terça-feira, 27 de março de 2007

Entrevista ao Vassil Oliveira p/O jornal da Segunda

À semelhança do que acontece com as grandes festas literárias de Parati (RJ) e Passo Fundo (RS), a cidade de Goiás — conhecida até no exterior como a terra da poeta Cora Coralina — sedia o primeiro Festival de Poesia de Goyaz, com a presença de alguns dos mais significativos poetas e estudiosos de poesia do país. As várias vertentes da poesia da atualidade são debatidas em seis grandes painéis, sendo o primeiro deles com exposição do goiano Gilberto Mendonça Teles, além de oficinas literárias, sessões de recitais, exposições e dezenas de lançamentos.
O evento só se tornou financeiramente viável através de um pool de patrocinadores do estado de Goiás. Os coordenadores, Adalberto Müller Jr (também poeta) e Graça Ramos, enfatizam que o evento busca integrar regionalmente o Brasil. “A poesia é o elo, Ela nos une nacionalmente e culturalmente, porque torna a nossa língua mais bela e inteligente.”
A sessão de abertura, em homenagem ao poeta Manoel de Barros, contou com mini-conferência do professor José Fernandes (UFG), pois o crítico goiano foi um dos primeiros a fazer análise da produção do poeta mato-grossense.
Como parte do evento, o Prêmio Goyaz de Poesia premia três autores em certame de âmbito nacional. Os vencedores ganham já em abril a publicação das obras vencedoras através da Editora 7Letras, com distribuição nacional. A comissão julgadora foi constituída pelas professoras Ligia Cademartori (DF) e Célia Sebastiana da Silva (GO) e pelo escritor Ronaldo Costa Fernandes (DF).
Salomão Sousa, goiano residente em Brasília, como um dos premiados do Prêmio Goyaz de Poesia com o livro Ruínas ao Sol, analisa em entrevista especial à Tribuna a importância do Festival de Poesia de Goyaz, o seu processo criativo e aspectos da poesia brasileira.

O que representa o Festival de Poesia para os escritores de Goiás?
Salomão Sousa – Sempre que se realiza um evento de tamanha envergadura, todo aquele que não aparece na grade da programação acaba fazendo leitura desanimadora. Dois vetores já são suficientes para justificar a importância do festival em Goiás. Antes de tudo, para quebra de isolamento dos escritores do Centro-Oeste, pois — acredito — um dos seus objetivos é a promoção do intercâmbio de informações e de relacionamento entre os poetas de todos os Estados. E, para alcance de intercâmbio, cada um tem de abrir concessões. Aos goianos e candangos, cabe a abertura de seus salões, a apresentação de sua poesia, e garantia de abertura de processo crítico, sem perda da elegância e da hospitalidade. A hospitalidade crítica também é fundamental para o intercâmbio cultural.

O Estado de Goiás está suficientemente representado no evento?
Salomão Sousa — Sem dúvida alguma o Estado de Goiás ficou bem representado, principalmente quando coube a Gilberto Mendonça Teles a responsabilidade dos debates da primeira Mesa dos trabalhos, pois nenhum outro poeta representa hoje melhor a poesia goiana. Ele tem respeitabilidade pelos estudos crítico e histórico da literatura brasileira, e tem produção poética conhecida nacionalmente. Com a perda recente de José Godoy Garcia, de Afonso Félix de Souza e de Yeda Schmaltz, a poesia goiana só poderia estar presente com Gilberto Mendonça Teles. Quanto à realização do festival na cidade de Goiás já é sinal de veneração por Cora Coralina. Todo aquele que se faz presente ao festival ou que dele tomar conhecimento inevitavelmente vai fazer reflexões sobre a presença de Cora Coralina, já que ali é a sua terra, sem esquecer que parte da programação acontece na casa dela, em que ela viveu e produziu a obra que todos conhecem. E Augusta Faro e Miguel Jorge, apesar de não serem reconhecidos como poetas, são aqueles que melhor se relacionam com a literatura de outras localidades, já que seus livros alcançam o mercado nacional. E Heleno Godoy — o poeta goiano que mais pesquisa a linguagem da poesia —, por seu passado polêmico, não pode ser menosprezado. Tem auxiliado no debate crítico da poesia no meio acadêmico. Em nome do intercâmbio, alguém acaba perdendo a oportunidade de estar na grade da programação, como é o caso de Brasigóis Felício e de Goiamérico Felício, e muitos outros.

Quanto aos convidados das outras regiões — eles representam as várias vertentes da poesia brasileira?
Salomão Sousa — Sinto ausência apenas dos marginais de Minas Gerais, que sempre animam os eventos em que estão presentes. Ainda nesse ano, realizou-se em Belo Horizonte um encontro especial só para homenagear a obra de Rogério Salgado. Mas poderíamos dizer que na vertente de uma poesia voltada para a comunicabilidade, sem invenção, com preocupação com o mercado, comparecem Carpinejar, Antônio Cícero, Ivan Junqueira e Affonso Romano de Sant’Anna. Como representante de uma poesia preocupada com a tradição moderna, de construção, comparece Paulo Henriques Brito. Só a representatividade da poesia marginal, por ser corrente que não está mais em voga, ficou excessiva. Apesar de os marginais viverem uma crise de identidade — pois estão reconhecendo a necessidade de amadurecimento dos textos —, não chega a ser negativa a extensão da lista dos convidados, pois não podemos negar que eles são mestres em interatividade nas performances públicas. A poesia da pós-modernidade está bem representada. Aos nomes de Micheliny Verunschk (que ainda tem muito para dar, principalmente na depuração objetiva dos poemas), Carlito Azevedo e Fabiano Calixto poderiam se juntar diversos outros.

A poesia brasileira atual tem uma cara? E poderíamos dizer que a poesia de Goiás está desenhada nela?
Salomão Sousa — A poesia sempre vive de glórias do passado. É raro um poeta cair no gosto da crítica logo no primeiro livro lançado. Adélia Prado é o último poeta que o Brasil aceitou de forma unânime desde o primeiro livro (Bagagem, que é um clássico). Depois sobra Manoel de Barros, e, sem unanimidade, Ferreira Gullar. Mas há um lado positivo na poesia atual — a experimentação, a busca, a dúvida quanto às dicções. Cada um está procurando caminhos próprios — por isso a diversidade das linguagens da pós-modernidade da poesia brasileira. Não basta mais o lirismo, a vanguarda ou mesmo a poesia marginal. Essas correntes não têm nada mais para dar. E, num primeiro momento, toda experimentação soa com estranheza. Os ouvidos precisam ser educados para as novas dicções. Para mim, Marcos Sciscar se destaca pela experimentação, e Paulo Henriques Britto, pela certeza, exatidão dos poemas. E, ainda, Iacyr Anderson Freitas (ficou fora do Festival), que consegue percorrer linhas líricas bem peculiares, com transgressões na tradição. Quanto a Goiás — além de poetas atuantes, mesmo sem estarem inseridos nas novas experimentações —, deve se esforçar para consolidar o nome de seus grandes poetas. Goiás não pode viver só da glória de Cora Coralina quando tem poetas muito mais importantes — basta lembrar José Godoy Garcia e Yeda Schmaltz. Jataí também tem de fazer um monumento para José Godoy Garcia, certamente seu maior ídolo, talvez maior que Toniquinho, que se imortalizou só por ter arrancado um compromisso de JK.

Chegou em boa hora a premiação no Prêmio Goyaz de Poesia?
Salomão Sousa — O prêmio demonstra para mim que não está sendo inútil o estudo que venho fazendo sobre os novos rumos da poesia da América Latina. Eu queria me alinhar um pouco mais com a poesia neobarroca — que eu chamo de pós-vanguarda —, sem, no entanto, me desvincular totalmente de minhas raízes goianas. O resultado é uma poesia mais ordenada, sem significar retorno à poesia medida, às linhas simbolista ou romântica. Outro dia eu estava ouvindo Miles Davis e tive o seguinte pensamento: eu nasci na modernidade e para a modernidade. Além do mais, a publicação de um livro inédito, agora em 2006, contribui para as comemorações do 25º aniversário do meu primeiro livro. E só o fato de receber o prêmio ao lado de Marcos Sciscar já me deixa duplamente premiado. Ele busca novas formas e, com isso, tem conseguido montar uma poesia das mais bem sucedidas dos últimos tempos. E não tem sido outro o meu propósito.

Está programando mais algum livro para as comemorações do 25º aniversário de publicação de A moenda dos Dias?
Salomão Sousa — Sob o título geral de Safra quebrada, montei uma antologia dos meus seis livros publicados e acrescentei dois inéditos (Gleba dos excluídos, que reúne os poemas que não se encaixaram nos livros já publicados, e O marimbondo feliz, de poesia infanto-juvenil). Se não for frustrado na captação de recursos para viabilizar a edição, essa antologia será lançada também em 2006.

Quais suas influências? Você acredita em escritor ingênuo, sem leitura, ou a prática da poesia requer uma preparação cultural para ela?Salomão Sousa — Não há literatura sem formação formal e sem reflexos da herança cultural do indivíduo que se propõe a ser poeta. A poesia de um determinado poeta é o somatório da encruzilhada de suas experiências junto à sociedade, à família, à região de seu país, às tradições, conceitos e preconceitos de seu grupo, somado aí o contato com a tradição da poesia. Se fosse desnecessária essa encruzilhada para o surgimento de uma nova dicção poética, todos se proporiam a ser Homero, Shakespeare — e todos chegariam a ser clássico antes de passar pela modernidade de seu tempo. Sem contar a anima poética, que é a grande desgraça do poeta, pois ele nunca terá certeza se vive com ela. As minhas influências remontam ao tempo em que eu andava de calça curta pelas capoeiras da Fazenda Calvo. Já naquele tempo aprendia o nome das árvores, a variação das cores do capim no escorrer das

Nenhum comentário: