual a grande dificuldade pra cultura? Porque ela se faz com alguns elementos, e os elementos são exauríveis, como se trabalha com palavras, formas, nós já temos o surrealismo.

Mas a arte, ela é milagrosa, em determinado momento, nesse entrecruzamento de tradição, acaba surgindo uma coisa que você nem esperava. Ontem eu ouvia o depoimento de uma bióloga, depois que aprovaram aí a célula-tronco, aí no dia seguinte o cara bate na porta e diz "eu vim aqui já pra fazer o meu tratamento". Mas acontece que agora é que vai começar a pesquisa. Assim como é com a célula-tronco é também com a arte, você não pode falar "eu vou sentar aqui e fazer a coisa nova".

A novidade na arte surge num momento em que ninguém espera, você não pode falar "poeta, você não ta fazendo aquilo que é necessário". Mas até o crítico não sabe aquilo que é necessário, ele surge de onde menos se espera, então a arte é isso, é de uma naturalidade das conjunções. Você não pode decidir aquilo que se deve fazer, tem que se fazer acertando ou errando, então Brasília tem que continuar fazendo. O que tem que aumentar em Brasília, pra sobressair o que existe de bom aqui, tem que aumentar é o processo crítico, ter maior participação, porque se o seu ambiente não é questionado, você não tem o que fazer.

Então nós temos que aumentar em Brasília o processo crítico da arte, pra ser crítico político, crítico social, crítico não sei o quê, e a crítica artística? Este questionamento? Então só onde há questionamento há necessidade de aprimoramento. Então em Brasília o que é necessário é a ampliação do processo crítico da arte, para ela melhorar.

A forma de financiamento, de publicação dos livros, se dá de diversas formas. A poesia ela tem uma grande dificuldade, porque se não lê poesia também não se vende, há uma vendagem muito pequena de poesia no Brasil, e em Brasília não é diferente. As editoras publicam poesia porque ela dá notoriedade aos catálogos. Alguns poetas são escolhidos pela editora para dar notoriedade ao catálogo dela, mesmo que não venda ela tem lá "publicamos poetas x e x". Porque ter um Drummond no catálogo é notoriedade pra editora, é mais notório do que publicar uma Maitê Proença, porque todo mundo sabe que é muito mais importante ter publicado um Drummond do que ter publicado um Garrincha ou publicar não sei quem, então o poeta dá notoriedade aos catálogos.

O difícil é você se firmar como um poeta, ser o eleito para dar notoriedade a um catálogo, então enquanto o poeta não é o eleito, porque os eleitos são poucos, são pouquíssimos, hoje nós podemos dizer que tem 4 ou 5 poetas eleitos no Brasil para dar notoriedade a um catálogo. Então há necessidade de algumas alternativas, uma delas é o financiamento do próprio poeta, as edições financiadas, o que ta ficando muito difícil no Brasil, porque o processo editorial ta ficando muito caro, o papel é caro. Então hoje publicar um livro é muito caro, o poeta pra tirar aí 6 mil reais do bolso para publicar um livro vai ficando inviável hoje em dia, mas mesmo assim acaba arrumando alternativas de publicação.

Então até 93 eu financiei, eu paguei a edição de uns 4 livros, e consegui o financiamento de um pelo INL. E também nesse período até que eu não tive prejuízo com a publicação de nenhum livro, como você era mais novo, dividia de mão em mão, fazia lançamentos, e acabava repondo o dinheiro do livro que você publicava.

Depois disso eu passei um período sem publicar, mas aí eu já ganhei um prêmio, que possibilitou a publicação, os dois prêmios já possibilitaram a publicação do livro. E agora, no ano passado, que eu publiquei a antologia da minha obra, o GDF tem um programa de incentivo à cultura, que é o FAC, que possibilita aos escritores de Brasília publicar as suas obras. Isso era uma reivindicação antiga dos escritores de Brasília, porque a maioria dos estados tem o seu incentivo à cultura. A sociedade também não pode viver sem cultura, é um atraso nos seus questionamentos, na sua vivacidade cultural, então o Estado tem que participar disso, senão morre tudo.

Com o programa de incentivo à cultura em Brasília, daí a uns 4 anos, isso melhorou muito em Brasília. Então tem surgido muito mais escritores, muito mais obras, e que começa a possibilitar talvez até aumentar o processo crítico e até incentivar mesmo a produção. Porque você sabendo que vai ter uma forma de publicar, você também escreve mais, o autor também vai escrever mais. E à medida que escreve mais ele pesquisa mais, então de repente até há uma evolução na poesia, na ficção de Brasília. Eu acredito que possa ter uma melhoria importante, como já teve, já surgiu bem mais escritores em atividade em Brasília, que estão se sobressaindo com as suas obras.

Nesse ano eu devo publicar mais um livro, que é de artigos, que eu já publiquei na imprensa. Em Brasília são poucos os espaços para os escritores, a imprensa não tem espaço para os escritores de Brasília. Apesar de dizer que tem caderno e tudo, mas não há espaço e tudo. Se eu escrever uma resenha hoje não tenho espaço em Brasília, eu tenho que me valer de outros locais mas que são muito poucos. Eu tenho às vezes que me valer d'O Rascunho em Curitiba, ou então em Goiás, em Goiás o artigo que eu quiser publicar eu consigo. Mas você não é remunerado, você ta sempre escrevendo de forma graciosa. Aqui em Brasília nós podemos dizer que não há nenhuma publicação voltada para a literatura brasiliense, em questão de publicação diária, semanal ou mensal, não existe. O que existe é um boletim da ANE com poucas informações, umas revistas das academias, mas que não são voltadas assim para uma circulação mais ampla, de chegar ao público, pra chegar ao público não existe nenhuma publicação. O que impede imensamente o autor brasiliense de ter transparência na cidade, então essa é a grande dificuldade.

O que tem ampliado é o meio virtual. Não sabemos se essa vai ser a grande tendência da literatura. Eu não confio muito nisso, auxilia, mas eu acredito que o que nós ainda temos que batalhar muito, não sendo conservador, o livro ainda é fundamental no auxílio da formação individual, de humanismo, de prazer de cultura e tudo. Porque o meio virtual ele é muito enganoso, apesar de todos estarmos no meio virtual, muitos escritores, muitas páginas voltadas para isso, e ter um interesse muito grande no meio disso, ele ainda é muito enganoso. Isso é muito fragmentado, e não podemos garantir que isso seja um grande formador de humanismo, de prazer de leitura, então eu acho que isso ainda é muito em suspeição, ainda há muita suspeição em relação a isso.

Então, o processo criativo:

Eu não tenho um processo criativo sistematizado, assim "tal hora eu vou escrever, vou produzir tantas horas por dia" o poeta não tem muito disso, ele não tem uma fixação de horário. Eu sempre escrevi, geralmente no horário noturno, você chega de um trabalho, você tem um processo, você escreve. Às vezes até em momento de trabalho mesmo, escreve em horário de almoço, na rua às vezes você tem os seus imaginários e você produz.

Até que nos dois últimos livros eu tive um processo assim, mais profissionalizado, como eu estava pesquisando, queria fazer as produções, eu pegava meus textos e trabalhava os meus textos já em horários mais específicos. Isso é prova de que você não precisa esperar inspiração para escrever, escrever é trabalho, é você sentar mesmo com a disposição de escrever, de produzir, então até a poesia é isso. Você não pode ficar esperando sentado que o poema não vai cair na sua cabeça, você tem que sentar e produzir, se não funciona, pega, recomeça, joga fora e recomeça, até alguma coisa te satisfazer. Escreveu? amanhã volta àquele texto, vai produzir de novo, porque a maioria acha que produziu um texto e já ta pronto , não ta, às vezes você tem que mexer com ele 20 vezes até ele ter uma determinada ordem que você precisava.

Mas a medida que você vai chegando a determinadas fases você tem melhor processos de introdução, então você estabelece melhor os horários.. Vê o que mais está faltando aí pra nós.


Eu tive vários momentos de convivência com a cidade. Como eu não dirijo, não por aversão ao carro, não é isso, Drummond não dirigia, diversos escritores não dirigiam. Quando você tem uma ligação com o livro, com outra coisa, você tem essa intimidade diferente. Nunca aprendi a dirigir, então isso me possibilitou uma intimidade maior com a cidade. Eu estou sempre andando de ônibus, você pode ter um contato melhor com a população, eu já morei em diversas cidades satélites, então eu já tive diversos contatos com diversas sociedades. O que me auxilia muito, porque você tem uma visão social que também contribui com a poesia, porque a poesia de gabinete ela é fria e às vezes muito ridícula.

Eu comecei morando em Taguatinga Sul, na Vila Matias. Eu ia ao cinema, como juventude, eu vivi em Taguatinga Sul. Um pouco solitário mas já tinha algumas amizades, muito cinema, assistia os meus filmes no Cine Lara. Você assistia o filme até de pé, porque o filme era uma grande seqüência, e que ia mudar depois com a entrada da televisão.

Depois eu mudei para, de Taguatinga Sul, com muita dificuldade, eu morei até por um período, que meu pai faleceu. Eu morava num quarto de 2x2 mais ou menos. Sozinho, tinha que cozinhar e tudo, fazer a minha faculdade, chegava de madrugada da faculdade, de madrugada não, aí já é exagero, chegava ali quase meia-noite e não tinha nem banheiro para tomar banho, então foi um contato muito duro.

Mas esse era o modo de viver de muitos que estavam morando ali, em Taguatinga nesse período, eram vários barracos dentro dos quintais e todo mundo morando, porque todo mundo tava começando. Não tinha nem banheiro, não tinha água quente não tinha nada, o cara chegava e tinha que tomar banho de mangueira dentro de uma privada. Não tinha nem rede de esgoto, tomava banho dentro daquele banheiro, chovia, a água caía e caía dentro da privada e tava tomado o banho. E isso era quase toda a sociedade, quantos não estavam fazendo isso? Quantos trabalhadores não estavam fazendo assim?

Em seguida eu me mudei para Taguatinga Norte, aí eu já melhorei o local de moradia e tudo. Estava terminando a minha faculdade, trabalhava em Taguatinga norte. Tinha uma ligação com produção, trabalhava na Fundação Educacional, junto com os estudantes e tudo. Mas foi até uma época muito difícil e tudo, porque eu fui trabalhar no setor de limpeza do colégio, dirigir o pessoal de limpeza e eu não tinha nenhum traquejo para dirigir aquele pessoal. Como é que eu ia dar ordem, eu que sempre fui mais voltado para estar lendo? Dar ordem pra faxineiro e tudo isso? Então eu tive muita dificuldade e foi um desastre essa minha experiência.

Mas nisso eu passei num concurso para o Ministério da Fazenda, aí eu mudei já os focos, terminei a minha faculdade e me casei também. Eu e minha mulher fomos morar no Guará e moramos no Guará por algum tempo. Então eu conheci diversas sociedades de Brasília, por isso eu tenho amigos hoje em toda a camada social, tenho amigo na Ceilândia, no Guará, todos os locais. Eu morei nesses locais, com pessoas humildes, o que me possibilitou essa vivência de compreender as pessoas de Brasília. Não vivi num meio social abastado, a minha poesia foi feita, às vezes me cobram isso, não, não precisava mexer com questão social e tudo, mas é onde eu estava pra poder ter essa compreensão de sociedade.

Então compramos uma casa em Ceilândia, cheguei lá não tinha nada, era bairro entregue pelo governo que não tinha nem água, mandava o indivíduo morar lá e não tinha água pra tomar, beber, tomar banho e cozinhar. Tive que brigar, participar junto ao governo para poder mandar água para aquele bairro da Guariroba que eu comecei morando lá. Comprei a casa e as pessoas já estavam morando lá, porque eu não fui, comprei a casa já de um terceiro e as pessoas estavam morando lá sem água. Em 15 dias que eu estava lá eu consegui que o governo colocasse água lá. Ninguém nem reclamava, fui reclamar, falei "vamos colocar água nesse negócio". Com muita dificuldade, seu filho ficava doente e você não conseguia sair de casa para poder levá-lo para tomar uma injeção, porque era tanta poeira, como você ia sair com seu filho com pneumonia pra poder levá-lo pra tomar uma injeção? Então a vida de pioneiro de Brasília, assim como o sacrifício, mas de uma formação, de uma experiência de vida muito importante.

Acho até que falta isso ao jovem hoje, para ele valorizar mais a vida, para ele respeitar mais o outro. Acho que essas dificuldades que o jovem não enfrenta hoje traz um vazio muito enorme à vida dele, pra saber que a vida tem o seu aspecto intenso. Senão diz "não a vida é um troço meio vazio mesmo então eu posso matar, posso não sei o quê". Então eu acho que ta faltando o que os filósofos chamam de rito de passagem, os jovens de vez em quando tem que tomar uma bordoada pra poder dizer "pô, então a vida é importante", acho que ta faltando uma bordoada nos jovens hoje. Porque se ele não tem a bordoada ele não preocupa com a sociedade, não se preocupa com o outro, não se preocupa com a política não se preocupa com nada, e nós vivemos num meio em que a qualquer momento nós podemos tomar uma bordoada.

Os escritores eles não são muito sociais, os escritores são introspectivos. Eu não fui muito de bares, então como a poesia de Brasília esteve muito fundamentada em bares, o Beirute era o grande centralizador da cultura em Brasília, os poetas, os jornalistas e tudo. Não fui um freqüentador do Beirute, talvez esse seja até um dos fatores que eu não seja enquadrado na poesia marginal, porque a poesia marginal girava em torno do Beirute.

Sempre freqüentei a Associação Nacional dos Escritores como meio literário. Alguns lugares de leitura de poesia mas muito pouco, eu freqüento menos porque nós temos aqui o coletivo de poetas de Brasília, do Menezes de Morais, que promove leituras em alguns determinados locais, ele vive mudando de bar, de algum lugar de leitura, então geralmente eu participo também do coletivo de poetas de Brasília do Menezes y Morais.

Agora, quanto na vida social, na vida moderna ela ocorre muito no ritmo da sua própria casa. Eu freqüento menos clubes, a minha família freqüenta o clube do próprio trabalho, as vezes a gente freqüenta lá, que é o Clube da Fundação Hospitalar, que fica aqui no Setor de Indústrias. Freqüento famílias, mais da minha mulher, porque eu tenho menos familiares em Brasília. Estou sempre retornando à minha cidade, Silvânia, a minha mãe continua morando lá, então pelo menos umas 4 ou 5 vezes ao ano eu retorno à Silvânia, com as famílias. E atualmente para poder intensificar a relação com alguns amigos e até com alguns escritores, eu tenho promovido também sessões de cinema na minha casa. Então a partir de você assistir um filme você também abrir o debate, dialogar, então os escritores também se encontram muito nas suas casas. Há muita reciprocidade, é também uma forma dos escritores se mostrarem, nas suas casas.

Cultural, as terças literárias da Associação Nacional do Escritor, atualmente, eu estou remetendo pra cá, e isso é mais antigo, porque as terças literárias da Associação Nacional do Escritor ela é antiga, ela ocorre há muito tempo. Então de 15 em 15 dias tem uma palestra na Associação Nacional do Escritor, então essa geralmente a gente está presente. Atualmente ta acontecendo alguns tributos na Biblioteca Nacional, que a gente também comparece, então estamos sempre apoiando, onde os escritores também se encontram. Mas a maioria se dá em família, as famílias em Brasília se encontram bastante. Eu até já promovi, isso até outras pessoas precisavam fazer, que é promover leituras dentro da própria família, juntar os jovens e as crianças para ler poesia, então eu já fiz algumas, e são muito bem sucedidas, as crianças respondem, e sempre foram um sucesso. Reúno crianças da família com crianças da rua, faço a leitura de poesia e eles ficam muito satisfeitos.

A construção de Brasília, ela foi necessária, então nós tínhamos que ter um outro conceito de brasilidade. Nós não podíamos conviver com o que era a beira mar, metrópole, e a província, então a primeira coisa que Brasília fez foi acabar com a província, internalizar tudo. Quando se fala em Brasília se fala sempre em internalização da economia, que é abrir espaço econômico, não, precisava gerar também a internalização da cultura. Por isso que hoje Brasília é um dos maiores centros de escritores, porque todos vieram para cá, quantos escritores não vieram para cá? Quando você coloca ministério, justiça, você coloca poder executivo, um bocado de coisa, então vem uma intelectualidade para essa centralização. E quando você centralizou você vai irradiar a cultura por um meio que não tinha nada, um meio medieval, de ninguém que não tinha nada de pensamento cultural. Você começa a visualizar alguma coisa diferente para o país, então outras leituras tem que começar a serem feitas para Brasília.

Outra questão: quando se imaginou Brasília, imaginaram uma cidade menor, que ia correr menos gente pra cá. Ela vai apresentar problemas e que ela ainda não está preparada para enfrentar, é o inchaço de população para aquilo que ela estava preparada. Não vai ter emprego pra todo mundo, não vai ter espaço para carro. Ela foi preparada para 2 mil pessoas, enquanto que aqui 2 mil pessoas já existe em Taguatinga. Então tem que se repensar totalmente a forma do crescimento de Brasília, não em pensar em tombamento de Brasília, você não pode tombar aquilo que ainda não existe, porque Brasília ainda não existe, ela ta em construção, ela ta em expansão, como é que você vai tombar isso aqui? Eu acho muito prematuro esse questionamento que se faz para Brasília, um tecido social você não pode dizer assim "ó, você pára, você não pode crescer mais". Você não manda no que é social, é o social que define uma localidade, até ouvi um debate de manhã: "não, nós temos que inventar uma forma de fazer uma casa e o indivíduo não mudar a casa". Então você tem um plano social, dar uma casa ela tinha que permanecer igual, porque se o indivíduo altera esse plano você perdeu dinheiro, você dá uma casa com banheiro e o cara não quer o banheiro daquela forma, quebra aquele banheiro. Mas não existe isso, o que define isso é a sociedade, é a mesma coisa de uma cidade, falar "não, só pode existir uma cidade satélite", não adianta, você tem que abrir espaço pro que chega, porque o tecido social ele é dinâmico. Então Brasília é um ser dinâmico que vai mudar completamente, alguns questionamentos que se faz são completamente equivocados.

É preciso que os urbanistas se debrucem sobre essas questões para não enfrentar problemas sérios, de violência, por falta de emprego e até mesmo por falta de acesso à formação. Porque se o indivíduo ele não tem emprego, não tem nada, ele vai ser um problema social. E Brasília não ta crescendo, não tem como crescer a economia, isso daqui não é uma cidade industrial, é só de geração de emprego público. E hoje só se fala em cortar emprego público, todo indivíduo vem pra cá querendo emprego público, e não ta preparado pra isso, porque emprego público você não precisa de 5 mil lixeiros, criar lixeiro não é expansão.

Então Brasília é um ente novo, que se modificou muitíssimo, mas eu sempre vi a cidade em muita ação, justamente porque ele é um ser dinâmico. Brasília sempre tem um foco de pessoas que precisam de moradia, pessoas que precisam de emprego, que são pessoas que estão chegando a todo o momento à cidade. Sem considerar que ela agora tem o seu próprio processo demográfico que vai crescer essa cidade enormemente. Por isso nós vemos hoje caos que existe no próprio trânsito de Brasília, que acontece em outras cidades mas a forma mais violenta que ta crescendo é em Brasília. Porque não tem espaço, a cidade foi muito concentrada, apesar de dizer que existe muito espaço, mas não existe, porque você não tem onde fazer todas as adaptações.

Se você tem tanto carro você imagina quantos não tem porque não tem um emprego? Brasília, eu acredito, é uma localidade que ainda vai enfrentar muitos problemas e que precisa ser encarada com visões muito urbanísticas de novo. Tem que se debruçar sobre isso ver de como vai se resolver isso, não vai ser só metrô e essa coisas que vai resolver essa questão de Brasília. Vai ter que ter descentralização de focos de emprego e tudo, você não pode ter o emprego só centralizado em Brasília. Você vai ter que descentralizar tudo isso e não sei de que forma, porque eu não sou urbanista e não sei que fórmula milagrosa vão encontrar para isso.

-Defina então Brasília em poucas palavras-

Brasília já é uma metrópole, mas sem um caráter próprio. Você não pode dizer "o brasiliense é isso", porque ela não tem um sotaque próprio de linguagem, ela não tem a sua cultura própria. Ela não tem a sua própria política ainda, porque ta em adaptação, você não tem as próprias formas de geração de emprego ainda, porque você depende ainda do Governo Federal e de um bocado de externos. Ser brasiliense ainda é uma forma de encontrar caminhos novos, agora, o que torna isso instigante, é isso, porque quando você mora num local que está definido, já tem linguagem própria e tudo, isso não é aventura. Então ser brasiliense é uma grande aventura e uma forma muito de participar disso, falar assim "eu participei da criação de uma Babilônia" então eu acho que é isso que é extraordinário.

Um comentário:

paulo kauim disse...

essa entrevista tá supimpa

é uma epopéia