domingo, 27 de fevereiro de 2022

Resenha de Gerson Valle

O poeta Salomão Sousa é um dos marcos literários da capital federal. Sua poesia possui uma originalidade marcante. Neste ano em que se comemoram 100 anos da Semana de Arte Moderna, que quebrou os cânones do então parnasianismo, Salomão Sousa merece um exame melhor de sua obra, quando se constata a liberdade do verso encaminhá-lo ao mesmo tempo que para metáforas e outras figuras como para a narrativa ou reflexão mais encontradiças na prosa. Mas, que nele ganham a graça de uma espontaneidade que traz em si o diferencial poético numa forma em nada tradicional. 

Neste ano de 2022, Salomão Sousa publicou um livro em que apresenta sua redação caminhante para várias direções entre a poesia e a prosa, “Bifurcações – memória, resistência e leitura”, Baú do Autor, Brasília. Há poemas em várias páginas, como há artigos, resenhas literárias, crônicas e mesmo ensaios. Mas, dentro de seu estilo de poesia de destacada liberdade e fruição lírica, os textos não expressamente poéticos deles não destoam na continuidade da leitura, dando-lhe, ao contrário, uma benfazeja impressão de repouso, para logo prosseguir nos raciocínios e observações várias em prosa. Tal como um míni-poema-em-prosa que encabeça uma página solitariamente, e que parece referir-se à própria concepção de obra: “Nunca perdemos nada, simplesmente passamos para outra realidade, com experiências adversas aos nossos desejos. Talvez o trem tenha entrado na bifurcação errada.”
As composições passeiam entre observações personalíssimas sobre o “algoritmo”, por exemplo, “Acabar com o xingamento ajuda a Civilização”, “Processo crítico em tempos de legalização da mentira”, neste último já se aproximando de posicionamentos políticos como em “O que é um fascista?”  onde perpassa por obras de, entre outros, George Orwell, Hanna Arendt, Theodor W. Adorno, “Exercícios para exorcizar o autoritarismo”, com afirmativas como “Sempre que alguém insulta, vitupera, ameaça, xinga e chuta ou se julga dono de toda cognição, deixa em dúvida se não esconde uma cauda sobre as vestes”. Em “Para não chocarmos com o fracasso” nos coloca diante da crise política observando que “O mundo está degradante por irmos desaprendendo a amar, pois falar em perda do humanismo não é suficiente”.
Memorável é o artigo “Legado de resistência de Cecília Meireles”, que deveria ser divulgado largamente com o fim de propagar a vida e obra da grande poetisa e educadora. Apresenta a colaboração jornalística perseguida no Estado Novo, junto ao trabalho desenvolvido com o educador Anízio Teixeira. Suas viagens, seu conhecimento de línguas que a aproximou da literatura inglesa, francesa, italiana, espanhola, alemã, russa, hebraica e da escrita nos dialetos do grupo indo-irânico, traduzindo Rilke, Virginia Woolf, Lorca, Tagore, Maeterlinck, Anouilh, Pushkin, bem como, em 3 volumes, “As mil e uma noites”. Enfim, cito apenas tais detalhes para aguçar a curiosidade, havendo muito mais informações e reflexões que necessitam sua leitura. 
Outro poeta modernista também apresentado em várias de suas facetas é Manuel Bandeira, no texto “Muros”, que foi o discurso de posse de Salomão Sousa na Academia de Letras do Brasil.
Por todas as questões aqui levantadas, concluo por sugerir a leitura do livro em pauta, como dos mais destacáveis lançamentos do início deste ano de 2022.

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